terça-feira, 20 de setembro de 2011

Teatro/CRÍTICA

"Uãnuêi"

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Evento inesquecível no Tablado


Lionel Fischer


Como se verá em seguida, esta não é exatamente uma crítica, no sentido habitual do termo. E isto se dá em função da natureza do evento, em cartaz no Teatro Tablado, inserido nas comemorações de seus 60 anos. Uãnuêi" é um espetáculo baseado em improvisação e, portanto, jamais se repete. Assim sendo, comentarei o que presenciei na estréia, neste último sábado, e que suponho que jamais esquecerei.

O ator Pedro Cardoso e sua mulher, a atriz Graziella Moretto (acompanhados pelo pianista Dudu Trentin), propõem à platéia um tema - no sábado, alguém sugeriu "Corrupção" - e em seguida começam a improvisar, durante meia-hora. Na segunda parte, os atores trabalham um tema por eles escolhido (no caso, "Pobres e ricos no Brasil"), seguindo o mesmo formato. Finalmente, conversam com os espectadores sobre o que realizaram e respondem a todas as perguntas feitas.

No tocante aos dois segmentos improvisados, revelou-se fantástica a capacidade de Pedro e Graziella de criarem histórias com começo, meio e fim, repleta de personagens que surgem, somem e retornam, cada qual com características próprias que se mantêm ao longo do improviso - trata-se, sem a menor dúvida, de um grande desafio, já que improvisar durante meia-hora, com apenas dois personagens, já constitui tarefa dificílima.

Isto posto, caberia uma pergunta: a que atribuir o maravilhoso resultado? Apenas ao talento de Pedro e Graziella no tocante à arte de improvisar? Obviamente que o talento é indispensável, assim como a prática. Mas há algo que trascende ambas as premissas e que Pedro Cardoso explicitou, visivelmente emocionado, ao responder a um espectador que lhe perguntou o que o Tablado representava para ele - Cardoso foi aluno da escola criada por Maria Clara Machado dos 12 aos 18 anos. "Liberdade", foi a resposta. 

E ela sintetiza, em minha opinião, aquilo que está na essência da arte de representar, seja numa peça ou numa criação espontânea a partir de um tema. Maria Clara Machado teve a sagacidade de perceber que o aluno precisa, mais do que qualquer outra coisa, sentir-se livre para dar vazão a todos os seus impulsos, trabalhar sua imaginação, experimentar sem o temor do erro. No Tablado não são dadas notas, ninguém é aprovado ou reprovado, você pode ficar um mês ou durante toda a sua vida, com o mesmo professor ou com vários. Em resumo: o aluno é totalmente livre para fazer suas escolhas.

E aqueles que acompanham a trajetória de Pedro Cardoso já perceberam, evidentemente, que o grande ator faz absoluta questão de manter intocável o espaço do ator, jamais renunciando à sua assinatura, quando o normal é o intérprete acomodar-se às imposições do diretor. Salvo monumental engano de minha parte, a figura do encenador, da forma como está constituída, tem no máximo cento e poucos anos; já a do ator me parece existir há bem mais tempo...

Ou seja: o que Pedro Cardoso propõe e exercita é a permanente legitimização do ator como pilar fundamental do teatro, juntamente com o autor. Cardoso não entra em cena para obedecer ordens, mas para exercer, sem amarras e em toda a sua plenitude, um ofício que objetiva materializar no palco as questões essenciais do homem, sendo tal tarefa impossível de ser realizada se o porta-voz de tais questões renuncia à própria voz, seja por conveniência ou simplesmente porque não tem nada a dizer. Em ambos os casos, melhor seria que seguisse um outro caminho, ao invés de conspurcar o palco com sua inútil e desprezível presença.

Estamos, portanto, diante de um evento absolutamente imperdível, protagonizado por dois excelentes intérpretes e um não menos notável pianista - e aqui não me refiro à técnica pianística de Dudu Trentin, por sinal irretocável; o fundamental é a capcidade do músico de integrar-se ao espetáculo, criando sonoridades que contribuem, de forma decisiva, para a valorização dos múltiplos climas emocionais em jogo.

UÃNUEI - Espetáculo de improviso com Pedro Cardoso e Graziella Moreto. Ao piano, Dudu Trentin. Teatro Tablado. Sábado e domingo, 20h30.   

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