quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Flores de Chumbo



Lionel Fischer
(1984)




CAPÍTULO XVII




Na manhã do dia seguinte ao de sua primeira visita, monsenhor resolveu aparecer de surpresa na granja. Vinha caminhando alegremente, na certeza de que saborearia um lauto desdejum, quando, a uns cinquenta passos da casa da velha Ecúria, teve a impressão de que ela conversava com alguém diante de sua porta. Como sabia que todos os habitantes da cidade estavam mortos, aproximou-se furtivamente visando decifrar o enigma. Esse "alguém" estava sentado numa cadeira de balanço e merecia da megera cuidados de mãe solteira. A todo momento ela abandonava a própria cadeira e o tocava, afastando-se em seguida para de novo o observar. Passados alguns instantes, tornava a se aproximar e assim sucessivamente.

Monsenhor Flávio imaginou que a pessoa com quem Ecúria conversava fosse eu, não apenas porque comigo ele se parecia, mas sobretudo pela ausência de uma outra disponível. Mas sua intuição lhe dizia ser esse encontro bastante improvável. Então, resolveu se posicionar de tal forma que pudesse enxergar com clareza a pessoa em questão. Dando uma volta na casa, esgueirou-se como uma lagartixa junto a uma das paredes laterais e graças a essa artimanha pôde contemplar a intrigante cena de um ângulo privilegiado.

A "pessoa" com quem Ecúria conversava simplesmente não existia!? Tratava-se de um boneco que, embora ainda não totalmente concluído, comigo já se parecia como se meu irmão gêmeo fosse. No exato instante em que monsenhor chegou a essa conclusão, a feiticeira colava meu cavanhaque - utilizando uma mecha de seu cabelo - e preparava-se para tingí-lo de preto. Monsenhor ficou duplamente impressionado. Primeiro, com a habilidade da bruxa, da qual ninguém jamais suspeitara; e depois com sua própria incapacidade de encontrar uma explicação para tão estranho procedimento.

- Se ela estivesse apenas exercitando seus dotes artísticos, a questão morreria neste ponto. Mas na medida em que o elegera como modelo, algo me disse que suas intenções não deviam ser nada boas.

- Estou de pleno acordo com o senhor...- e me sentei ao seu lado no sofá, repetindo sem o perceber a mesma atitude que tomara muitas vezes na infância com relação à minha avó, quando suas histórias espantosas começavam a me assustar além da conta. Monsenhor Flávio interpretou minha iniciativa com extrema sagacidade, ou seja, percebeu tanto o meu interesse por sua narrativa como minha premente necessidade de proteção. Mas creio que não precisava depositar sua mãozinha suarenta e fria sobre a minha.

- Passei todo aquele dia espreitando a construção do seu duplo. Só me afastei no final da tarde para aliviar os intestinos, mas logo retornei ao meu posto de observação. A velha Ecúria continuava lá, incansável. Já tingira sua barba, concluíra suas orelhas e se dedicava ao acabamento das mãos. À meia-noite comecei a sentir um sono terrível e resolvi voltar para a igreja, decidido a vir aqui no dia seguinte para lhe comunicar a novidade. Acordei bem cedo, mas não resisti e fui dar uma espiada. O senhor já estava quase pronto. Faltava apenas ajustar o pé direito e encurtar dois dedos do esquerdo, o mindinho sobretudo, que ultrapassava em comprimento o dedão. Deveria ter vindo conforme prometera, não é mesmo? Mas algo me impediu de arredar os pés dali. Estava como que hipnotizado pela sua duplicata, tão perfeita e expressiva que não me surpreenderia se Ecúria, parafraseando Michelângelo, de repente exclamasse "Parla!". O senhor conhece esta passagem da vida do gênio italiano, ao que suponho...

- Conheço, monsenhor, embora não acredite nela...- respondi, já achando que o prelado começava a render demais sua história. Nesse momento, uma mosca de tamanho médio se introduziu em uma das narinas de monsenhor, levando-o a estapeá-la furiosamente, fato de que me aproveitei para me afastar dele, visando escapar de sua mãozinha repelente. Mas, para meu desespero, assim que ele desalojou a mosca tornou a depositá-la em cima da minha, que eu colocara sobre o ventre numa tentativa de lhe dificultar a tarefa. Como eu já havia conseguido dominar minha ansiedade - ao menos externamente - achei esquisito ele insistir em permanecer de mãos dadas comigo. Em todo caso, preferi deixar para mais tarde uma análise mais depurada de suas possíveis tendências.

- Passei o dia inteiro vigiando. Às duas da madrugada Ecúria concluiu sua obra e fê-la ficar de pé. Se relegados a um segundo plano os detalhes macabros que cercavam o projeto, o espetáculo do senhor inanimado, exposto aos generosos eflúvios da lua, era realmente extraordinário! Embora o ache um rapaz bonito, o fato é que Ecúria construíra um verdadeiro Apolo, perfeito nos seus mínimos detalhes e de uma harmonia ímpar!

Ao descrever a obra, monsenhor parecia em êxtase. Apertava minha mão com tanta força que parecia ter a intenção de machucá-la. Eu ainda não conhecia sua paixão pela arte, em particular pelas esculturas, portanto nada mais justo que começasse a desconfiar que seu arrebatamento tinha muuito mais a ver com o modelo do que com sua réplica...

Passados alguns minutos, a situação, de embaraçosa, tornou-se crítica. Monsenhor literalmente me encurralara no canto do sofá e acariciava com ambas as mãos as partes do meu corpo que julgava terem sido reproduzidas com maior maestria pela velha Ecúria. Quando já não sabia mais o que fazer e estava a ponto de lhe dar um safanão, ele se levantou e caminhou bamboleante até uma das janelas, em cujo parapeito se apoiou, visivelmente transtornado. E não era para menos: afinal, o desvio de sua personalidade que tanto abominava e contra o qual lutara a vida inteira conseguira uma vez mais sobrepujar sua vontade e aflorara de maneira incontrolável - a confissão de sua homossexualidade me foi feita quando, já agonizante, monsenhor pressentiu que poderia morrrer a qualquer momento. Exceção feita a Ambrosina e irmã Geovana, eu fui a única pessoa com quem ele partilhou esse segredo que tanto o atormentava e que fora responsável, inclusive, por sua vinda para a pequena cidade, na qual julgara ser mais fácil se controlar.

Mas é claro que, no momento em que se deu o desagradável incidente, eu não tinha a menor idéia da extensão do drama daquele homem. Portanto, minha primeira reação foi de alívio. Pouco a pouco, porém, seu estado começou a me inquietar, pois monsenhor não conseguia dominar o pranto. Depois de refletir um instante, me aproximei dele com a intenção de proferir algumas palavras. Mas não consegui dizer nada. Tudo que me veio à cabeça me pareceu de uma banalidade insuportável. Eu ainda era muito imaturo e imaginava que uma bela frase pudesse amenizar o sofrimento alheio, agindo em relação ao espírito como um antibiótico com o corpo. Isso explica a sensação de fracasso que se apossou de mim quando voltei para a poltrona. Só muito mais tarde me conscientizei de que, em face de uma grande dor, as palavras são inúteis e que a única atitude possível é a de se fazer presente, facultando àquele que sofre todas as iniciativas.

Passou-se um bom tempo, durante o qual permaneci de olhos fechados, procurando fixar as imagens que me vinham à cabeça, tentando não escutar aquele desespero. Quando tornei a abrir os olhos, monsenhor estava parado à minha frente, apartentemente refeito.

- Vamos?

- Para onde, monsenhor?

- Para a casa de Ecúria.

- Fazer o quê?

- Impedir que ela crave uma enorme agulha no seu coração!

Então ele me deu as costas e foi engolido pela noite. Durante todo o percurso consegui o prodígio de me manter de boca fechada, só me atrevendo a abrí-la quando a casa da bruxa se tornou visível. Agarrando monsenhor pelo braço, perguntei:

- O senhor acredita em bruxarias, monsenhor?

- Não deveria, dada a minha condição de religioso. Mas como estamos vivendo uma situação extraordinária, é melhor não facilitar.

- Mas monsenhor...- insisti - como é que o senhor sabe que a velha Ecúria pretende me espetar? O senhor a ouviu mencionar esse desejo? Ou pelo menos viu a tal agulha?

Mas monsenhor, ao invés de me responder, ordenou com um gesto que eu ficasse calado. Nesse exato instante a hedionda deixava sua casa e se aproximava do meu duplo trazendo uma espécie de bandeja, na qual se podia notar a presença de um ameaçador estilete, que parecia ser de prata. Agindo como se participasse de uma cerimônia ritualística, ela se ajoelhou diante de minha réplica, beijou seu agulhão pontudo e o depositou no chão. Em seguida, tornou a desaparecer dentro da casa.

Embora o mortífero objeto não deixasse de me interessar, o fato é que o boneco gerou em mim o mesmo fascínio que antes em monsenhor, tão perfeito e expressivo ele era. A perfeição, propriamente dita, era o que menos me fascinava, pois apenas revelava uma espantosa habilidade para copiar. Mas a expressividade do meu duplo era realmente extraordinária. Ecúria conseguira o prodígio de me retratar exatamente como eu gostaria de ser visto pelos outros, ou seja, como uma pessoa forte, segura e corajosa. Parecia que a obra havia sido por mim encomendada, tanto que me favorecia. Confesso mesmo que depois de alguns minutos sua visão passou a me incomodar, na medida em que suas qualidades ultrapassavam em muito às do modelo em que se inspirara...

Pensando em partilhar essa desagradável sensação com monsenhor Flávio, dei-lhe um discreto cutucão. Mas ele, totalmente concentrado, sequer deu mostras de haver sentido meu apelo. Como eu insistisse, puxando as mangas de seu hábito, ele se virou para mim e sussurrou:

- Mas pelo amor de Deus, senhor Aquino! Será que não percebe que é a sua vida que está em jogo?

Não, eu não percebia. Achava, quando muito, que a velha Ecúria armava uma cerimônia macabra com o intuito de me fazer mal, mas não acreditava em sua eficácia. Quando, porém, a medonha apareceu com uma bacia cheia de um líquido que me pareceu ser sangue e o derramou em cima de mim, aí sim me deu uma certa dúvida. A cena se tornava impressionante. Caminhando à minha volta como se eu fosse um totem, a megera soltava gritos e se convulsionava como se estivesse possuída. Monsenhor Flávio, hirto, não movia um músculo. De repente, ao ver a bruxa pegar o estilete e erguê-lo em direção à lua, monsenhor não se conteve e exclamou baixinho, como se falasse consigo mesmo:

- O manto! Meu Deus, e o manto?

- Que manto, monsenhor? - perguntei, a essa altura já completamente aterrorizado.

- É preciso que ela vá buscá-lo! Não é possível que tenha se esquecido!?

Nesse exato instante, quando a velha Ecúria já se aproximava do meu coração fazendo pontaria, aconteceu o que mais tarde monsenhor denominou de "intervenção divina". A bruxa subitamente se imobilizou, como se o apelo de monsenhor lhe tivesse chegado aos ouvidos. Soltando um uivo, deu as costas para o meu duplo e foi para dentro de casa.

- Vamos! - bradou monsenhor. - É agora ou nunca!

E partiu na direção da minha duplicata. Eu o acompanhei, já com intensa falta de ar. Quando a atingimos, monsenhor me ordenou que a pegasse pelo tronco, enquanto ele a sustentaria pelas pernas. Isto feito, nos afastamos o mais rapidamente possível, como se o demônio estivesse em nosso encalço, brandindo um garfo incandescente. Tão logo dobramos a primeira esquina, escutamos um formidável estrondo. Involuntariamente, diminuí a marcha e ergui os olhos para o céu, imaginando que nele se armava uma soberba tempestade.

- Não seja estúpiodo! - rosnou monsenhor. - Esse uivo não partiu das nuvens!

E me obrigou a retomar o ritmo inicial. Evidentemente que eu fora um idiota, já que conhecia os poderes vocais da velha Ecúria. Ao constatar que sua obra-prima desaparecera, ela apenas liberara sua fúria, que eu cretinamente confundira com um trovão. Nunca, em toda a minha vida, tive tanta certeza de que jamais poderia ser um agente secreto, pois quando o medo afeta meu sistema nervoso, eu me torno um mongolóide exemplar, desses que qualquer faculdade de medicina gostaria de manter sob contrato para que os estudantes, em suas aulas práticas, possam ter a exata dimensão dos efeitos produzidos no organismo humano pela terrível enfermidade.

Ao chegarmos à granja, monsenhor me arrastou para os fundos da casa, o que me causou estranheza, pois imaginei que iríamos para dentro dela e o mais rápido possível.

- Para onde nos conduz, monsenhor?

- Precisamos nos livrar disso.

- Há um grande armário num dos quartos. Nós podemos enfiar lá!?

- Dentro da casa? O senhor é realmente uma personalidade única...

Antes que pudesse chegar a uma conclusão definitiva quanto ao verdadeiro sentido de sua observação, que em princípio não me pareceu favorável à minha pessoa, a terra se abriu e nos tragou aos três. Preocupado em decifrar as palavras de monsenhor, esquecera-me de que caminhávamos em direção ao refúgio que começara a cavar. Monsenhor, que ía um pouco à frente, foi quem mais sofreu com a queda, pois além do susto recebeu sobre seu frágil corpo o peso do meu e o de minha réplica somados. Literalmente amassado, me lançava apelos desesperados para que o libertasse da tremenda pressão. Mas como havíamos caído meio embolados e o espaço era um tanto exígüo, eu não conseguia me firmar para tentar satisfazer-lhe o premente desejo. Além disso, tinha medo de lhe causar um sério dano, se por exemplo me apoiasse em seu pescoço para retornar à superfície.

Quando, no entanto, sua súplicas começaram a diminuir em número e intensidade, concluí que se não agisse com presteza o prelado, daquele buraco, não precisaria mais sair. Finquei, então, meu pé direito sobre uma superfície gelatinosa e das profundezas emergi. Monsenhor, ao invés de uma exclamação de alívio, soltou um berro de hiena maltratada.

- O que foi, monsenhor? Será que eu pisei no seu saco?

- Na minha bexiga...- gemeu, com um fiozinho de voz.

- Ainda bem, monsenhor - respondi, aliviado. - Já pensou se tivesse sido mais embaixo?

- Eu me mijei todo, senhor Aquino...meu hábito está empapado!?

- E daí, monsenhor? Daqui a pouco ele seca! - retorqui, animado. - O importante é que o senhor não sofreu nenhuma lesão grave.

Isto dizendo, debrucei-me e comecei a içar o meu duplo, que continuava em cima de monsenhor.

- Tenho a impressão de que quebrei as pernas...- choramingou.

- Bobagem, monsenhor! - respondi, terminando de retirar minha duplicata. - Garanto que não houve nada com elas.

- Qual o motivo desse alçapão, senhor Aquino? O senhor, por acaso, estava construindo um túmulo?

- Um abrigo! - e agarrei suas saias.

- Devagar, por favor! - implorou. - As fraturas devem estar expostas!

- Monsenhor...-falei, enquanto o suspendia. - Eu tenho absoluta certeza de que suas pernas estão intactas. É até possível que a menorzinha tenha se igualado à outra!? - brinquei, sem me dar conta da extrema inadequação de minha piada. No entanto, tão logo consegui retirar monsenhor do buraco, ela me foi apontada:

- Se não estivesse absolutamente convencido de que o senhor é uma ótima pessoa, não tenha amenor dúvida de que o odiaria para sempre!

E antes que eu pudesse retrucar qualquer coisa, arrematou:

- E agora ponha-me no chão, por favor. Não há a menor necessidade de o senhor me manter no seu colo, como se eu fosse um recém nascido.

- Desculpe, monsenhor...- e o coloquei no chão. - Eu apenas pretendia...

- É sempre bom ter em mente o poder das palavras. Às vezes, mesmo que de forma involuntária, elas podem causar uma profunda mágoa.

Monsenhor Flávio estava certo. As palavras, sempre as palavras. Quando precisava delas, não me vinham. Se dispensáveis, apresentavam-se de imediato.

- Um abrigo, o senhor disse? - perguntou monsenhor, inspecionando o buraco.

- Exato.

- Com que finalidade?

- Quando a cidade for invadida, eu não quero ser encontrado.

- Invadida? Como assim?

Expliquei então que irmã Geovana enviara uma carta às autoridades comunicando a tragédia e pedindo providências. Contudo, essa explicação não convenceu monsenhor quanto à necessidade da construção de um abrigo subterrâneo.

- Mas para que o senhor está se dando a esse trabalho, se já possui a granja para se esconder?

- E o senhor acha que alguém respeita uma porta trancada quando sabe, ou pelo menos supõe, que do outro lado não há ninguém?

Mais uma vez monsenhor reagiu como se eu lhe tivesse dado uma bofetada. Embora eu tenha feito essa observação sem nenhuma intenção de relembrar as ações que ambos havíamos cometido quando nossos clamores estomacais sobrepujaram nossos valores éticos, ele a interpretou como se eu pretendesse atingí-lo.

- Em minha opinião, todas as pessoas respeitam uma porta trancada, salvo as que não prestam e as que estão desesperadas. O senhor tem alguma dúvida quanto a isso?

- Nenhuma, monsenhor....- respondi, fazendo-me de desentendido. - Eu penso exatamente como o senhor.

- Será? - perguntou, numa inflexão provocativa. Por um instante fiquei indeciso, mas acabei decidindo colocar tudo às claras.

- Olha aqui, monsenhor: nós estamos vivendo uma situação extraordinária. Se pretendemos sair dela conservando um resto de lucidez é preciso que a tornemos o menos complicada possível. Não pretendi fazer nenhuma insinuação maldosa em relação às atitudes que o senhor tomou para não morrer de fome, mesmo porque eu as tomei também. Portanto, esse sentimento de ofensa não cabe, como creio que não há mais lugar entre nós para mal-entendidos de qualquer espécie. Ou confiamos um no outro sem meias medidas ou é melhor que não nos vejamos mais!

As palavras, desta vez, se apresentaram da maneira que eu desejava. Monsenhor não esperava, naturalmente, uma réplica tão assertiva, pois ficou me olhando meio abismado, enquanto eu me mantinha com a postura típica de quem acaba de proferir uma verdade eterna. Por fim, ele disse:

- Você está certo. A confiança é a única saída.

Satisfeito com sua concordância e com a nova forma de tratamento - aquele "senhor" sempre me soara um tanto deslocado - pedi que a partir desse momento a mantivesse. Monsenhor não levantou qualquer objeção e aproveitando o clima amigável que de novo se instalara se permitiu afirmar que prosseguir com a construção daquele abrigo não passava de renomada tolice. Segundo ele, não havia a menor garantia de que as autoridades dessem crédito às afirmações de irmã Geovana. E na hipótese de que acreditassem nelas, dificilmente se abalariam até aquele fim de mundo, a menos que o caso ganhasse uma dimensão inesperada e fosse baixada, pelo governo federal, uma determinação nesse sentido. Mesmo assim, dessa comitiva não fariam parte mais do que umas dez pessoas, dentre outras coisas porque não havia praticamente nada a fazer, quando muito a constatar. Alguns dias mais tarde, no entanto, os fatos viriam a demonstrar o quanto mosenhor estava errado...

Mas naquele momento seus argumentos me tranquilizaram e resolvi abandonar o projeto. Sem perda de tempo, monsenhor me convenceu a utilizar o buraco como sepulcro para minha réplica, alegando que não havia nada neste mundo capaz de se manter atuante sob sete palmos de terra. E assim feoi feito. Em meia-hora o trabalho estava concluído e então fomos para dentro de casa, ávidos de higiene e comida. Sendo já muito tarde, propuis a monsenhor que passasse a noite comigo.

- Além de se sentir mais seguro o senhor poderá, antes de dormir, lavar suas roupas no tanque e deixá-las secando no varal. No dia seguinte, quando for embora, irá impregnando os caminhos com o suave frescor da madrugada...

Monsenhor não apenas concordou com minha proposta como se emocionou ligeiramente com seu epílogo, segundo ele muito rico do ponto de vista poético. Rubro de modéstia, agradeci suas palavras generosas, dando a entender que não julgava merecê-las. Pouco depois, ambos de pijama - cedi um ao prelado - nos reunimos à mesa e em silêncio ceiamos. Às três da madrugada trocamos um aperto de mão e fomos dormir.

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