quarta-feira, 21 de agosto de 2013

Luchino Visconti
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(1906 - 1976)
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Renomado diretor de cinema italiano nascido em Milão, em italiano Milano, em latim Mediolanum e em milanês Milan, uma comuna italiana, capital da região da Lombardia, província de Milão, um dos fundadores do neo-realismo e criador de algumas obras-primas da história do cinema.

Descendente de aristocratas, era filho do duqueGiuseppe Visconti, desde criança mostrou-se familiar com as artes e a cultura. Teve uma sólida educação clássica, estudou violoncelo por dez anos e foi encenador teatral de peças dramáticas e óperas. Entrou no mundo do cinema em torno dos seus anos 30 anos,  como assistente de um dos grandes mestres da época: o cineasta francês Jean Renoir, que o ajudou a desenvolver sua sensibilidade para questões sociais e políticas.

Trabalhou como seu assistente em alguns filmes, como Toni e Partie de Campagne, antes de voltar para a Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, para começar sua carreira como cineasta. Criador de uma obra em que aliava a estética requintada ao rigor na criação artística e a preocupação com os problemas sociais, ganhou reputação como diretor logo no primeiro filme, Ossessione (1942), considerada uma obra-prima de realismo, uma adaptação não autorizada do romance The Postman Always Rings Twice, do escritor norte-americano James Cain.

Por causa do não pagamento dos direitos autorais da obra original, o filme foi proibido nos Estados Unidos, sendo liberado mais trinta anos depois. Acusado de ser inimigo do fascismo e por causa de seus constantes envolvimentos com a Resistência da época, ele foi condenado à morte, mas conseguiu fugir pouco antes de ser executado. No final da guerra (1945), dirigiu algumas cenas do documentário Giorni di Gloria, sobre o fuzilamento justamente daqueles que o haviam condenado morte.

Com La terra trema (1948), um documentário e início de uma pretensiosa trilogia sobre a vida de pescadores da Sicília filmado em locação sem atores profissionais, ganhou o grande prêmio do festival de Veneza. Na década seguinte, alternou sua carreira com produções em cinema e montagens de peças teatrais e óperas.

Neste período introduziu na Itália a obra de vários gênios da dramaturgia estrangeira como Jean Cocteau e Tennessee Williams e, na produção de óperas, principalmente estreladas pela soprano Maria Callas, obteve sucesso internacional com a combinação de realismo e teatralidade em La traviata (1955), La sonnambula (1955) e Don Carlos (1958). No cinema destacaram-se Senso (1954) e Rocco e i suoi fratelli (1960).

Sua obra cinematográfica caracterizou-se por filmagens em ambientes naturais, combinando atores profissionais com residentes locais, com experimentações com longas tomadas de aproximação e recuo e seqüências de câmara oculta que ampliavam a autenticidade dos registros.

Em sua brilhante carreira deixou outras obras de imenso valor na história do cinema mundial, como Il gattopardo (1963) e La caduta degli dei (1969). Quando morreu em Roma, aos 69 anos, estava terminando de editarL'innocente, baseado na obra de Gabriele D'Annunzio, que foi dirigido em cadeira de rodas e teve de ser finalizado por Ruggero Mastroianni, por causa do seu falecimento.


ADOLPHE APPIA


A nova concepção de drama, que teve suas raízes no final do século XIX, demandou uma nova concepção de cenografia assim como na performance artística do ator. Um dos pioneiros desta época, o cenógrafo suíço Adolphe Appia (1862-1928), apontava a disparidade entre cenografias bidimensionais e a tridimensionalidade do ator como um problema a ser resolvido na concepção da cenografia. Para tal, Appia desenhou cenografias que em sua simplicidade criavam um ambiente tridimensional e não mais um plano bidimensional como o que ocorria na cenografia tradicional.
          
Como muitos dos seus contemporâneos Appia reagiu contra as condições sociais e econômicas do seu tempo, registrando um protesto romântico por almejar uma arte teatral independente da realidade e determinada somente pela imaginação criadora do artista. Os dramas musicais de Wagner serviram de ponto focal para suas idéias. Enquanto que a música e o texto de Wagner eram livres das convenções do mundo real, a representação dos dramas wagnerianos ainda estavam presos às influências convencionais do meio teatral.

Para Appia a solução seguia a ideia de que a música de Wagner constituía não somente o elemento temporal, mas também o espacial, tomando uma forma física na sua encenação. O ponto de partida para Appia foi a concepção wagneriana de Gesamtkunstwerk, ou da participação igual de todas as artes na obra artística total, embora sua visão seja distinta da de Wagner. Este tipo de pensamento favorece ao ator treinado em dança e ritmo. Uma influência decisiva no seu pensamento foi seu encontro em 1906 com Emile Jacques-Dalcroze (1865-1950), que com sua ginástica rítmica representava a realização da síntese entre a arte musical e o corpo vivo do ator. Esta síntese se refletirá nas criações de Appia intituladas “espaços rítmicos”, realizados a partir 1909. Estes demonstravam o princípio do “espaço vivo” formulado na L'œuvre d'art vivant (1921). 

A obra de Appia é antes de mais nada uma obra de reflexão, está contida basicamente nos seus três livros mais importantes: La Mise en scène du drame wagnérien (1895), Die Musik und die Inszenierung (1899) e L'œuvre d'art vivant (1921). Appia tem como ponto de partida para suas reflexões a obra wagneriana, é ela que dá a suporte para sua discussão e que com suas contradições torna-se a fonte principal de seu trabalho.

Os seus primeiros esboços são destinados a Tetralogia. Seus primeiros escritos concernem a representação do Der Ring des Nibelungen (Anel dos Nibelungos) e a mise en scène do drama wagneriano. É com esta obra cheia de possibilidades e problemas cênicos que ele vai se preocupar e são suas representações que provocaram sua reação. Appia identificou os seguintes problemas essenciais: 1. Wagner criou um novo tipo de drama onde a sua força expressiva baseia-se na vida interior dos personagens e que estes são suficientes para a localização espacial da ação dramática; 2. as óperas de Wagner eram representadas com os tradicionais panos de fundo pondo em contradição o ator como um ser vivo e uma cenografia que tentava representar ou criar a ilusão de um ambiente.

No entanto, as indicações cênicas supérfluas mantiveram o drama wagneriano preso à visão realista de seus contemporâneos. Apesar de ter renovado a estrutura dramática, Wagner manteve a representação tradicional. Para Appia o Festspielhaus representava o gênio de Wagner mas em compensação as suas produções exprimiam uma grande contradição entre as propostas de renovação de Wagner e a impossibilidade de realizá-las. Com a consciência da oposição entre o drama wagneriano e a falsidade dos telões de fundo pintados, Appia criticou as práticas teatrais de seu tempo. Condenou o espaço cênico italiano com sua oposição de dois mundos claramente distintos, o do espectador e o do mundo fictício. Esta distinção entre o mundo real e o imaginário levou Appia a propor a criação de um mundo cênico que desse a ilusão de ser um mundo real. Com a impossibilidade de imitar o mundo real no palco, Appia propõe a cópia deste universo através da criação de um mundo simbólico. Ele transforma a cenografia em um conjunto de signos que fornecem ao espectador toda a informação demandada para sua localização histórica, geográfica, social etc. A pintura pode imitar o mundo real, Appia impõe limites as suas convenções, ele reduz toda figuração a superfícies planas.

Para a criação no teatro de um espaço delimitado, ele o faz através de grandes panos ou cortinas verticais penduradas uma atrás da outra e que criam a ilusão de que o ator penetra na cena - a cena passa a ser tridimensional. Ainda o ator deve ser posto em algum plano horizontal para delimitar-se outra linha do espaço cênico, os grandes tablados horizontais, os praticáveis, fornecem este plano de estabilidade formando um grande equilíbrio com o plano R.cient./FAP, Curitiba, v.4, n.1 p.1-16, jan./jun. 2009 10
vertical. A busca por uma cenografia simbolista terminou com a incompatibilidade entre a cenografia e o ator, a realidade do ator e a ficção da cenografia, onde os elementos deixaram de ser submissos à presença humana.

Para Appia o teatro deveria oferecer uma unidade perfeita de representação, uma harmonia completa entre os diversos elementos que compõem o espetáculo. Ele parte de uma reflexão sobre as contradições do drama wagneriano e ataca a noção da Gesamtkunstwerk. Para ele, a síntese entre as artes não passa de uma utopia, Appia escreve: “Se a arte dramática deve ser uma reunião harmoniosa, a síntese suprema de todas as artes, eu não compreendo mais nada de algumas destas artes, e muito menos a arte dramática, o caos é completo” (APPIA, 1921, p. 31). Appia propõe uma distinção entre as artes temporais e as espaciais. Ele não tenta fazer a síntese entre todas as artes proposta por Wagner mas sim uma ordenação entre os elementos do espetáculo que tenham uma importância essencial para que a arte dramática atinja seu maior potencial expressivo. Em suma, Appia refuta a separação entre a cenografia e o ator imposta pela ilusão criada pelo realismo e nega a concepção wagneriana de uma ação comum entre as artes, desta maneira se afastando da concepção original de Gesamtkunstwerk. Sua proposta é a de uma hierarquização entre os elementos que fazem parte do drama. A hierarquização proposta por Appia, embora artificial, estabelece o seguinte, em ordem de importância: ator, espaço cênico e iluminação.

Ator

Para Appia o fundamento da arte teatral é a ação dramática. O portador desta ação é o ator que encarna o personagem, é um elemento vivo e plástico e é o centro da cena. A atenção do espectador se concentra sobre sua presença, que é de onde emana todo o poder expressivo da ação dramática. Segundo Appia, O ator é o fator essencial da ação dramática, é ele que vemos e é dele que é expressa toda emoção que procuramos. Devemos a todo preço fundamentar a ação dramática na presença do ator e portanto devemos evitar todo tipo de contradição com sua presença. Assim, o problema técnico é claramente exposto (apud BABLET, 1989, p. 249).

Espaço Cênico

Assim, Appia rejeita novamente a cenografia bidimensional representada pelos telões de fundo e favorece a cenografia em três dimensões. Sendo o ator o elemento mais importante dentro da hierarquização proposta por Appia, é natural que a questão do espaço cênico se volte para a tridimensionalidade. Também é natural supor-se que haverá uma congruência plástica entre a cenografia e o ator. Esta harmonia é alcançada através de elementos espaciais que demandam do corpo humano sua expressão natural ao se mover em um ambiente tridimensional. Para Appia, os movimentos do corpo humano demandam obstáculos para se expressar, todos os artistas sabem que a beleza dos movimentos do corpo dependem da variedade de pontos de apoio que oferecem o chão e os objetos (Apud BABLET, 1989, p.254).

Appia constata que para a completa expressão do corpo humano são necessárias certas resistências que devem ser ordenadas em volumes e planos de contraste, daí a geometrização dos cenários de Appia, onde são empregados um número de linhas retas, verticais, horizontais e oblíquas, praticáveis e escadas (a escada nada mais é que uma combinação de linhas oblíquas, verticais e horizontais), e que oferecem ao corpo humano uma complexa resistência onde sua expressão é forçada ao máximo. Appia designava estes cenários de espaço rítmico.

Iluminação

A iluminação almejada por Appia é aquela que dá vida ao espaço pelo seu jogo de sombras e que age sobre nossa sensibilidade pela sua intensidade variável, sua direção, suas diferentes cores e sua mobilidade. No teatro a iluminação é um fator de animação, de sugestão e de evocação de uma natureza que se aproxima à música, ela pode evocar determinadas atmosferas e ambientes de forma subjetiva. Ainda a iluminação assegura a fusão entre os diferentes elementos do espetáculo. Para Appia, a iluminação tem as seguintes funções: 1. ela aumenta o valor plástico do universo cênico, e lhe confere seu máximo poder expressivo; 2. contribui para a criação de uma atmosfera ou um ambiente cenográfico; e 3. a iluminação pode substituir os signos fornecidos pela pintura, e pode criar a cenografia de si mesma ou através de sombras sugestivas. 
A farsa do mancebo
que casou com a mulher geniosa

                                                                                                              de Alejandro Casona
                                                                                                              tradução de Walmir Ayala


PERSONAGENS

Patrônio
Mancebo
Pai do Mancebo
Moça
Pai da Moça
Mãe da Moça
Músicos e Dançarinos


PRÓLOGO

(Patrônio, diante da cortina, fala com a platéia)

Patrônio – Minhas senhoras, meus senhores, um momento de atenção. Quereis divertir-vos com uma antiga história? Apresento-me: sou Patrônio, criado e conselheiro do muito ilustre Conde Lucanor, o qual costuma consultar-me toda vez que uma dúvida o assalta. A dúvida desta vez é que a um criado prepararam casamento com uma moça muito mais rica do que ele, e de alta linhagem. É um bom negócio, direis. Mas meu amo não se atreve a levá-lo adiante, por um receio que tem. Acontece que a tal moça é a mais violenta e geniosa coisa que há no mundo. De tão mau gênio que certamente não haveria marido que possa com ela. Por isso eu, Patrônio, conselheiro fiel, quero levar à cena hoje, neste palco, esta história, para que sirva de exemplo a vós todos e a meu prezado amo. Esta é, pois, a “História do mancebo que casou com a mulher geniosa” e das artimanhas que usou para dominá-la desde o dia em que se casaram. Escutai a história que está escrita num famoso livro, primeiro dos livros de contos que em terras de Espanha se escreveram. E contribua o prazer e a reflexão que vos cause, para a maior glória de seu autor, o infante Dom João Emanuel, que há 600 anos foi em Castela cortesão discreto, poeta de “cantares” e autor de livros de caçada e de sabedoria. (Patrônio se retira e sobem ao palco o Mancebo e o Pai do Mancebo)

CENA 1

Pai – Aconselho-te, meu filho, que penses melhor antes de bater nesta porta. A tal donzela que pretendes é muito mais rica do que nós e da mais alta linhagem. Não é bom que a mulher supere em dotes e fortuna a seu marido.
Mancebo – Sei disso. Mas pensai também, meu pai, que sois pobre e nada tendes para me dar que me possibilite viver honradamente. Assim sendo, se não colaborais para que este casamento se realize, serei forçado a viver com privações ou ir-me desta terra em busca de melhor sorte.
Pai – Fico espantado de teu intento e ousadia. Sois tão diferentes um do outro. Tu és pobre e ela é rica e tem mais terras do que poderias percorrer a cavalo num dia e andando a trote.
Mancebo – Não deis tanta importância a isto. Se ela tem fortuna eu a aumentarei com meu esforço. Se tem tantas terras que não se pode percorrer num dia andando a trote, andarei a galope.
Pai – Não é só isto. O quanto tens tu de boas maneiras tem essa moça de más e arrevesadas.
Mancebo – Eu vos asseguro, pai, que não há mula falsa onde for bom o cavaleiro. E que saberei manter firme a rédea desde o princípio.
Pai – Olha, rapaz, que seu pai nunca pôde dominá-la. E tem tal gênio que não há homem no mundo, a não ser tu, que queira casar com tal demônio.
Mancebo – Podeis bater na porta, pai. A moça é brava? Seja! Mas com braveza e tudo é de meu gosto. Se o seu pai consentir no casamento eu saberei como se passarão as coisas em minha casa desde o primeiro dia. Batei sem medo.
Pai – Já que insistes. Não digais depois que não te avisei em tempo. Peçamos a mão da moça e queira Deus que não no-la concedam. (Bate com o cajado) Ó de casa! Descerra-se a cortina aparecendo a casa da moça. O pai da pretendida, que está só, levanta-se a ver os vizinhos)

CENA 2

Pai Rico – Olá, senhor vizinho!Bons ventos o trazem! Em que lhe posso ser útil?
Pai Pobre – É um pedido que vos venho fazer para este meu filho...
Pai Rico – Posso saber do que se trata?
Pai Pobre – Amigo e senhor, tendes uma filha única...
Pai Rico – Uma única, é certo, mas que me preocupa como se fossem duzentas.
Pai Pobre – E eu só tenho este filho. Em outros tempos, quando éramos pobres os dois, unimos nossa amizade. Hoje venho pedir-vos, se for de vosso gosto, que unamos também nossos filhos.
Pai Rico – Será que estou ouvindo bem, vizinho? É de casamento que me falais?
Pai Pobre – Já adverti o rapaz de vossa riqueza e da nossa humildade. Mas ele insiste...
Pai Rico (Avançando, cheio de assombro, para o Mancebo) Então este moço quer casar com minha filha?
Mancebo (Humilde)Se for de vosso gosto...
Pai Rico – É inteiramente de meu gosto. Deus te abençoe, meu filho. Que peso me tiras das costas.
Pai Pobre – Então, está concedida a noiva?
Pai Rico – Já está entregue. Mas nunca aconteceu que homem algum quisesse carregar com ela de minha casa. Antes porém, por Deus, eu seria um falso amigo, se não vos avisasse do que pode acarretar essa decisão. Somos amigos e tendes um ótimo filho, seria grande maldade consentir em sua desgraça. Certamente sabeis que minha filha é áspera e geniosa como uma megera, e se o rapaz chegar a casar com ela mais lhe valeria uma boa hora de morte do que tão difícil vida.
Pai Pobre – Tranqüilize-se, senhor. Quanto a isso podeis ficar descansado. O rapaz bem sabe do temperamento da noiva e mesmo assim deseja casar-se. Não foi enganado.
Pai Rico – Então não se fala mais. Se assim é eu a entrego de bom grado, meu filho. E que o céu te auxilie nesta empresa. (Ouve-se de dentro da casa grande ruído de gritos e pratos quebrados) Não se espantem: é a moça que discute amigavelmente com sua mãe. (Chama) Olá, menina! Senhora minha mulher! Vinde aqui! Temos grandes novidades! (Saem mãe e filha, muito furiosas, em grande discussão, disputando um pano que ambas puxam cada uma para si) Mas que é isso, senhora? Filha indomável! Assim apareceis? Não vedes que temos visitas?
Moça (Atrevida, olhando-os de alto a baixo) E que visitas são estas?
Pai Rico – Este rapaz, minha filha, é teu futuro marido.
Moça – Meu marido? Este? (O Mancebo faz uma reverência. A Moça ri às gargalhadas) Não me pudeste encontrar coisa melhor na feira, meu pai?
Mãe – Muito me espantaria, marido, se fizésseis alguma coisa usando a cabeça. Então, com o mais esfarrapado da cidade haveria de se arruinar nossa filha?
Pai Rico – Calai, senhora, e não retruqueis mais. É de minha vontade e está decidido. Amanhã será o casamento.
Mãe – Vossa vontade! E que vontade é a vossa, seu frouxo? Ai, minha filha, minha pobre filha...
Pai Rico (Confidencialmente para o vizinho) – A mãe não é menos tirana, amigo. Mas esta já não há quem me tire de casa. (Fecha a cortina e volta a aparecer Patrônio)

CENA 3

Patrônio – Assim começa a nossa história. Logo veremos como prossegue e termina. Forte é a moça e bem decidido o mancebo. O que resultou desta união logo sabereis. Eu me retiro, que o cortejo está por chegar, e só vim aqui para vos avisar que o casamento se fez e já trazem a noiva à casa de seu marido. (Saúda o cortejo que vem pelo meio da praça e sai. O cortejo desfila diante do público e sobre no palco, tocando gaitas, tambores e pandeiros. Em seguida, o Pai Rico e a Mãe. Atrás os noivos e os pares de moços e moças coroadas de grinaldas em flor. Cantam e dançam “Um romance de bodas”)

Cortejo – Maio em flor vos traz
                gentis atavios
                os alegres campos,
                as fontes e os rios.
                Erguem a cabeça
                salgueiros bravios,
                e as verdes espadas
                de onde apontam lírios (Dançam e repetem cantando a primeira estrofe)

Pai Rico (Chamando a Moça à parte) – Estás casada, minha filha, ouve agora meu conselho: obedece e serve a teu marido, que há mais sossego em obedecer do que em mandar.
Mãe (Tomando a Moça pela mão e levando-a para o outro lado) – Estás casada, minha filha, ouve agora um conselho: não te deixes abrandar nem por bem nem por mal; que ao que lambe as mãos, a este dão pancadas.
Pai Rico – Ei, senhores. Retire-se agora o cortejo. Que fiquem sós os noivos. Até outro dia. (Despedem-se entre risos e abraços e saem todos cantando. O Mancebo descerra a cortina e entra coma noiva em sua casa. Está posta a mesa e sobre ela um candelabro aceso. Ao fundo, por uma janela, vê-se a cabeça de um cavalo ruminando no curral. Enquanto a noiva retira a grinalda e os enfeites, ouve-se cantar o cortejo, distante).  

CENA 4

Mancebo – Digo-te, mulher, que não se cumpre conosco o costume desta terra, de servir a ceia dos noivos sem que lhes falte nada.
Moça – Mas não vês aí tudo?
Mancebo – Não vejo onde está a bacia da água para lavar as mãos.
Moça – Água para lavar as mãos! Essa é boa, marido. Contenta-te em comer e calar, que em tua casa certamente não te davas ao luxo dos lavabos.
Mancebo – Te enganas. Sempre fui pobre, porém limpo. E quero me lavar. (Pausa. Ela não liga importância. Ele dá um soco na mesa, erguendo o tom de voz) Quero me lavar, ouviste? (Olhando em volta de si) Ei, tu, dom cachorro, dá-me água para as mãos! (Outra pausa. Espera) Como! Não ouviste, cão traidor? Eu te ordenei que me trouxesses água para as mãos. Ah, calais? Não me obedeces? Não perdes por esperar. (Sai furioso para trás das cortinas e dá punhaladas no cachorro, que late espantado)
Moça – O que fizeste, marido? Mataste o pobre cão. Olhem que tipo de homem é esse...
Mancebo – Mandei que trouxesse água e não me obedeceu...(Limpa o punhal na toalha da mesa e torna a olhar ao redor de si, contrariado. Dirige-se a um suposto gato, do outro lado da cortina) E tu, dom gato, me traz água para as mãos!
Moça – Falas com o gato, marido?
Mancebo (Sem dar atenção à mulher) – Como? Tu também calas? Traidor! Não viste o que aconteceu ao cão por não me obedecer? Aviso que se insistes em teimar comigo terás o mesmo fim. Dá-me água para as mãos agora mesmo!
Moça – Mas marido, como queres que o pobre gato entenda de bacias d’água?
Mancebo (Impõe silêncio com um gesto, secamente) O quê? Nem te mexes apesar de tudo? Ah, gato traidor...Espera, espera e já verás! (Sai entre as cortinas. Ouve-se um miado estridente. O mancebo volta com um gato espetado na espada. Joga-o ao pé da moça)
Moça – Ai, pobre gatinho! (Ergue o bichano tristemente pelo rabo comprovando que está morto)
Mancebo – E agora tu, dom cavalo. Traz-me água para as mãos! Vamos!
Moça – Isso não! Pensa, marido, que cachorros e gatos há muitos, mas cavalos tens apenas este.
Mancebo – Ora, mulher, pensas que por não ter outro cavalo este vai se livrar de mim se não me atender? Que cuide de não me aborrecer, do contrário terá tão negra morte quanto os outros. (Voltando-se para ela, que retrocede assustada) E não haverá viva alma nesta casa a quem não faça o mesmo. (Para fora) Ei, dom cavalo! Ouviste? Dá-me água para lavar as mãos!
Moça (Perturbada) – Enlouqueceu! (O Mancebo puxa da pistola e dispara em direção ao cavalo. O animal cai pesadamente) Deus nos valha, marido! Mataste o cavalo!
Mancebo – E daí? Pensas que admitirei dar uma ordem em minha casa e não ser obedecido? (Dá um ponta-pé na cadeira. Volta a olhar para os lados com fúria. Fixa o olhar na Moça e se aproxima. Fala calculada e lentamente) Mulher, dá-me água para lavar as mãos.
Moça (Tremendo) – Água? Agora mesmo! Por que não pediste antes, marido? (Corre para dentro e volta com uma pequena bacia d’água e uma toalha) Espera! Não te canses! Eu mesma te lavarei!
Mancebo – Menos mal. Agora serve a ceia.
Moça – Sim, sim...agora mesmo...É só mandar, marido. (Serve, prodigalizando-lhe sorrisos. Fica em pé enquanto ele come)
Mancebo – Ah, como agradeço aos céus por teres obedecido prontamente. Caso contrário, com o tédio que tenho, faria contigo o mesmo que fiz com o cavalo.
Moça – E como não haveria de te obedecer, marido? Sei muito bem que não há qualidade que assente tão bem numa mulher como a de servir e honrar ao senhor de sua casa. Mande-me o quanto quiser. Eu juro...
Mancebo (Interrompendo) – Cala-te! Chega!
Moça – Sim, sim...perdão.
Mancebo – A ceia não esteve satisfatória. Que isso não torne a acontecer.
Moça – Não te preocupes. Amanhã eu mesma a prepararei...
Mancebo – Bem, agora eu vou ao leito. Cuidado, mulher, que nada me perturbe o sono. Com a raiva que tive esta noite nem sei se poderei dormir. Esta cadeira...
Moça – Sim, sim...(Apressa-se em pôr a cadeira no lugar)
Mancebo – Ilumina o caminho!
Moça – Sim, sim... (Acompanha-o com o candelabro, cedendo-lhe a dianteira com uma reverência. Sai o mancebo. Fora recomeça o romance de bodas. A Moça volta e corre até a janela) Loucos! Que fazeis? Psiu...Não perturbeis meu marido senão seremos todos mortos! (Cessa a música. Ela impõe silêncio ao público, na ponta dos pés) Silêncio, silêncio todos, por Deus. Meu amo está dormindo...(Fecha as cortinas levando um dedo ao lábio. Mudança de luz. Sai o pai da moça. Escuta levando a mão à orelha)

CENA 5

(Diante da cortina)

Pai Rico – Não se ouve nada...que se terá passado aqui? (Chama) Meu genro! Ó meu genro! (Sai o Mancebo) Então?
Mancebo – Já está mansa...
Pai Rico – Mansa? Minha filha?
Mancebo – Mansa como uma ovelha.
Pai Rico – Mas isto é maravilhoso! Conta-me como te arranjaste para conseguir tal milagre?
Mancebo – Puxando forte a rédea desde o princípio. Mandei o cão trazer água, como não obedeceu, matei-o a punhaladas diante dela. Fiz o mesmo com o gato e depois com o cavalo. Assim, que quando ordenei-lhe que me trouxesse água, obedeceu voando por medo de sofrer igual castigo. Eu vos garanto que de hoje em diante vossa filha será a mulher mais bem mandada do mundo. E juntos teremos uma vida muito feliz.
Pai Rico – Por todos os diabos, rapaz...Que grande idéia me estás dando...se eu puder fazer o mesmo com a mãe, que também é uma tirana!
Mancebo – Não sei o que dizer, meu sogro. Mas penso que nunca os segundos tempos foram bons...Lembrai-vos daqueles versos de Lucanor: “Se no início não mostras que és capaz, não poderás mostrá-lo nunca mais”. Cuidado, aí vem vossa mulher...
Pai Rico – Por tua alma, rapaz! Deixa comigo esta espada.
Mancebo – Aqui está. Que o céu vos ajude...Adeus, meu sogro. (Sai o mancebo. Descerra-se a cortina outra vez e entra a Mãe)

CENA 6

Mãe – Que fazeis aqui, marido, tão cedo e com uma espada na mão?
Pai – E quem sois para perguntar-me alguma coisa, senhora?
Mãe – Hein? Perguntais quem sou?
Pai – Falai quando fordes mandada e muito cuidado para não me aborrecer. (Ouve-se de dentro o canto de um galo)
Mãe – Com que então essa é a nova fala vossa, hein, marido?
Pai Rico – E antes de replicar mais uma palavra, olhai bem o que vou fazer. Ei, tu, dom galo, traz-me água para lavar as mãos!
Mãe – Mas o que fazeis, dom fulano? É com o galo essa conversa?
Pai Rico – Silêncio! E fique de olho no que se vai passar aqui! (Para o suposto galo) Não ouviste que te pedi água para as mãos? (Pausa) O quê? Não me obedeces? Espera, espera! (Sai furioso)
Mãe – pelo que vejo hoje a festa é completa...(Volta o Pai, trazendo o galo morto pelo pescoço)
Pai Rico – Viste o que aconteceu com este galo por não me obedecer?
Mãe – Vejo muito bem, marido. Porém tarde demais vos lembrastes de tal providência. Isto deveria ter começado há trinta anos. Agora tão bem já nos conhecemos que nada disso me convenceria, ainda que matásseis cem cavalos...(Arrebatando o galo da mão do marido e agredindo-o com ele) Vamos, vamos! Para dentro, toleirão! Já! Não há galo morto que te salve! Vamos, vamos!

F     I     M


                                               
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terça-feira, 20 de agosto de 2013

ESCLARECIMENTO

Antes de postar o que se segue, acho imperioso fornecer algumas explicações. Após o fechamento do último jornal em que escrevi, a Tribuna da Imprensa, criei este blog e passei a escrever em um jornal alternativo, o Folha Zona Sul - uma edição mensal, gratuita, com distribuição em escolas e faculdades de teatro, em algumas livrarias, como a Travessa e Letras & Expressões etc. No Folha costumo publicar duas ou três críticas a cada edição.

Em fevereiro de 2011, o editor-chefe, Fabrício Azevedo, me propôs entrevistar o diretor teatral Eduardo Wotzik. A entrevista foi feita e parece que todos gostaram muito do resultado. Dois anos depois, Fabrício me pergunta se gostaria de inverter o processo, ou seja, o Wotzik entrevistaria a mim. Fiquei surpreso com a proposta, pois não consegui imaginar que interesse poderia despertar nos leitores do jornal uma entrevista com um crítico teatral. Mas, enfim, ela foi feita, e publicada em abril deste ano. Hoje a reli, dei algumas risadas e em alguns momentos me surpreendi emocionado. Então, resolvi partilhar com vocês a dita entrevista. Vamos a ela.

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ENTREVISTA

de Eduardo Wotzik a Lionel Fischer

- UM HOMEM DO TEATRO -

Um homem que consegue a façanha impossível, impensável e improvável de ser crítico teatral e amado por todos. Por isso vou fazer o maior número de perguntas possíveis para ver se juntos conseguimos desvendar através de suas respostas este intrincado enigma.

1 - Diga logo, idade, estado civil, quantas filhas e quanto tem no banco?

R - 63 anos, divorciado (três casamentos, dois sem papel), duas filhas, ambas atrizes (Rita Fischer e Julia Stockler), um filho (Bruno Linhares, advogado, parecerista do MINC e excelente gaitista). Tenho no banco o suficiente para achar bastante provável que, na semana que vem, não tenha mais nada.

2 - Qual sua maior paixão?

R - Teatro. E, em especial, o trabalho do ator.

3 - Você gosta do teatro ou foi o melhor emprego que arrumou?

R - Se teatro fosse emprego, tenho a singela impressão de que poucos se dedicariam a ele. Trata-se, simplesmente, de amá-lo acima de todas as coisas e ver nele o mais poderoso veículo de transformação e comunhão entre os homens.

4 - Você se formou em Jornalismo ou Teatro?

R - Em nenhum dos dois. Como casei pela primeira vez aos 17 anos, tive que correr atrás. E ingressei no jornal Correio da Manhã. Naquela época, não existia faculdade de Jornalismo ou de Comunicação. Com relação ao teatro, optei por estudar inicialmente com Maria Clara Machado, no Tablado, onde permaneci dos 15 aos 21 anos. A outra opção da época era o Conservatório Nacional de Teatro. Mas quando conheci a Maria Clara, não quis saber de mais ninguém.

5 - Como começou a fazer teatro?

R - Comecei no Tablado. Na época, só havia duas turmas: a de iniciantes e a dos adiantados. Fiquei um ano nos iniciantes e depois passei para a outra. Curiosamente, não fiz nenhuma peça no Tablado como ator - talvez porque já estivesse mais voltado para a direção. Fui assistente da Maria Clara em duas peças e também dirigi outras por sugestão dela, sempre com alunos que estavam começando - dentre outras, "À margem da vida" (Tennessee Williams) e "Aquele que diz sim, aquele que diz não" (Bertolt Brecht). Esta última marcou a estreia, como atores, do Bernardo Jablonski, Sura Berditchewsky, Louise Cardoso, dentre outros. Com Maria Clara fiz duas peças como ator, ambas no Teatro Ipanema: "Aprendiz de feiticeiro" e "Pluft, o fantasminha".

6 - Como começou a escrever teatro? Por quê?

R - Quando tinha 34 anos e após incontáveis tentativas de formar grupos, e mesmo depois de ter levado à cena uns dois ou três espetáculos muito bem recebidos pela crítica, resolvi que nunca mais poria os pés em um teatro. Passei cinco anos sem assistir nada. Quando tinha 39 anos e trabalhava no jornal O Globo como repórter e resenhista de livros, pintou um convite para fazer crítica teatral. Escrever sobre espetáculos foi o que me possibilitou retomar uma paixão que julgava abortada para sempre.

7 - Ser crítico teatral ajuda a arrumar namorada?

R - E como! (sem trocadilho, por gentileza...ou com trocadilho, se preferir...). Na verdade, o que acontece é que você passa a ter contato com uma infinidade de pessoas, desde que você não se coloque como detentor do monopólio do saber. Sendo como sou, gosto de conversar, trocar ideias, estou sempre aberto a rever opiniões e, não raro, assisto ensaios de profissionais mais chegados. Essa convivência tão próxima permite eventuais envolvimentos, sem que isto, em nenhuma hipótese, vá alterar minha opinião sobre um espetáculo ou um desemprenho. Ou seja: posso estar perdidamente apaixonado, mas se a dama em questão for atriz e estiver mal numa peça, certamente que não hesitarei em apontar o que me parece equivocado.

8 - E ser professor de teatro, como começou?

R - Começou no próprio Tablado, em 1996. Estava completamente sem grana (e aqui cabe registrar que sinto comovente paixão pelo dinheiro, só lamentando o fato de ele não nutrir por mim um sentimento análogo) e fui falar com a Maria Clara. Não havia horário disponível, mas ela reativou um, às sextas-feiras, às 19h30.

9 - A profissão de crítico de teatro arrecada dinheiro, amigos ou inimigos?

R - Só ganhei razoavelmente no período em que escrevi no Globo (1989/1990). Depois passei pelas revistas Visão e Manchete, e pelos jornais Última Hora e Tribuna da Imprensa (neste último, fiquei 16 anos). Mas os rendimentos eram sempre irrisórios. Quando ao quesito "arrecadação", tive no máximo uns dois desafetos. Em compensação, ganhei uma infinidade de amigos, muitos deles parceiros em algumas empreitadas teatrais.

10 - Qual o espetáculo dos milhares que viu que mais gostou? Cite cinco.

R - Citar o que mais gostei é literalmente impossível, pois as circunstâncias são sempre diversas - minha idade, meu estado emocional etc. Mas, vamos lá: "O livro de danças" (Grupo Odin, direção de Eugenio Barba), "A classe morta" (Grupo Cricot 2, direção de Tadeuz Kantor), "O balcão" (Jean Genet, direção de Victor Garcia), "O arquiteto e o imperador da Assíria" (Fernando Arrabal, direção de Ivan de Albuquerque) e "O futuro dura muito tempo" (não me lembro o autor, mas a direção era do Marcio Viana).

11 - Qual espetáculo mudou sua vida?

R - "Pluft, o fantasminha", que assisti no Tablado trocando o colo do meu pai pelo de minha mãe várias vezes, segundo eles. E conforme me disseram anos mais tarde, a peça mexeu tanto comigo que os intimei a me levar várias vezes para assisti-la.

12 - Acha que o teatro pode mudar a vida das pessoas?

R - Não só acho que pode, mas deve. Essa é a função primordial do teatro: promover um encontro entre quem faz e quem assiste de tal forma que a pessoa se sinta compelida a empreender reflexões sobre si mesma e sobre o mundo em que vive, daí advindo inevitáveis transformações. Um teatro que não transforma não é teatro: pode ser apenas considerado uma espécie de couvert de tediosas pizzas...

13 - Prefere comédia, drama ou tragédia para ver?

R - Prefiro tudo, desde que seja bom. Mas acho comédia o gênero mais difícil, porque sua eficácia é atestada pela imediata e audível reação da plateia. Já conferir lágrimas é mais complicado...

14 - Será Lionel Fischer o único homem de teatro completo? Dirige, dá aulas, escreve sobre e atua?

R - Devem ser muitos os "Lionel Fischer" que existem por aí certamente mais competentes do que eu. O que ocorre comigo é que, dada a minha já mencionada paixão pelo teatro, gosto de me envolver em muitos de seus aspectos. Quando comecei no Tablado, por exemplo, fui bilheteiro, operador de som, operador de luz, contra-regra, faxineiro, costurei figurinos, pintei cenários etc. E muito me orgulho de ter exercido todas essas funções.

15 - Qual das funções do teatro extrai mais prazer?

R - No momento, em função das circunstâncias, dar aulas e escrever sobre espetáculos. Dar aulas me emociona profundamente, em especial pela relação aberta que estabeleço com os alunos. Quanto aos espetáculos, adoro quando saio com mais dúvidas do que certezas, o que, não raro, me faz até esquecer aonde estacionei o carro...

16 - Qual o autor predileto? Nacional? Estrangeiro?

R - Tendo que eleger apenas um, nacional e estrangeiro, Nelson Rodrigues e Tchecov.

17 - Qual a melhor peça jamais escrita?

R - Se tal peça "jamais" foi escrita, só posso concluir que a melhor ainda está para surgir. Mas se ao invés de "jamais" você tivesse dito "já escrita", aí realmente não saberia o que responder. Mas pegaria uma dos gregos, uma de Shakespeare e outra do Tchecov.

18 - Melhor ator que viu em cena?

R - Rubens Corrêa em "Diário de um louco".

19 - Melhor atriz que viu em cena?

R - Nuria Espert em "Yerma".

20 - Melhores encenações.

R - Já citei cinco na resposta 10. Mas vamos a mais cinco: "Cemitério de automóveis" (direção de Victor Garcia), "Paraíso Zona Norte (direção de Antunes Filho), "Antígona" (Living Theatre), "A tempestade" (Peter Brook) e "Música para cortar os pulsos" (Rafael Gomes) - não cito nenhuma direção tua que é pra não pensarem que estou babando teu ovo...no sentido metafórico, naturalmente...

21 - Momentos em que sentiu que o teatro e fazer parte dele valia a pena.

R - Todos aqueles em que percebi que pouco ou quase nada sabia a respeito da vida e de mim mesmo.

22 - Momentos que sentiu que o teatro e fazer parte dele não valia a pena.

R - Sempre que me deparo com uma montagem que conspurca o sagrado espaço da representação.

23 - Motivo de orgulho.

R - Como crítico, a consciência de que jamais protegi ou persegui ninguém.

24 - De desapontamento.

R - Perceber como muitos talentos se perdem em sua ânsia pelo sucesso a qualquer preço.

25 - De mágoa.

R - Nenhuma. A mágoa é como o câncer, é como a inveja. Se não ficarmos atentos, ela toma conta de nós. E a nada conduz de positivo.

26 - De reclamação. Pode soltar o verbo.

R - Sei que não estou anunciando aqui o descobrimento da pólvora, mas cada vez mais me assombra o descaso com que a Cultura é tratada em nosso país. E não vejo, a curto prazo, nenhuma perspectiva animadora. E como poderia ver, se os detentores do poder, em sua esmagadora maioria, se resumem a analfabetos e corruptos, unicamente voltados para seus interesses, quase sempre escusos? Mas também acho que parte da culpa cabe a todos nós, que aceitamos passivamente (de uma maneira geral) tudo aquilo que deveria nos indignar. Somos um povo pacífico, dizem. E parece que vivemos no melhor dos mundos, desde que exista futebol, carnaval e cerveja...

27 - Uma esperança.

R - Que um dia acordemos e digamos BASTA!!!

28 - Prefere a Barbara Heliodora ou Jiló?

R - Adoraria ver a Barbara degustando um saboroso jiló...será que ela aprecia esta singular iguaria?

29 - O tempo ajuda? A idade melhora o homem?

R - O tempo só pode ajudar se tivermos consciência da própria finitude, o que impõe seguidas urgências. Como dizia John Lennon: "A vida é aquilo que acontece enquanto planejamos o futuro". E a melhor idade é certamente a que se tem. Desejar outra é a maior cilada.

30 - Três histórias impagáveis que viveu no teatro?

R - Teria umas 300 para te contar. Mas seleciono apenas uma porque envolve esta praga chamada celular. Estava no Teatro Poeira assistindo um espetáculo de São Paulo, se não me engano "Agreste". Momentos finais da peça. Tensão absoluta em cena. Apenas dois atores, sob dois focos. Estava sentado na segunda fila e na primeira um casal de obesos. Eis que toca o celular da gorda. Aflitíssima, ela começa a procurá-lo em sua bolsa. Acaba achando o maldito. Mas, nervosa como estava, ele escapa de suas mãos e cai no palco, quicando duas ou três vezes como um sapo embriagado. Todos que ali estavam ficaram petrificados. O que fariam os atores? Interromperiam a peça? Dariam um esporro na tal senhora? Passaram-se alguns segundos, o celular tocando. Um dos atores sai de seu foco e, com espantosa calma, pega o aparelho e o entrega à obesa, que enfia o celular na bolsa e é arrastada para fora do teatro pelo marido, em meio a imprecações que não ouso aqui reproduzir.

31 - Que avaliação faz da crítica de teatro hoje?

R - Não me sinto confortável para fazer uma avaliação do que escrevem meus colegas de crítica. Falando apenas em meu nome, faço o que sempre fiz: saio sempre de casa para gostar e quando não gosto, me invade um sentimento de tristeza. Tento não me valer de referências e procuro descobrir as eventuais propostas materializadas na cena e só então avaliá-las. Ou seja: o que me interessa não é "como eu faria" determinada peça, mas como ela está feita. Talvez o pior defeito de um crítico consista em pré-julgar, em desejar que uma montagem atenda suas expectativas.

32 - O que faz quando não tem que ir ao teatro?

R - Se estou namorando, namoro. Se não estou, como no momento (atenção!!!), enfim...leio, escrevo, escuto música e jogo xadrez por computador. E às vezes pedalo à noite, mesmo que já tenha pedalado de manhã - percorro diariamente em torno de 30 km, daí o corpinho...

33 - O que mais gosta de fazer na sua vida pessoal?

R - Além dos já mencionados prazeres, tenho um, meio retardado, mas que me diverte e que consiste em botar um filme (sem o som) e inventar vozes e inflexões, que nada têm a ver com o que estou assistindo.

34 - Você é cidadão da Zona Sul? Onde gosta de ir? Que restaurantes? Bares? Passeios? Lugares?

R - Cresci na Fonte da Saudade, sou metade brasileiro, metade uruguaio. Adoro passear de bicicleta, inclusive de madrugada. Gosto da Fiorentina (lá se pode fumar na calçada), tenho saudade da pelada que jogamos por mais de 10 anos (você há de estar lembrado do magnífico goleiro que eu era) e eventualmente vou à Feira de São Cristóvão dançar forró - coloca aí, por favor, que eu sou um esplêndido forrozeiro. E quando não estou fazendo nada, agradeço a Deus (caso exista) por essa dádiva que é a vida.

35 - Faça você mesmo sua pergunta e responda, se for capaz.

Lionel - Você gostaria de ter feito alguma coisa no teatro que, por qualquer razão, deixou de fazer?

Lionel - Sim. Gostaria de ter feito "Estilhaços" como ator.

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segunda-feira, 19 de agosto de 2013

Teatro/CRÍTICA

"A porta da frente"

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Reinventando a vida


Lionel Fischer



"Uma família típica: Rui, o pai; Lenita, a mãe; um casal de gêmeos de 16 anos, Jonas e Natália - ele, tímido, ainda faz xixi na cama; ela, dismórfica, angustiada, só pensa em mudar de aparência. No pequeno apartamento, mora ainda a mãe de Lenita, dona Marilu, que não anda bem da memória e troca fatos, nomes e datas. Uma nuvem de insatisfação paira sobre tudo e todos, até que um novo vizinho ocupa o apartamento em frente. Seu nome é Sascha, é professor de canto e sua voz invade o apartamento vizinho quando interpreta clássicos do rock. Isso incomoda particularmente a Lenita e mais ainda quando fica sabendo que Sacha é um crossdresser - um homem que se veste de mulher". 

Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "A porta da frente", de Julia Spadaccini, em cartaz no Oi Futuro. Mais recente produção da Cia. Casa de Jorge, o texto chega à cena com direção de Jorge Caetano e Marco André Nunes e elenco formado por Jorge Caetano, Malu Valle, Maria Esmeralda Forte, Nina Reis, Rogério Freitas e Felipe Haiut.

Como se sabe, a existência de uma família isenta de problemas é praticamente impossível. Mas aqui temos alguns aspectos curiosos. Os adolescentes, por exemplo, querem mudar, mas não sabem como fazê-lo. Rui parece totalmente conformado com seu papel de corretor medíocre. Já dona Marilu refugia-se em fantasia amorosas bizarras, enquanto a histérica Lenita corresponde-se há algum tempo com um estranho, sem que ninguém o saiba. 

Ou seja: a avó fantasia e delira, e Lenita inventa uma persona numa tentativa de escapar de sua tediosa rotina. As duas mulheres, portanto, e ainda que valendo-se de mecanismos que escapam ao real da vida, tentam em alguma medida torná-la mais suportável, enquanto os demais membros da família ou praguejam e vociferam (os adolescentes) ou nada fazem, como é o caso do pai.

Mas a presença do estranho, como já dito, começa a promover impensáveis mudanças, que aqui não detalharei porque isso privaria o leitor/espectador de muitas surpresas - uma delas, sem dúvida, mais surpreendente do que todas as outras. E o mais interessante é que Sascha não impõe nada, a ninguém procura doutrinar, apenas estimula o resgate de sonhos abortados ou encoraja atitudes transformadoras. Sem dúvida, um maravilhoso personagem.

Bem escrito, contendo ótimos papéis e uma ação que prende a atenção do espectador desde o início, em meu entendimento "Porta da frente" só merece uma única ressalva: o texto poderia ser um pouco mais curto. Mas esta ressalva em nada diminui o alcance da peça, cujo principal objetivo me parece ser o de demonstrar que será sempre possível transcender aquilo que nos desagrada em nossas vidas, desde que o desejemos e não tenhamos medo de empreender as mudanças que se fazem necessárias. 

Quanto ao espetáculo, Jorge Caetano e Marco André Nunes impõem à cena uma dinâmica simples e despojada, priorizando o que de fato importa num texto desta natureza: o caráter dos personagens, suas personalidades e as relações que estabelecem. E a dupla consegue valorizar, em igual medida, tanto as passagens mais engraçadas quanto aqueles em que o humor predomina.

No que se refere ao elenco, Nina Reis e Felipe Haiut convencem plenamente na pele dos adolescentes perdidos e eventualmente furiosos. A mesma eficiência se faz presente na atuação de Maria Esmeralda Forte, impecável na pele da avó tresloucada, mas não totalmente isenta de lucidez. Malu Valle faz uma Lenita irrepreensível em seus momentos mais histéricos e mal-humorados (por sinal, engraçadíssimos), da mesma forma que consegue nos comover nas passagens em que fica implícita sua amargura diante de um casamento falido. 

Vivendo Rui, Rogério Freitas exibe um dos melhores desempenhos de sua carreira - comediante por excelência, aqui o ator tem oportunidade de trabalhar sentimentos mais interiorizados, chegando muitas vezes a comover profundamente a plateia. Com relação a Jorge Caetano, estamos diante de outra performance exemplar - o ator exibe forte presença cênica e por renunciar a qualquer tipo de trejeito capaz de provocar risos, confere ao personagem a grandeza que lhe é inerente, fruto de sua tolerância com as fraquezas e indecisões alheias, o que lhe possibilita estimular insuspeitadas transformações. 

Na equipe técnica, considero impecáveis as participações de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Márcia Rubin (direção de movimento), Aurora dos Campos (cenário), Renato Machado (iluminação), Rui Cortez (figurinos, aqui cabendo destacar a belíssima roupa usada por Sascha), Josef Chas (visagismo), Jorge Caetano e Marco André Nunes (trilha musical) e Felipe Storino (direção musical).

A PORTA DA FRENTE - Texto de Julia Spadaccini. Direção de Jorge Caetano e Marco André Nunes. Com Jorge Caetano, Malu Vale, Maria Esmeralda Forte, Rogério Freitas, Felipe Haiut e Nina Reis. Oi Futuro. Quinta a domingo, 20h.    

  




quarta-feira, 14 de agosto de 2013

Al Pacino, o Bom Companheiro


Em entrevista exclusiva, Al Pacino fala do desejo de continuar na ativa aos 73 anos, do prazer de ser pai e de seu novo filme, Amigos Inseparáveis, no qual Pacino faz o papel de um ex assassino de aluguel que acaba de sair da prisão
Flavia Guerra/ Los Angeles


“Toda vez que eu sinto a urgência de atuar, eu me deito e espero até que passe.” Foi assim que Alfredo James Pacino respondeu ao Estado quando questionado se, aos 73 anos, está mais inclinado a continuar na ativa ou a se aposentar, feito o personagem de seu mais novo filme, o ex assassino de aluguel de Amigos Inseparáveis, que estreia em abril no Brasil. “Oscar Wilde disse isso. Estou sendo irônico, obviamente, porque hoje até sou mais seletivo e pondero muito mais antes de decidir por um papel. Mas o fato é que não considero a opção de parar. Aposentadoria? Nem sei o que isso significa”, continuou o ator que ganhou fama mundial ao viver Michael Corleone nas três versões de O Poderoso Chefão (1972) e recebeu o Oscar de melhor ator por Perfume de Mulher (1992).
Hoje, como poucas vezes, estrela um longa que fala, justamente, de um tema que é lhe é muito atual e familiar. “Ele está ficando velho. Sei o que está sentindo. Mas, a aposentadoria para ele ocorre de forma meio compulsória, já que acaba não tendo outra opção. Não tem mais a mesma força física que costumava ter, o mundo mudou a seu redor, mas ele ainda tem muita energia, sabedoria e uma nova forma de olhar tudo”, comentou o ator sobre seu personagem.

Na trama dirigida pelo também ator Fisher Stevens , Pacino vive Val, este ex assassino de aluguel que, após passar décadas na cadeia, é finalmente libertado. Para ajudá-lo na tarefa de voltar ao mundo, tem o amigo Doc (o genial Christopher Walken) na sua retaguarda. Os dois decidem ter um último dia de velhos tempos e, para completar a trupe, resgatam Hirsch (Alan Arkin, de Argo) em um asilo.

Bandidos à moda antiga, Doc (Christopher Walken) e Val (Pacino) vivem um último dia de ‘velhos tempos’

O que o fez entrar para o projeto de Amigos Inseparáveis?

Li e adorei o roteiro. Gosto dos personagens. Eles são ao mesmo tempo incomuns e exóticos, mas também muito humanos. É um filme pequeno, em que dá prazer de trabalhar. É leve e também fala de um tema difícil. Conheço o Fisher, somos bons amigos e confio muito nele. Além de ser um ator incrível, ele dirige muito bem. E para completar, soube que o longa seria rodado em um região próxima de minha casa, em Los Angeles, o que me permitiria trabalhar e continuar vendo meus filhos. Em geral os roteiros me motivavam a fazer um filme. Hoje em dia levo em conta outros fatores, como onde vai ser. Hoje o fato de eu coseguir cuidar dos meus filhos, que têm 12 anos, é importante.

E poder filmar e continuar em cartaz com uma peça (como até há pouco, em que estava com Glengarry Glen Ross em Nova York)? Também é importante?

Sim. Comecei no teatro. Me sinto mais livre no palco. E mais à vontade também. Me dá mais prazer e poder de expressão. Sempre senti isso. Mas, por outro lado, é também mais exaustivo. Quando estamos em cartaz com uma peça, dependendo do personagem, muita energia é consumida. Se o teatro é toda sua vida, pode ser tornar muito difícil. É mais fácil quando se têm outros projetos. Há mais equilíbrio quando a gente faz filmes, temos roteiros para ler, cuidamos da família e dos filhos. É importante. Se fazemos só teatro, nos vemos sempre ajustando a vida em torno disso.

Ainda que incomum, Amigos Inseparáveis é uma comédia. Em geral, você não é associado a papeis cômicos. Como foi encontrar humor neste personagem?

É sempre preciso encontrar humor nos personagens. Isso nos ajuda a enfrentar passagens que são mais trágicas. Sempre me vi como alguém que permite que a graça exista. Até mesmo personagens como Scarface têm humor. Isso torna o drama mais palatável. E a vida também. O humor nos torna humanos.

No início da carreira, você fez stand up comedies. Por que disse que era um trabalho melancólico?

Fiz comédias quando jovem para me ajudar a pagar as contas e encarar minha própria vida, que era repleta de tristezas e áreas sombrias. O humor me ajudou. Ao mesmo tempo, era melancólica esta sensação.

O que ainda o seduz em um personagem hoje?

Varia muito de projeto para projeto. Roteiro é importante. Não penso muito nisso. Às vezes se  faz algo porque ‘se está lá’. E é assim que tem de ser.

Em Amigos Inseparáveis, há muitas piadas sobre o fato de como os personagens estão envelhecendo e se aposentando. Você pensa em se aposentar?

Não. Em vez de parar, tudo é mais questão de entender do que a gente é ainda capaz de fazer. E rir de nossas limitações. Às vezes ficamos cansados, mas descobrimos energias novas. Se um papel me interessa, anima ou desafia, não vejo porque não o fazer. E se este papel se distancia de mim no processo, tudo bem. Meus personagens sempre foram extensões de minha vida e de mim mesmo. Não há regras. É preciso seguir o fluxo.


Dirigir também extensão? Sente-se realizado dirigindo?

De forma alguma. Sinto que estou fazendo tudo errado. Às vezes quando faço um filme, vou às sessões testes, para ver como o público vai reagir. Sento no fundo da sala e penso: ‘Espero que algum bom editor pegue este filme e o remonte e faça um filme bom’. Esta é minha fantasia.

Ao mesmo tempo, você é ótimo em descobrir novos talentos.

Sim, mas este é meu mundo. Meu olhar é treinado. Falando agora sério sobre dirigir, eu me divirto sim. E quando um filme está pronto, não é o pior sentimento do mundo. Se é bonito e entretém, o espectador responde a isso. Mas não é como diretor que eu vejo o mundo. Meu olhar é o do ator. É no lugar do ator que encontro minha expressão.

Sendo ator, é mais fácil dirigir?

Quando eu era mais jovem, dirigir era muito mais difícil. Hoje, depois de ter dirigido alguns filmes, entendo melhor os diretores. Entendo o que eles passam com os atores. E entendo melhor a arte do cinema também. E fiz meus filme com meu próprio dinheiro. E foi melhor assim. !uando eu tinha dinheiro, eu senti que era o que devia fazer. Foi uma forma de me livrar do moedor de carne que é ter de fazer tudo sob a pressão de fazer tudo de acordo com a ditadura do ‘prazo’. Muito de nosso trabalho é ditado pelo relógio. E você, como jornalista, sabe do que estou falando. A gente tem de entregar o trabalho de acordo com o tempo da engrenagem de produção. E este tempo afeta como criamos. Fiz Édipo em Nova York há dez anos. Levamos sete meses e meio. E nunca estreamos. Apresentamos para pequenas plateias só. Mas o Édipo que fizemos foi diferente do que teríamos feito se tivéssemos apenas dois meses. É diferente porque pudemos explorar mais. É disso que trata o Actors Studio. E isso foi importante para mim quando dirigi e paguei meus filmes. Não havia alguém batendo no meu ombro dizendo quando tinha que acabar. Spielberg uma vez me disse: ‘Nunca ponha seu próprio dinheiro em um filme seu.’ Ele tinha razão. Mas estou feliz de ter feito.


Faria novamente?

Sim! Vou fazer. Quero dirigir, ou produzir, a história de Modigliani, baseada na peça de Dennis McEntire Gostaria de atuar, mas estou velho para o papel.

Você também está mais velho e mais maduro. A idade o tornou mais fácil de trabalhar, já que ê sempre teve fama de ser difícil?

Definitivamente. As pessoas me dizem isso. Era muito duro quando era mais jovem.

Isso também se traduz na forma como aceita críticas? Porque sempre se referem a você ou como a um Deus ou ‘muito Al Pacino’ para este papel.

Depende de como a crítica é feita. Ouço coisas o tempo todo, mas não ligo mais. uma vez que o trabalho está feito, está feito. Quando estou no meio de um processo, ouço bem críticas, mas depois de pronto, não há porque. Não há mais nada que possa fazer. É inútil. Mantenho uma distância política das críticas.

Você já teve um amigo inseparável?

Sim. Principalmente quando estava crescendo. Sou do Bronx,  Nova York, e tive amigos que me protegiam de verdade, com quem eu podia  contar. Gostaria que meus filhos tivessem isso. Foi nas ruas que tive minha educação social.  Sem amigos, não seria o que sou.

Foi esta lealdade, que está desaparecendo hoje em dia, que o atraiu a este filme?

Não acho que esteja desaparecendo, é só diferente hoje. Ter amigos de verdade sempre foi algo raro. Tive dois ou três amigos muito importantes para a minha vida, que já morreram, mas minha relação com eles sempre foi vívida, um presente. Mas temos outros grandes amigos, pessoas com quem eu poderia ter me casado. E que hoje são grandes amigas. Isso porque transformamos o amor em outra coisa. O amor existe. Está lá. É bom ser amigo de alguém que amamos.

Você fala muito de seus filhos. Até comentou que está cansado porque passou a noite cuidando deles, que estão gripados. Se considera um bom pai, amigo?

Tento ser. Anton e Olivia são gêmeos e estão com 12 anos. Quero fazer parte da vida deles, como não pude fazer da vida de minha filha mais velha, Julie Marie, de 22 anos. Ser pai é algo natural. O que não é muito natural é ser pai solteiro. É mais difícil. Se eu vivesse com a mãe deles, muitas coisas seriam diferentes. Quando não estou filmando, faço questão de levá-los e buscá-los na escola.

É diferente ser pai aos 70 que quando se é mais jovem?

Muito. Aprendi que ser pai não é sobre você. É algo que nos faz distanciar do ego. É gratificante, pois nos faz parar de nos preocuparmos tanto com nós mesmos e doar mais. Não pude estar muito próximo da minha filha mais velha. E fico feliz de ser um pai presente hoje.

Não estava maduro antes?

Não. Ser pai é muito mais sobre como os filhos vêm ao mundo, com quem os temos e onde estamos neste momento. Quando Julie nasceu eu não estava pronto para ser pai. Assumi as responsabilidades. Mas os gêmeos foram planejados. E posso curti-los mais.

O que te dá prazer hoje?

Fazer filmes como este. Não é sempre que ocorre. Neste caso, me divertir foi uma das grandes razões, pois trabalhei com amigos. Cuidar dos meus filhos. E dar palestras. Eu adoro dar palestras. É importante para mim. Relembro e revisito fatos da minha vida e os vejo de uma nova perspectiva. Aprendo sobre eles de uma nova forma. E os compartilho com os mais jovens.