segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Tentativas contra a vida dela"

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Exasperante hermetismo


Lionel Fischer


Em certa ocasião, instado a dar sua definição sobre teatro, Peter Brook (o maior encenador vivo) limitou-se ao seguinte: "O teatro é a arte do encontro". Com isto ele pretendia, obviamente, enfatizar que, na inexistência de um forte elo entre quem faz e quem assiste, o fenômeno teatral não se materializa. E para que tal materialização se dê, fica implícito que o espectador tenha acesso aos conteúdos propostos pelo autor, sejam eles quais forem, e independentemente da linguagem utilizada, podendo ser esta tanto acadêmica quanto de vanguarda.

No presente caso, estamos diante de um texto que, segundo o release que me foi enviado, "proporciona aos espectadores uma experiência instigante, além de sugerir uma reflexão cortante e bem-humorada sobre o mundo, as artes e algumas questões pertinentes ao momento em que vivemos. A peça, como o próprio subtítulo descreve - 17 situações para o teatro -, apresenta cenas autônomas sem personagens realistas ou narrativa linear, mas que tem uma simetria refinada e se relacionam com referências mútuas. Sem personagens e sem uma história para contar, a peça apresenta diversas possibilidades para desvendar a identidade de uma protagonista ausente. Mas cada nova tentativa de definir essa mulher acaba por comprometer a definição anterior".

Enfim...eis, em resumo, o enredo (?) de "Tentativas contra a vida dela", do dramaturgo inglês Martin Crimp, em cartaz no Espaço Cultural Sérgio Porto. Tradução e pesquisa a cargo de Daniele Avila, a montagem chega à cena com direção de Felipe Vidal e elenco formado por Gabriela Carneiro da Cunha, Lucas Gouvêa, Luciana Fróes, Carol Condé, Marcela Moura, Sérgio Medeiros, Renato Carrera, José Karini e Talita Fontes.

Ao longo desses últimos 21 anos exercendo, dentro outros, o ofício de crítico teatral, sempre fiz absoluta questão de manter inalteradas algumas premissas, tais como: jamais comparecer a um espetáculo com uma postura pré-concebida; jamais, no caso de um texto muito conhecido e que já tenha visto encenado várias vezes, estabelecer qualquer tipo de comparação entre a montagem que acabo de assistir e aquela que mais me agradou; e, fundamentalmente, sempre tentei perceber o que um grupo pretende, e não aquilo que julgo que deveria pretender. Ou seja: sempre vou ao teatro tentando, na medida do meu possível, compreender o que me está sendo mostrado. E mesmo quando eventualmente discordo daquilo que assisto, sempre faço questão de deixar claro que, por não ter a pretensão de deter o monopólio da verdade, posso perfeitamente estar enganado.

Isto posto, gostaria de ressaltar que, de tudo que presenciei, só a primeira cena me pareceu compreensível - nela, dois atores, autores ou roteiristas tentam juntos criar uma história, vivenciado as mútuas propostas. A partir daí, no entanto, me foi literalmente impossível estabelecer um mínimo de envolvimento com a montagem. É claro que, em função de minha experiência, poderia alinhavar uma infinidade de conjecturas, mas estaria sendo leviano e falso. Assim, prefiro assumir minha total incompreensão ante o que assisti, sem com isso desejar que a platéia sinta o mesmo.

E partindo-se dessa confissão, não vejo como analisar o trabalho dos atores e da equipe técnica. Tudo o que posso dizer é que, em cena, estão intérpretes em sua maioria ainda bem jovens, mas de evidente talento - aliás, já vi a maioria atuando em outros espetáculos e de forma plenamente convincente, o mesmo aplicando-se aos profissionais da técnica. E, para encerrar, não poderia deixar de formular a sequinte pergunta: será que ninguém, em algum momento do processo de ensaio, se perguntou se este estava caminhando num rumo capaz de, mais adiante, quando o espetáculo chegasse à sua forma final, poder ser minimamente apreendido pelos espectadores? Ou será que o teatro, ao contrário do que sustenta Brook, não precisa necessariamente ser "a arte do encontro?"

TENTATIVAS CONTRA A VIDA DELA - Texto de Martin Crimp. Direção de Felipe Vidal. Com Gabriela Carneiro da Cunha, Renato Carrera e outros. Espaço Cultural Sérgio Porto. Sexta e sábado, 21h. Domingo, 20h.

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