quinta-feira, 9 de julho de 2009

Teatro/CRÍTICA

"O especulador"

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Divertida crítica à burguesia


Lionel Fischer


O gênio possui, sobre os demais mortais, inúmeras vantagens. E quando se trata de gênios da palavra, tais vantagens incluem a possibilidade de pagar (ou protelar o pagamento) dívidas compulsivamente contraídas ao longo de suas vidas. Neste quesito, Fiodor Dostoiévski (1821-1881) e Honoré d Balzac (1799-1850) em muito se assemelham, ainda que por razões diversas: enquanto o primeiro produzia suas obras-primas para tentar livrar-se dos credores em função de dívidas contraídas no jogo, o segundo fazia o mesmo, só que suas dívidas adivinham de aplicações desastradas na Bolsa de Valores.

Um dos maiores autores de todos os tempos, Balzac escreveu 90 romances, que constituem A Comédia Humana, mas apenas um texto teatral, "Le faiseur", traduzido e adaptado por João Bethencourt, ora em cartaz no Teatro Sesi com o título "O especulador". Contando com direção de José Henrique, a peça chega à cena com elenco formado por Élcio Romar (Augusto Mercadet), Nedira Campos (Alice Mercadet), Brunella Provvidente (Julia Mercadet), Vinicius Brambilla (Minard), Mouhamed Harfouch (De La Brive), Bruno Ganen (Goulart), Marcio Ricciardi (Méricourt), Sérgio Fonta (Verdelin), Pietro Mário (Brédif), Ricardo Leite Lopes (Violette), Vitória Furtado (Teresa), Luciano Borges (Justino) e Rubens Araújo (Berchut).

Ambientada em Paris, em 1839, a peça gira em torno de dois temas: as imensas dívidas do especulador Augusto Mercadet e seus desesperados esforços - jamais éticos - de quitá-las, e que vão desde a tentativa de casar a filha com um homem de posses até as mais desvairadas artimanhas para enganar credores e conseguir fundos. No entanto, mais do que apenas centrar sua trama no caso específico de um homem, na verdade Balzac faz uma divertida e feroz crítica aos valores burgueses, atacando com o mesmo furor dois de seus maiores predicados: a ganância e a hipocrisia.

Contendo observações mais do que pertinentes sobre a moral vigente em sua época (e que pouco ou nada difere da nossa), bons personagens, diálogos fluentes e uma trama que, embora simples, prende a atenção da platéia desde o primeiro momento, "O especulador" é uma excelente oportunidade de se conhecer a única peça escrita por este gênio monumental. E muitos fatores contribuem para tornar oportuna uma ida ao Teatro Sesi. A começar pelas brilhantes tradução e adaptação de João Bethencourt, um de nossos maiores dramaturgos, falecido em 2006. E também pela direção de José Henrique e as atuações de alguns intérpretes.

Quando à encenação, José Henrique impõe à montagem uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico que lhe deu origem, criando marcas divertidas, valorizando os tempos rítmicos e fazendo um ótimo trabalho junto ao numeroso elenco, assim permitindo ao espectador apreender os principais conteúdos propostos pelo autor.

Na pele do protagonista Augusto Mercadet, Élcio Romar exibe um dos melhores trabalhos de sua carreira, explorando com humor e excelente tempo de comédia as principais características de seu personagem. Nedira Campos, que interpreta sua mulher, faz com elegância um papel sem maiores oportunidades. Brunella Providente materiliza uma Julia muito engraçada, explorando com propriedade um tom de voz hilariantemente agudo. Outro destaque fica por conta de Mouhamed Harfouch, impecável como De La Brive e muito engraçado quando incorpora o indiano Godot - aqui Bethencourt faz uma deliciosa analogia com o texto de Beckket. Quanto aos demais, todos exibem performances seguras e convincentes, fundamentais para a harmonia do todo. Na equipe técnica, a correção é a tônica - cenografia de José Henrique, figurinos de Lola Tolentino e iluminação de Rogério Wiltgen.

O ESPECULADOR - Texto de Balzac. Tradução e adaptação de João Bethencourt. Direção de José Henrique. Com Élcio Romar, Nedira Campos e grande elenco. Teatro Sesi. Terça a quinta, 19h30.

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