segunda-feira, 28 de junho de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Mira! - enquanto nossos olhos se perdem"

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A dor de uma perda irreparável


Lionel Fischer

Como não recebi o release do espetáculo, só pude me basear no curto texto do programa distribuído ao público para ter acesso às pretensões dos envolvidos na presente montagem. E o mais curioso é que saí do teatro com a sensação de ter assistido a um espetáculo diferente do descrito no referido programa. Dele consta o seguinte fragmento:

"'Mira!' é um espetáculo que fala da crise masculina que perturba os homens entre os 40 e 50 anos. É uma comédia dramática, ou uma tragicomédia de costumes ou ainda um desabafo bem humorado de quem perdeu a juventude, os cabelos e a noção dos motivos que os fizeram desejar, tão ardentemente, há pelo menos 20 anos, serem exatamente o que são ou ainda invejarem o que gostariam de ser".

No entanto, e ainda que possa ter percebido fugazes momentos em consonância com o acima descrito, minha impressão é a de ter visto um espetáculo essencialmente trágico, mesmo que eventualmente contendo momentos de humor. Em cartaz no Espaço Sesc, "Mira!" conta com texto e direção de Oscar Saraiva (em colaboração com os atores Alexandre Mello, Fred Tolipan e Vitor Lemos, sendo que Oscar Saraiva também está em cena) e supervisão artística de André Paes Leme.

Em sua primeira metade, o texto nos mostra uma seqüência de cenas aparentemente desconexas, em que vários temas são abordados, obedecendo a uma estrutura bastante fragmentada e algo alucinatória. Se o texto terminsasse aqui, não saberia exatamente o que dizer sobre ele. Poderia, no máximo, sair tecendo uma série de conjecturas, mas todas elas fruto de impressões carentes de maior solidez.

Entretanto, na parte seguinte, tudo gira em torno do desespero de um homem que, após perder a mulher de sua vida num acidente de carro, dá mostras de não ter forças suficientes para seguir sozinho. Então seus três amigos tentam, de todas as formas, demovê-lo de sua decisão de se matar, missão que acaba se revelando inútil. Diante disso, só pude supor o seguinte: a primeira parte da peça poderia ser a expressão dos pesadelos do protagonista enquanto se recuperava do acidente em um hospital ou então em sua casa, desde que não tenha sofrido ferimentos de maior gravidade.

Mas mesmo que ambas as hipóteses não estejam corretas, o fato é que o primeiro segmento se dá num plano irreal, ao contrário do segundo. E é neste último que o texto realmente se torna tocante, já que o protagonista explicita com igual arrebatamento tanto a sua paixão como sua incapacidade de suportar sua perda. E os argumentos dos amigos tentando devolver-lhe a esperança são muito pertinentes, alternando frases ora estimulantes, ora consoladoras, às vezes ásperas, mas sempre visando fazer com que o protagonista renuncie a uma decisão já tomada e irreversível.

Com relação ao espetáculo, Oscar Saraiva impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o texto, criando marcas propositamente alucinadas em sua primeira parte e outras, digamos, mais humanamente apreensíveis na segunda. E todas elas otimamente executadas pelo elenco, composto de excelente atores, que exibem vasta gama de recursos expressivos e uma contracena que evidencia a inteligência cênica de todos.

No tocante à equipe técnica, destacamos com o mesmo entusiasmo a iluminação de Renato Machado, o vídeo de Mandrake Filmes (com marcante participação de Helena Varvaki), os figurinos de Ticiana Passos e a despojada e funcional cenografia, não assinada.

MIRA - Texto e direção de Oscar Saraiva. Com Oscar Saraiva, Alexandre Mello, Fred Tolipan e Vítor Lemos. Espaço Sesc. Sábado e domingo, 21h. (a temporada deveria encerrar-se neste último domingo, mas parece que foi prorrogada por mais uma semana. Mas ainda que tal não se dê, é bem provável que a montagem entre novamente em cartaz em outro teatro)

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