terça-feira, 14 de janeiro de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Casarão ao vento"

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Boa montagem de texto desigual



Lionel Fischer



Criado pelo Centro Cultural Banco do Brasil, o projeto Seleção Brasil em Cena é um dos mais significativos do teatro carioca, tanto por sua democrática formatação - as 12 peças finalistas são escolhidas por um júri de profissionais altamente gabaritados e a vencedora é apontada pelo público após leituras dramáticas - como pela oportunidade de revelar novos autores. 

Em sua sexta edição, o prêmio coube a "Casarão ao vento", de Francisco Alves, atual cartaz do Teatro III do CCBB. Marco André Nunes assina a direção da montagem, estando o elenco formado por Ana Catharina Vicente, Anita Salgado, Julia Stockler, Felipe Cabral, Julia Gorman e Marina Magalhães.

Ambientada em um casarão antigo e claustrofóbico, e sugerindo que a ação se passa no final do século XIX, a peça propõe uma reflexão sobre a opressão da mulher - no presente caso, tal opressão está basicamente atrelada à obrigatoriedade das irmãs se casarem com homens que não escolheram. Mas tal circunstância ganha uma maior amplitude porque faz aflorar uma série de questões que não se restringem a um matrimônio indesejado - ao longo da peça, conhecemos uma série de frustrações, angústias e carências decorrentes de um contexto em que à mulher pouco restava a não ser obedecer cegamente o que lhe era imposto pela vontade masculina.

Estamos, portanto, diante de um texto com óbvias e meritórias premissas libertárias. No entanto, e ainda que reconhecendo que o autor criou algumas passagens fortes e não isentas de teatralidade, torna-se imperioso constatar que, em muitos momentos, a mencionada teatralidade se perde em função de diálogos um tanto panfletários e excessivamente rebuscados. 

Com relação ao espetáculo, Marco André Nunes impõe à cena uma dinâmica que valoriza, com extrema sensibilidade, a atmosfera não realista do texto - em muitos momentos, temos a sensação de que as personagens estão inseridas bem mais em suas memórias do que no suposto contexto real de suas vidas. Ou seja: não se chega a saber se os fatos evocados realmente existiram ou se são fruto de lembranças distorcidas pela passagem do tempo e a impossibilidade de se transcender a inexorabilidade do destino traçado. 

No tocante ao elenco, Julia Stockler exibe sensível atuação na pele de Isaura, a irmã mais libertária, cabendo destacar a expressividade de seu universo gestual e a força com que profere o texto. Ana Catharina Vicente (Laurinha, a irmã mais moça) e Anita Salgado (Vitória, a irmã mais velha) têm atuações corretas, mas acredito que ainda podem extrair mais de suas personagens desde que, quando em silêncio, trabalhem mais a escuta - atuar no silêncio, em minha opinião, é ainda mais difícil do que quanto o intérprete possui um texto a ser dito. Felipe Cabral (Padre Lopes) exibe performance segura como o Padre Lopes, a mesma segurança presente nas atuações de Julia Gorman (Angelina) e Marina Magalhães (Matilde), cabendo ressaltar que ambas evidenciam apurado trabalho corporal.

Na equipe técnica, Marcelo Marques assina figurinos deslumbrantes, em total sintonia com o contexto e a personalidade das personagens, sendo igualmente irrepreensível a soturna cenografia, também de sua autoria. Renato Machado responde por uma iluminação de grande expressividade, sendo irrepreensíveis as contribuições de Felipe Storino (direção musical) e Gustavo Gelmini (videografismo).

CASARÃO AO VENTO - Texto de Francisco Alves. Direção de Marco André Nunes. Com Ana Catharina Vicente, Anita Salgado, Julia Stockler, Felipe Cabral, Julia Gorman e Marina Magalhães. Teatro III do CCBB. Quinta a segunda, 19h30.






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