sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Teatro/CRÍTICA

"O escândalo Philippe Dussaert"


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Inesquecível encontro com Marcos Caruso



Lionel Fischer



"Reconhecido por seu talento de exímio copista, Philippe Dussaert reproduz quadros famosos de pintores como Da Vinci, Manet, Cézane e Vermeer, porém exclui da imagem quaisquer personagens humanos ou animais, e preserva fielmente o cenário ao fundo. Causando surpresa e inquietude no mundo das artes, ele segue radicalizando sua proposta e aos poucos suas obras se tornam cada vez mais valiosas e são disputadas por grandes museus e colecionadores. A trajetória de Dussaert chega ao ápice quando ele expõe e vende, ao custo de 8 milhões de francos, sua obra maior. O episódio deflagra uma reviravolta, que ficou conhecida como O Escândalo Philippe Dussaer".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto de "O escândalo Philippe Dussaert", de autoria de Jacques Mougenot, em cartaz na França há quase uma década com o autor interpretando o monólogo. Em exibição no Teatro Maison de France, a peça tem direção assinada por Fernando Philbert e interpretação a cargo de Marcos Caruso. 

Recebidos na entrada pelo ator de forma extremamente educada e carinhosa, ao se instalarem em suas poltronas os espectadores constatam que irão assistir a uma palestra, cujo tema titula o espetáculo. E durante o transcorrer da mesma, o palestrante vai aos poucos saciando a curiosidade que impera desde o início, ao mesmo tempo em que empreende divertidas e pertinentes reflexões sobre arte contemporânea. Quanto à mencionada curiosidade que vai sendo saciada, me abstenho de tecer qualquer consideração sobre ela, posto que isso privaria o espectador de inenarráveis surpresas. Mas certamente posso falar um pouco, ainda que com modéstia, a respeito do que é dito sobre arte contemporânea.

Sempre se relacionando com a plateia de forma direta e amorosa, em dado momento o palestrante propõe que se tente chegar a uma definição de arte contemporânea. Existiria essa tal arte? E caso exista, quais seriam os critérios que a definem? E se critérios existem, quem os teria criado e com que autoridade? Essas e outras questões são formuladas, e a impressão que tenho é de que o autor, sem negar a existência de obras contemporâneas que merecem ser consideradas Arte, acredita que grande parte delas não passa de subprodutos criados por oportunistas e que, não raro, têm sua validade respaldada por supostos especialistas temerosos de serem considerados presos ao passado e à tradição.  Talvez esta seja a opinião de Jacques Mougenot. Mas caso não seja, em todo caso é a minha.

Com relação ao espetáculo, Fernando Philbert impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Se por um lado o diretor investe em marcações que aproximam o personagem da plateia, convertendo-a em cúmplice, por outro não se descuida de enfatizar momentos em que ocorrem súbitos afastamentos, durante os quais o palestrante sugere estar totalmente tomado pela realidade da cena. Afora esta sábia e bem articulada alternância, cabe ainda ressaltar a precisão dos tempos rítmicos e a sensibilidade de Philbert no sentido de proporcionar a Marcos Caruso todas as condições para que ele pudesse explorar ao máximo seu imenso talento.  

Diante de um ator deste porte e com a trajetória artística que possui, me parece totalmente desnecessário tecer considerações sobre suas mais do que reconhecidas virtudes, tais como excelente voz e não menos excelente expressividade corporal, seu carisma, sua fortíssima presença cênica etc. Mas então, já que estou optando por não me ater a considerações de ordem técnica, como faço para traduzir em palavras o encantamento que senti, sem dúvida o mesmo que todos sentem ao vê-lo em cena no presente espetáculo? 

Na dúvida, opto inicialmente pelo mistério. Ou seja: não haveria nenhuma explicação capaz de definir o fortíssimo elo que Marcos Caruso estabelece com a plateia. Mas exercendo a crítica teatral há 27 anos, imagino que os leitores não se satisfaçam com uma explicação aparentemente tão vaga. Então, vamos à segunda hipótese, esta absolutamente palpável: Marcos Caruso jamais está sozinho em cena - mesmo que invisíveis para o público, os deuses do teatro estão sempre a rodeá-lo, protegendo-o de eventuais percalços e incentivando-o cada vez mais a promover um verdadeiro e inesquecível encontro entre quem faz e quem assiste.

Na equipe técnica, Marilu de Seixas Corrêa responde por magnífica e fluente tradução, a mesma excelência presente na cenografia e figurino de Natalia Lana (com relação a este último, devo confessar minha inveja dos lindíssimos sapatos usados pelo ator), na iluminação de Vilmar Olos, na direção musical de Maíra Freitas e nas belas e divertidas projeções de Rico e Renato Vilarouca.

O ESCÂNDALO PHILIPPE DUSSAERT - Texto de Jacques Mougenot. Direção de Fernando Philbert. Com Marcos Caruso. Teatro Maison de France. 5ª e 6ª às 20h; sábado às 21h e domingo às 18h.










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