quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Carta ao Pai"

.............................................
Kafka em sóbria versão



Lionel Fischer



Um dos maiores escritores do século XX, Franz Kafka (1883-1924) deixou uma obra não muito vasta, mas ainda assim capaz de influenciar autores como Jean-Paul Sartre, Albert Camus e Gabriel García Márquez, dentre muitos outros. E tal influência se deve, fundamentalmente, às suas poderosas reflexões sobre o absurdo da condição humana, expressas em narrativas impregnadas de uma atmosfera quase sempre asfixiante e que acabou ganhando a alcunha de kafkiana.

Mas Kafka também escreveu obras não-ficcionais, como "Carta ao Pai", endereçada e jamais entregue a seu progenitor, em resposta a uma pergunta que ele lhe teria feito: "Por que você tem medo de mim?". Escrito cinco anos antes da morte do escritor, o texto ganha agora uma versão cênica (Sala Multiuso do Espaço Sesc) assinada por Antonio Gilberto e protagonizada por Rodrigo Abreu.

Fosse Kafka um autor apenas mediano e certamente estaríamos diante de uma obra restrita à relação entre duas pessoas. Mas, sendo um gênio, o autor transcende o particular e empreende uma dolorosa, irônica e universal reflexão sobre relações de poder, esmiuçando com extraordinária perspicácia as inúmeras sutilezas que a compõem. 

Como toda obra literária transposta para o palco, aqui corria-se o risco de minimizá-la. Mas não é o que acontece. Em parte pela sóbria dinâmica cênica criada por Antonio Gilberto, que sabiamente renuncia a inócuas mirabolâncias formais e prioriza a palavra. E também graças à sua atuação junto ao intérprete.

Rodrigo Abreu encontrou uma chave interpretativa muito interessante, mesclando absoluta clareza expositiva com controladas doses de emoção, o que permite à plateia apreender todos os conteúdos propostos pelo autor e ao mesmo tempo se envolver emotivamente com a narrativa.

Com relação à equipe técnica, Modesto Carone responde por impecável tradução, o mesmo aplicando-se às contribuições de Rose Gonçalves (preparação vocal), Joana Ribeiro (preparação corporal), Mariana Bley (vídeo/projeções), Tomás Ribas (iluminação) e Marcos Ribas de Faria (trilha sonora). Quanto à direção de arte de Rui Cortez, o espaço da representação está em perfeita sintonia com o contexto, mas o figurino me pareceu visualmente pouco atraente e sobretudo inadequado.

CARTA AO PAI - Texto de Franz Kafka. Direção de Antonio Gilberto. Com Rodrigo Abreu. Sala Multiuso do Espaço Sesc. Sexta e sábado, 19h. Domingo, 18h.




Nenhum comentário:

Postar um comentário