quarta-feira, 24 de abril de 2019

Teatro/CRÍTICA

"O ator e o lobo"

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Belíssima comemoração no Poeira



Lionel Fischer





"Num cenário frugal, de bancos e cadeiras, vestido com calça de garrafeiro, camisa e colete, Pedro Paulo Rangel contracena com projeções de fotos e materializa dezenas de personagens, advindos da mescla de suas recordações pessoais com escritos do grande escritor português António Lobo Antunes (1942). Desfilam a comunhão silenciosa de irmãos que fazem xixi lado a lado no jardim; o encontro amargo, dolorido, com um velho amigo no hospital; a histérica amante do Senhor Biscaia; o homem que espera uma mulher na chuva; os mortos que evidentemente não vão embora; a mãe, seu amante de 20 anos e o filho estupefato; a surdez do avô Antunes, a surdez provocada por milhares de tiros de festim".

Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "O ator e o lobo". Após cumprir temporada em São Paulo, o espetáculo está em cartaz no Teatro Poeira, e celebra os 70 anos de idade de Pedro Paulo Rangel e os 50 dedicados à arte de interpretar. O ator também responde pela dramaturgia, estando a direção a cargo de Fernando Philbert. 

De uns dois ou três anos para cá, o teatro carioca vem sendo assolado por uma inimaginável quantidade de monólogos. A explicação para tal abundância é quase sempre atribuída à falta de editais e patrocínios, o que levaria inevitavelmente ao enxugamento das produções. Sem que isso deixe de ser verdade, acredito que também fica implícita uma certa dose de narcisismo, pois ninguém conseguirá me convencer de que não existem bons textos para dois ou três atores.  

Outra curiosidade no tocante ao tema é a seguinte. Em meus 50 e tantos anos de ligação com o teatro, sendo os últimos 30 basicamente como crítico teatral, já assisti a monólogos deslumbrantes. Ocorre que tais monólogos foram protagonizados por intérpretes magníficos, quase todos com larga experiência e belíssima trajetória profissional. Hoje, no entanto, praticamente todo mundo se julga apto a fazer um monólogo, com resultados não raro constrangedores, ainda que as intenções possam ser as melhores. Enfim...

Mas não é absolutamente o que se dá aqui. Em primeiro lugar, porque Pedro Paulo Rangel é um dos melhores atores deste país, e isso ficou claro desde o início de sua carreira. E depois porque os textos selecionados, habilmente costurados a ponto de às vezes não se saber ao certo se são de autoria do ator ou do autor português,  oferecem ao espectador uma vasta gama de situações, como explicitado no parágrafo inicial, transitando com igual maestria pela dor, nostalgia, lirismo e humor, dentre outros sentimentos.   

Com relação ao espetáculo, Fernando Philbert impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o contexto. Dispensando inócuas mirabolâncias formais, o encenador criou um desenho simples - mas nem por isso isento de expressividade - capaz de permitir ao ator nos brindar com uma atuação à altura de seu imenso talento e inacreditável versatilidade. Pepê (como é conhecido) pertence ao seletíssimo grupo de intérpretes que pode representar o que quiser, e assisti-lo é um privilégio ao qual nenhum espectador pode se furtar. Sem dúvida, estamos diante de um artista que, desde sempre, conta com as bênçãos dos sempre caprichosos deuses do teatro.

No tocante à equipe técnica, Helena Araújo assina um figurino encantador, que contribui decisivamente para irmanar o ator com o autor português. Fernando Mello da Costa responde por uma cenografia simples e acolhedora, que faz com que nos sintamos ainda mais próximos do intérprete. A mesma eficiência se faz presente na delicada e lírica iluminação de Aurélio de Simoni, o mesmo aplicando-se à trilha sonora de Maíra Freitas e às projeções de Aníbal Diniz.

O ATOR E O LOBO - Dramaturgia e interpretação de Pedro Paulo Rangel. Autoria de António Lobo Antunes. Direção de Fernando Philbert. Teatro Poeira. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 19h.











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