terça-feira, 6 de maio de 2014

Teatro/CRÍTICA

"O dia em que Sam morreu"

........................................................
Pertinente reflexão sobre a ética




Lionel Fischer



"A peça dramatiza as escolhas éticas definidoras do destino de seis pessoas que se cruzam nos corredores de um hospital invadido por um jovem armado. São personagens que assumem efetivamente o poder sobre nós: médicos, juízes, artistas. Estamos falando de impasses contemporâneos da sociedade. E é nesse preciso sentido que o teatro é político, na medida em que ele provoca o debate e a divergência de ideias".

O trecho acima, extraído do release que me foi enviado e assinado por Paulo de Moraes, sintetiza o contexto e a premissa essencial que motivou a criação de "O dia em que Sam morreu", produção do Armazém Companhia de Teatro. Em cartaz no Espaço Armazém (Fundição Progresso), o texto leva a assinatura de Maurício Arruda de Mendonça e Paulo de Moraes, cabendo a este último a direção do espetáculo. No elenco, Jopa Moraes, Lisa Eiras, Marcos Martins, Otto Jr., Patrícia Selonk e Ricardo Martins.

Para empreender esta oportuna reflexão sobre ética, os autores criaram uma estrutura narrativa que abdica de metáforas, ou seja, o que acontece em cena deve ser apreendido em sua realidade evidente - ainda que, em minha opinião, alguém possa perfeitamente encarar o dito hospital como metáfora do mundo atual ou mais especificamente de nosso país.

Os personagens são construídos com objetiva crueza. Samuel (Jopa Moraes) é um jovem de 18 anos, enfermeiro de um hospital que tem como figura central o talentoso, cínico e venal cirurgião-chefe Benjamim (Otto Jr.). Após constatar irregularidades que lhe parecem intoleráveis, invade armado o hospital para, digamos assim, acertar suas diferenças ideológicas com o dito cirurgião.  

Patícia Selonk é Samantha, juíza criminal incorruptível, casada com Arthur (Ricardo Martins), cirurgião que integra a equipe de Benjamim. Samantha precisa fazer um transplante de coração, mas se recusa a furar a fila de espera, para desespero do marido. Lisa Eiras vive Sofia, garota de programa e amante de Arthur, que busca o hospital na esperança de ao menos minimizar o Mal de Alzheimer de que seu pai padece, o velho palhaço Samir, interpretado por Marcos Martins.

Ao longo da narrativa, percebemos que o impactante texto gira fundamentalmente em torno de valores éticos, sendo os mesmos debatidos e questionados a partir das escolhas feitas pelos personagens. Ou seja: ainda que eles travem embates defendendo suas posições, os mesmos não derivam de postulados acadêmicos e sim dos atos perpetrados - ocorresse o oposto, a peça haveria de ser intragável, ao menos como possibilidade de gerar o fenômeno teatral. 

Contendo bons personagens, diálogos fluentes e uma ação que prende a atenção do espectador ao longo de todo o espetáculo, "O dia em que Sam morreu" recebeu sólida versão cênica de Paulo de Moraes, que aqui contém um pouco sua fantástica imaginação para que o espectador apreenda, com total clareza, os conteúdos em jogo - isso não significa, obviamente, que o espetáculo não seja criativo, já que assinado por um dos maiores diretores teatrais deste país.

Quanto ao elenco, Jopa Moraes (de apenas 18 anos, filho de Patrícia e Paulo), exibe grande capacidade de entrega e plena consciência do que realiza em cena. No entanto, me permito sugerir que se dedique com afinco a estudos vocais, pois muitas vezes não entendi com clareza parte de seu texto. Otto Jr. realiza (como sempre) um trabalho impecável na pele do cirurgião-chefe, a mesma eficiência presente nas interpretações de Ricardo Martins e Lisa Eiras. Com relação a Marcos Martins, o Samir que materializa na cena é uma construção irrepreensível, tanto do ponto de vista vocal como corporal, da qual dificilmente me esquecerei.

Finalmente, Patrícia Selonk. Desde que a vi em cena, pela primeira vez, em "A ratoreira é o gato", no início dos anos 90, não tive a menor dúvida de que estava diante de uma atriz de exceção. E minha opinião, expressa em tantas críticas, continua a mesma. No entanto, e mesmo considerando excelente sua atual performance, acredito que a atriz poderia iniciar um processo de reinvenção de seu vasto repertório, tanto vocal como corporal, buscando novas soluções capazes de surpreender não apenas àqueles que tanto a admiram, mas fundamentalmente a si mesma.

Na equipe técnica, considero de ótimo nível as contribuições de todos os profissionais envolvidos nesta oportuna empreitada teatral - Maneco Quinderé (iluminação), Paulo de Moraes e Carla Berri (cenografia), Rita Murtino (figurinos) e Ricco Viana, que também está em cena e responde pela direção musical, cabendo ainda destacar a preparação corporal a cargo de Fred Paredes e Rafael Barcellos, e a preparação vocal de Jane Celeste Guberfain.

O DIA EM QUE SAM MORREU - Texto de Maurício Arruda de Mendonça e Paulo de Moraes. Direção de Paulo de Moraes. Com Jopa Moraes, Lisa Eiras, Marcos Martins, Otto Jr., Patrícia Selonk e Ricardo Martins. Espaço Armazém (Fundição Progresso). Quinta a domingo, 20h. 







Nenhum comentário:

Postar um comentário