sexta-feira, 1 de novembro de 2013

Teatro/CRÍTICA

"A outra cidade"

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Com a morte na alma



Lionel Fischer



"A possibilidade de uma pequena cidade litorânea ser destruída pelo mar é um dos principais argumentos do texto, que a partir das reações dos personagens propõe reflexões sobre um tempo de urgências e a necessidade de preservar memória e tradições sem descuidar da construção do futuro. Conflitos familiares e questões individuais vêm à tona em uma sociedade que convive com a sensação de uma catástrofe iminente".

Extraído do belo programa criado por Alcinoo Giandinotto, o trecho acima resume o enredo de "A outra cidade" (Teatro I do CCBB), mais recente produção da Zeppelin Cia. de Teatro, que ora completa dez anos de atividade. Pedro Brício assina o texto e a direção, estando o elenco formado Bernardo Marinho, Branca Messina, Celso André, Erica Mignon, Ludmila Rosa, Sávio Moll e Sergio Módena.

Ao que parece escrito sob a ótica do adolescente Valentin, de 14 anos, a peça parte de uma premissa interessante, ainda que não necessariamente real: a iminência de um tsunami destruir a pequena cidade. No entanto, seja ou não real tal premissa, o fato é que ela desencadeia uma série de reflexões, movidas pela urgência, sobre vários temas, dentre eles afetos mal resolvidos, a passagem do tempo, frustrações pessoais e profissionais, desejos ocultos que a situação faz aflorar e principalmente sobre a morte - esta me pareceu o elemento essencial do texto. Ou seja, a cidade pode ou não vir a desaparecer, mas a maioria dos personagens carrega perdas maiores ou menores, que podem ser encaradas como sucessivas mortes acumuladas através do tempo. 

Bem escrito, contendo ótimos personagens e diálogos fluentes, o texto de Pedro Brício recebeu uma versão cênica que, em dados momentos, me sugeriu atmosferas de escritos de Gabriel García Márquez, em outros do filme "Morte em Veneza", de Visconti, e também de "Amarcord", de Fellini. Isto não significa, bem entendido, que Brício tenha se valido de tais influências, abdicando de sua própria visão. Mas é possível que as mesmas estivessem alojadas em seu inconsciente e tenham aflorado sem que o encenador percebesse - posso estar enganado, naturalmente, mas se aconteceu algo ao menos parecido, isso em nada diminui o mérito do diretor, pelo contrário: serve apenas para evidenciar seu bom gosto e apreço por imortais obras-primas. 

No tocante aos intérpretes e em função do ótimo rendimento coletivo, me parece injusto destacar uma determinada performance. Todo o elenco contribui de forma sensível, delicada e vigorosa para a materialização de todos os conteúdos propostos pelo autor. Assim, a todos parabenizo com o mesmo entusiasmo e aproveito para agradecer a bela noite que me proporcionaram.

Com relação à equipe técnica, Rui Cortez assina uma direção de arte impecável, sendo irrepreensíveis a cenografia e figurinos de sua autoria. Tomás Ribas responde por uma iluminação belíssima, talvez a melhor de sua carreira, que enfatiza com grande sensibilidade todos os climas emocionais em jogo. A mesma eficiência se faz presente na sensível música de Felipe Storino.

A OUTRA CIDADE - Texto e direção de Pedro Brício. Com Bernardo Marinho, Branca Messina, Celso André, Erica Mignon, Ludmila Rosa, Sávio Moll e Sergio Módena. Teatro I do CCBB. Quinta a domingo, 19h30.  







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