quinta-feira, 16 de fevereiro de 2012

Teatro/CRÍTICA

"Susuné - contos de mulheres negras"

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Poética e divertida reflexão


Lionel Fischer


Em função de uma infinidade de compromissos profissionais, a presente crítica só agora pode ser escrita e se refere a um espetáculo que não está mais em cartaz, mas que espero que volte a ser apresentado graças à sua excelência. "Susuné - contos de mulheres negras" cumpriu temporada no Teatro Poeira e no Centro Cultural Justiça Federal e, até onde sei, com ótima receptividade por parte do público.

Vamos, portanto, tecer algumas considerações sobre a montagem oriunda do livro "Ven vé, mis manas negras", da autora colombiana Amalialú Figueroa. Emanuel Aragão assina a dramaturgia e Antônio Karnewale a direção, estando a interpretação a cargo de Carolina Virgüez, que divide o palco com o ótimo percussionista Michel Feliciano.

"As histórias de babás negras do livro inspiram Carolina Virgëz a investigar sua dupla cidadania. Nascida na Colômbia e há 30 anos no Brasil, a atriz leva à cena uma reflexão sobre a reconstrução da sua própria identidade e sobre o reconhecimento das semelhanças e contrastes entre as culturas negras do Brasil e da Colômbia".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima (levemente editado) sintetiza o enredo deste espetáculo que mescla depoimentos da atriz com a materialização de vários personagens ficcionais, sendo a música (canções e cânticos religiosos afro-brasileiros e afro-colombianos) um dos mais poderosos e expressivos recursos da encenação.

Todas as histórias apresentadas, sejam as que dizem respeito à atriz, seja as que se inserem no universo ficcional, todas elas, enfim, nos chegam de forma ao mesmo tempo engraçadas e líricas, e mais que tudo teatrais. Sim, pois o que inicialmente, em alguns momentos, nos é apresentado como realidade, logo adiante se afigura como ficção, e essa permanente alternância é simplesmente encantadora, permitindo ao público entrar no jogo, tornar-se uma espécie de cúmplice de uma deliciosa jornada.

Com relação ao espetáculo, Antônio Karnewale impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, criando marcas criativas e expressivas, valorizando ao máximo uma proposta que, como já foi dito, mescla o real e o fantástico - sábia opção, sem dúvida, sobretudo se levarmos em conta a delirante fantasia do povo colombiano.

No que se refere a Carolina Virgüez, trata-se de uma de nossas melhores atrizes. Senhora absoluta de seus vastos recursos expressivos, a intérprete pertence ao seleto rol daquelas que jamais estão em cena para conspurcar o palco com bobagens, com questiúnculas que serão esquecidas já na saída do teatro. E aqui a atriz nos presenteia com seu enorme talento e apurada sensibilidade, conferindo notável dimensão a este despojado e belíssimo espetáculo.

Na equipe técnica, considero de altíssimo nível as contribuições de todos os profissionais envolvidos em um projeto de rara beleza e absoluta singularidade - Marcelo Marques (cenografia e figurinos), Renato Machado (iluminação), Carmem Luz (direção de movimento) e Elena Konstantinovna (trabalho vocal para os contos).

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