sábado, 12 de abril de 2014

Teatro/CRÍTICA

"O estranho caso do cachorro morto"

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Comovente e irretocável montagem no Leblon



Lionel Fischer




"Christopher Boone tem 15 anos e mora numa pequena cidade da Inglaterra com seu pai, o encanador Ed. Ele não gosta de ser tocado - reage com estridência e angústia - e se expressa demonstrando um raciocínio literal. Certa manhã, ele é encontrado, imóvel, ao lado do cão de sua vizinha, a Sra. Shears. O animal havia sido morto a golpes de forcado e, num primeiro momento, o rapaz é acusado do crime. O desejo de solucionar o mistério do cão assassinado, descobrindo seu autor, vai dar partida nos acontecimentos que conduzem Christopher, e o público, a muitas e inesperadas descobertas".

Extraído do ótimo release que me foi enviado pelas assessoras de imprensa Luciana Medeiros e Christina Campos, o trecho acima sintetiza o enredo de "O estranho caso do cachorro morto", adaptação de Simon Stephens do romance homônimo de Mark Haddon. A montagem, em cartaz na Sala Marília Pêra do Teatro do Leblon, leva a assinatura de Moacyr Goes, estando o elenco formado por Thelmo Fernandes, Silvia Buarque, Sabrina Korgut, Leon Góes, Rafael Canedo, Carla Guidacci, Eduardo Rieche, Ricardo Gonçalves, Paulo Trajano e Fabiana Tolentino.

Detentora de sete prêmios Olivier, o mais prestigioso da Inglaterra, a peça exibe, como dito no parágrafo inicial, muitas e inesperadas descobertas. Mas a menos importante diz respeito a quem matou o cão. O fundamental reside em outro tipo de descoberta, ou seja, em como aprender a lidar com diferenças.

No presente caso, o protagonista padece de autismo em um de seus estados menos graves, a Síndrome de Asperger, mas que ainda assim dificulta enormemente sua interação social e o expressar de suas emoções. Assim, lidar com alguém que exiba tal quadro é certamente muito difícil e o natural é que as relações entre seus familiares mais próximos acabem se deteriorando, como ocorre aqui.

No entanto, o autor deixa claro que, se por um lado os sintomas de tal síndrome talvez jamais possam ser curados, por outro podem ser consideravelmente amenizados, desde que exista amor, tolerância e sobretudo a capacidade de se perceber o potencial humano, expressivo, amoroso e criativo dos portadores de tal síndrome. 

Neste sentido, o texto empreende uma comovente reflexão não apenas sobre uma doença específica, mas também sobre muitas outras que acometem os seres ditos "normais" - aliás, algum de nós conhece alguém que seja inegavelmente normal? E caso julgue conhecer, poderia conceituar normalidade de forma inequívoca?

Bem escrito, contendo ótimos personagens, diálogos fluentes e uma ação que prende a atenção do espectador ao longo de toda a montagem, o texto recebeu irretocável versão cênica de Moacyr Goes. Impondo à cena uma dinâmica impregnada de poesia e humanidade, que valoriza em igual medida tanto as passagens mais dramáticas quanto aquelas em que o humor predomina, ao encenador deve ser creditado o mérito suplementar de haver extraído ótimas atuações de todo o elenco.

Na pele de Christopher, o jovem Rafael Canedo exibe performance
brilhante, extraindo todo o potencial de um personagem dificílimo, sem jamais apelar para qualquer tipo de clichê. Sem dúvida, um desempenho tocante, que se insere entre os melhores da atual temporada. Igualmente irrepreensíveis as atuações de Thelmo Fernandes e Silvia Buarque, que dão vida aos pais separados do jovem - é realmente notável a enorme capacidade de entrega de ambos às múltiplas e tão diversificadas emoções em jogo.

Quanto aos demais intérpretes, que se revesam em vários papéis - Sabrina Korgut (Siobhan), Leon Góes (Sr. Shears/ Policial/ Bêbado/Bilheteiro), Carla Guidacci (Sra. Shears/ Sr. Alexander), Eduardo Rieche (Reverendo Peters/ Guarda da estação), Paulo Trajano (Delegado/ Steve/ Bêbado Dois/ Vendedor), Ricardo Gonçalves (Sr. Thompson/ Guarda da estação Dois/ Homem de meias/ Policial de Londres) e Fabiana Tolentino (Sr. Gascoyne/ Número 44/ Garota Punk/ Moça da Rua/ Voz Um/ Atendente) - todos exibem segurança, versatilidade e forte presença cênica, sendo fundamentais para o êxito do espetáculo. Cabe também destacar a inesperada presença de um fofíssimo cãozinho, que toda a plateia certamente desejou levar para casa.

Na equipe técnica, considero irrepreensíveis as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta oportuna e bela empreitada teatral - Rodrigo Fonseca (tradução), Ana Santanna e Monica Martins (cenografia), Joana Mendonça e Luiza Oliveira (figurinos), Tomás Ribas (iluminação), Beto Caramanhos (visagismo), Ana Frota (preparação vocal), Ary Sperling (direção musical), Rafael Sperling (trilha sonora original) e Lucas Canavarro e Renan Brandão (vídeo).   

O ESTRANHO CASO DO CACHORRO MORTO - Texto de Mark Haddon. Adaptação de Simon Stephens. Direção de Moacyr Goes. Com Rafael Canedo, Thelmo Fernandes, Silvia Buarque e grande elenco. Teatro do Leblon. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h. 


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