segunda-feira, 19 de abril de 2010

Teatro/CRÍTICA


"Açaí e dedos"


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Ausência, conflitos e questionamentos


Lionel Fischer




Casada com um professor de português, mãe de dois filhos e de uma filha adotada, Laura é uma sexagenária como outra qualquer, moradora de Copacabana. Um dia, sai para fazer compras num supermercado, atividade que exercia regularmente, e não volta para casa. Está desaparecida há uma semana. Sua filha, que há quatro anos mora no exterior, regressa e toda a família se empenha em tentar descobrir o que acontecera.


Eis, em resumo, o enredo de "Açaí e dedos", em cartaz no Oi Futuro. De autoria de Carla Faour, a peça chega à cena com direção de Henrique Tavares e elenco formado por Carla Faour (Regina, a filha de criação), Ivan de Almeida (Otávio, marido de Laura), Sheron Menezes (Alice, filha de Otávio e Laura), Babu Santana (Júnior, irmão de Alice) e Thaís Garayp (Laura).

Como dito no parágrafo inicial, um dos aspectos óbvios do texto é a tentativa da família de descobrir o que acontecera com Laura - poderia ter sido vítima de um assalto seguido de sequestro, poderia ter sofrido um acidente, ter tido um ataque cardíaco fulminante e assim por diante. No entanto, todas essas possibilidades são checadas, sem que se chegue a nenhum resultado.

Portanto, tudo me leva a crer que a autora pretendeu "investigar" não tanto o desaparecimento físico e inesperado de uma pessoa, mas suas consequências sobre seus familiares. Aliás, isto me parece bastante evidente na peça, pois a ausência da matriarca dispara conflitos e questionamentos que, de outra forma, não teriam ocorrido. Trata-se, assim, de uma proposta inteiramente válida.

Ocorre, porém, que a opção da autora de colocar em cena, ainda que em outro "espaço" e talvez em um outro "tempo", a personagem desaparecida - que justifica seu sumiço narrando para a platéia a felicidade que sentiu ao viver inesperados momentos de grande plenitude - isto de certa forma minimiza a possibilidade de maior identificação com o drama e os conflitos dos demais personagens, ainda que tal contraste não deixe de ser potencialmente interessante.

No entanto, se a estrutura narrativa fosse menos fragmentada - ou não fragmentada - e a mãe permanecesse no palco imóvel e silenciosa (como o faz, em muitos momentos), mas só no final nos contasse sua experiência, é possível que o texto nos gerasse um impacto ainda maior, e também um maior desconforto e estranhamento diante de uma figura imóvel, envolta numa penumbra, que nada diz e sobre quem são tecidas as mais variadas hipóteses.

Seja como for, em seu segundo texto (o primeiro foi "A arte de escutar") Carla Four reafirma seu grande potencial como dramaturga, já que, apesar das ressalvas feitas, constrói bons personagens e diálogos fluentes, afora abordar temas da maior pertinência.

Quanto ao espetáculo, Henrique Tavares trabalha a cena de forma sóbria e eficiente, valendo-se de marcações que contribuem para ressaltar os principais conteúdos em jogo. E no tocante ao elenco, todos exibem atuações seguras, com algum destaque para Thaís Garayp, sempre convincente em seus vários monólogos. Na equipe técnica, são corretos os figurinos de Ney Madeira, a cenografia de José Dias e a iluminação de Aurélio de Simoni.

AÇAÍ E DEDOS - Texto de Carla Faour. Direção de Henrique Tavares. Com Carla Faour, Babu Santana, Ivan de Almeida, Sheron Menezes e Thaís Garayp. Oi Futuro. Sexta às 19h30, sábado às 19h30 e 21h30, domingo às 19h30.

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