quarta-feira, 24 de junho de 2015

Teatro/CRÍTICA

"João Cabral"

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Belo tributo a um poeta maior



Lionel Fischer




Poeta e diplomata, João Cabral de Melo Neto (1920-1999) deixou uma obra vasta e poderosa, cabendo destacar "O cão sem plumas", "A educação pela pedra", "Morte e vida Severina" (sua obra mais conhecida em razão de sua versão teatral) e "Sevilha andando". E pensando em comemorar em grande estilo seus dez anos de existência, a Companhia Teatro Íntimo selecionou poemas do imortal escritor e os transpôs para o palco, daí resultando "João Cabral", em cartaz na Sede das Cias. Renato Farias assina roteiro e direção, estando o elenco formado por Raphael Vianna, Gaby Haviaras, Caetano O'Maihlan e Rafael Sieg.

Como a obra de João Cabral de Melo Neto se insere entre as mais notáveis já produzidas em língua portuguesa, não me parece relevante tecer considerações sobre a mesma e sim tentar perceber em que medida a poética do autor pernambucano ganhou ou perdeu nesta transposição para o palco, que se vale de uma estrutura que nada tem a ver com a de um recital. 

Sem nenhum receio de estar enganado, acredito que Renato Farias fez um trabalho admirável, tanto no que diz respeito ao roteiro quanto à sua materialização cênica. O primeiro permite ao público (sobretudo aos espectadores que jamais leram João Cabral) um contato visceral, ainda que breve - a montagem dura apenas uma hora - com a obra do poeta. Quanto ao espetáculo, são inúmeros os seus acertos. A começar pela renúncia de se criarem "personagens".

Os atores são porta-vozes da poesia e no máximo falam na primeira pessoa, como o faria o poeta. E o jogo cênico que estabelecem - as tensões, alegrias, perplexidades etc. - se dá através das palavras e das imagens que elas sugerem. E estas são plenas de criatividade, ainda que simples - malas que sugerem partidas ou retornos, pedaços de cana que ora delimitam o espaço, ora se transformam em objetos de percussão ou de ameaça, e assim por diante. E cabe também destacar a passagem em que o flamenco e os ciganos são homenageados (João Cabral viveu muitos anos em Sevilha), a mais expressiva do espetáculo.

Com relação ao elenco, todos os atores se apropriam do texto com grande autoridade e o proferem de forma clara e sóbria, dispensando maiores e desnecessárias ênfases. E no que concerne ao universo gestual, a mesma clareza e sobriedade se fazem presentes, o que confere grande unidade às performances de Raphael Vianna, Gaby Haviaras, Caetano O'Maihlan e Rafael Sieg.

No tocante à equipe técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta mais do que oportuna empreitada teatral - Thiago Mendonça (direção de arte e figurino), Rafael Sieg (iluminação), Melissa Paro (cenografia), Eliane Carvalho (flamenco), Alejandro Alejo (consultoria cajón), Luciano Camara (consultoria guitarra flamenca), Edu Viola (liutaio da guitarra) e Ezequiel Blanc (visagismo). Cabe também destacar a belíssima participação de Diego Zarcon (intérprete do cante a palo seco).

JOÃO CABRAL - Poesias de João Cabral de Melo Neto. Roteiro e direção de Renato Farias. Com a Companhia de Teatro Íntimo. Sede das Cias. Sábado a segunda, 20h. 




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