quinta-feira, 28 de março de 2013



Reflexão sobre a obra
“O mal estar na civilização”



por Valter Guerra Hadad


          No texto referido, Freud apresenta-nos a angústia derivada da relação do Homem com o mundo frente aos reclamos dos instintos. Discorre sobre a preservação de todas as fases anteriores vividas pelo ser humano e, desse modo, o autor sustenta que o passado está preservado em nós. Concorda com a indicação de Romain Rolland, um amigo seu, que lhe explana a questão da existência de um "sentimento oceânico" para explicar a fonte da religiosidade, o qual é subjetivo e que todo ser humano, religioso ou não, o tem.

          Apesar de Freud concordar, destaca que este sentimento tem sua gênese no sentimento do "ego". Necessita-se de um propósito para se viver, sem ele a vida perde o seu valor; desse modo a religião consegue assumir esse papel. O Homem busca constantemente a felicidade, a qual pode apresentar duas facetas: uma ausência de desprazer ou um sentimento de prazer. A decisão do propósito de vida é da ordem do princípio do prazer e o nosso aparelho psíquico é dominado por ele desde a primazia do ser. Entende-se que a felicidade é uma satisfação repentina das necessidades represadas, entretanto, quando da permanência da felicidade, o contentamento torna-se frágil. O prazer deve ser fugaz e não o produto de um estado de coisas. Não suportamos a felicidade contínua, citando Goethe, "nada é mais difícil de suportar que uma sucessão de dias belos". Existem ameaças aos sentimentos: a decadência do próprio corpo, o mundo externo que pode voltar-se contra nós e, o principal e mais penoso, o relacionamento com os outros.

          Então, sob a pressão dessas ameaças ao sofrimento, o Homem abre mão do princípio do prazer em prol do princípio da realidade por meio do controle da vida instintiva, acreditando estar feliz por ter escapado da infelicidade e sobrevivido ao sofrimento. Evitar o sofrimento está em primeiro plano e o prazer coloca-se no secundário; caso haja o sofrimento no relacionamento humano, o indivíduo tende a isolar-se conseguindo assim, a felicidade da quietude que se pode denominar de sacrifício da vida. Pode-se afastar o sofrimento via sublimação (com artes, ciências, etc.) do instinto por meio do mecanismo de deslocamento da libido. Ou ainda, negar uma realidade e ficar diante do delírio; faz-se muito disso corrigindo algo insuportável por meio da elaboração de um desejo que se introduz na realidade (fantasias), mecanismo muito incentivado e utilizado pelas religiões. Portanto, a libido vai à busca de um objeto externo e liga-se a ele derivando felicidade por intermédio do relacionamento emocional. Vale salientar que, para Freud, a felicidade é um projeto imposto pelo princípio do prazer e que os caminhos para a felicidade existem, mas não são tão seguros.

          O autor, em seus arcabouços, destaca a preocupação com a natureza e alega que jamais irar-se controlá-la por completo e pontua que o corpo também integra esta natureza. A civilização, segundo o autor, é a responsável pela desgraça da humanidade; se não fossemos civilizados seríamos primários e viveríamos sob o princípio do prazer e aí seríamos felizes. O que buscamos para nos proteger está inserido nesta mesma civilização que nos faz sofrer. Somos hostis com a civilização porque nos tornamos neuróticos por não tolerar as restrições impostas pela sociedade, a qual nos impede o alcance da felicidade. Percebe-se que apesar de dominar-se a natureza não se chegará ao objetivo final do propósito do viver, que é ser feliz. A felicidade é, na sua essência, subjetiva.

          A civilização exige beleza, limpeza e ordem, inspirada na natureza. Quanto mais ideal, religião e filosofia, maior é o índice de civilização. A civilização regula os relacionamentos sociais e, caso eles não existissem, os instintos primários destacar-se-iam. A troca do poder do indivíduo pelo poder da comunidade inaugura a civilização, que é construída pela renúncia do instinto, conseqüentemente se percebe com nitidez a restrição da liberdade individual, mesmo assim o Homem sempre irá defender a sua liberdade.

          Quando o Homem primevo passou a conviver numa vida comunitária, formaram-se as famílias, que sobreviviam pelo trabalho, usavam os primeiros integrantes como auxiliares no trabalho, descobriu-se o amor genital e, com ele, intensas experiências satisfatórias. A descoberta do amor funda e alicerça o conceito da família. Amor, um sentimento positivo entre pai, mãe, irmã e irmão. Este amor é inibido em sua finalidade, pois no início fora sensual e ainda o é, no inconsciente. Amor-genital formando famílias e o amor-afeição formando amigos. Entretanto, existe uma incompatibilidade entre o amor e a civilização, porque existe um conflito entre a família e a comunidade na disputa do filho. A família não consegue abandonar o filho, isto é, a filogênese não abre mão para a ontogênese. Separar-se da família em prol do ingresso na sociedade, torna-se algo muito difícil para o indivíduo.

          Temos inclinação da agressividade perante aos outros e conosco, isto nos perturba muito ao nos relacionarmos com os demais. É difícil amar aquele que não conheço. É difícil manter o ensinamento "amar o próximo como amas a ti mesmo". Este próximo não é apenas um ajudante em potencial ou objeto sexual, mas também alguém que irá satisfazer a minha agressividade, submetendo-o a diversos papéis, como: trabalho escravo, abuso sexual, roubo, humilhação, sofrimento, tortura, morte, etc.; as paixões do instinto são maiores que qualquer outro interesse.

          Sempre haverá a destruição da natureza para a construção da civilização. Sem a agressividade os Homens sentem-se desconfortáveis. É difícil viver na civilização porque é imposto ao sacrifício da sexualidade e, também, ao da agressividade. O homem primitivo achava-se mais confortável por não conhecer as restrições do instinto, por outro lado, o Homem civilizado abriu mão de uma parcela de possibilidades de felicidade por uma parcela de segurança. O controle da natureza pelos Homens deu-lhes o poder de exterminá-los, este é o principal mal-estar na civilização traduzido por inquietação, infelicidade e ansiedade.

          Após a leitura da brilhante obra de Freud coloco três questões:

          Naquele cenário do início dos anos 30, o homem civilizado trocou uma parcela de suas possibilidades de ser feliz por uma porção de segurança, renunciando ao princípio do prazer e aceitando o princípio da realidade obedecendo aos preceitos impostos pela civilização, agora, refletindo sobre o novo cenário, ou seja, 77 anos após a escrita de Freud, depois da II Grande Guerra, dos movimentos sociais dos anos 60, da guerra do Vietnã, da guerra fria, da queda do socialismo no leste europeu, do crescimento do terrorismo, do avanço do poderio americano, da queda das torres gêmeas, dos "Big Brother" e a troca do privado pelo público, da globalização, enfim, diante de tantas mudanças, quer dizer, evoluções históricas, lembrando Zygmunt Bauman no livro "O mal-estar da pós-modernidade" (Jorge Zahar Editor, 1997) pergunto: as perdas e ganhos trocaram de lugar, pois hoje homens e mulheres estão trocando aquela parte de possibilidades de segurança por uma grande parte de liberdade?

          Estaríamos hoje preferindo o princípio do prazer e preterindo o princípio da realidade?

          O narcisismo estaria no comando da civilização?

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