segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Chuva constante"

...................................................
Honra, lealdade e valores



Lionel Fischer



"Dois policiais, companheiros e velhos conhecidos, se veem envolvidos em acontecimentos que afetarão suas vidas. Não só a amizade é posta à prova, mas também valores, honra e lealdade. Mas a lembrança do que realmente aconteceu naqueles poucos dias em que uma chuva constante não parou de cair, não é necessariamente igual para os dois..."

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima resume o contexto em que se dá "Chuva constante", de Keith Huff. Grande sucesso na Broadway, tendo como intérpretes Daniel Craig e Hugh Jackman, o texto chega à cena (Teatro do Leblon - Sala Marília Pêra) com direção de Paulo de Moraes e elenco formado por Malvino Salvador e Augusto Zacchi.

Exibindo uma curiosa estrutura narrativa (os personagens monologam mais do que propriamente contracenam, sendo tais monólogos endereçados à plateia, como se os personagens buscassem a aprovação da mesma), o texto empreende uma pertinente reflexão sobre os temas citados no parágrafo inicial. Mas há um outro, não citado, que me parece apropriado mencionar: a obsessiva compulsão da sociedade norte-americana de catalogar as pessoas como vencedores e perdedores.

No presente caso, a trama chega a um momento em que só um dos amigos pode sobreviver, nem que para tanto tenha que trair ou mentir. E ele mente e trai. E torna-se um vencedor - casa-se com a mulher do amigo, assume sua família e consegue a promoção a detetive que ambos almejavam. Mas seria efetivamente um vencedor? E quanto ao outro, que se suicida: seria ele o real perdedor? Cabe ao público decidir. 

Decisões à parte, cabe ressaltar a impecável escrita do autor, sua maestria nos diálogos e na construção de sólidos personagens. E enfatizar a irrepreensível direção de Paulo de Moraes, que impõe à cena uma dinâmica cuja aspereza e virulência traduzem de forma exemplar todos os conteúdos emocionais em jogo. Mas neste particular, cabe um esclarecimento.

Quando assisti a montagem, neste último sábado (18 de outubro), um grave problema técnico impediu a projeção de alguns vídeos. Uma das produtoras do espetáculo, Cinthya Graber, explicou o problema à plateia, facultando àqueles que o desejassem voltar em outra ocasião. Exceção feita a uma senhora mal humorada e, quem sabe, mal amada, todos resolveram ficar e ao final aplaudiram entusiasticamente a montagem. 

Não assisti aos vídeos, evidentemente, mas conhecendo como conheço o diretor Paulo de Moraes, e tendo conversado após o espetáculo com Cintya Graber e com os atores, não tenho a menor dúvida de que os tais vídeos contribuem muito para enriquecer o espetáculo. Mas nem por isso - e eis aqui uma questão essencial - ele deixou de me emocionar profundamente, sendo tal emoção fruto não apenas da direção de Paulo de Moraes, mas também das irrepreensíveis performances de Malvino Salvador e Augusto Zacchi. 

Como sustenta Peter Brook (maior encenador vivo), o teatro é "A Arte do Encontro". E tal encontro só se estabelece quando ocorre uma profunda ligação entre quem faz e quem assiste. E mesmo na ausência (temporária, diga-se de passagem) dos tais vídeos, nem por isso os atores deixaram de estabelecer este indispensável elo com o público. E é até possível que o mesmo tenha sido ainda mais poderoso em função do imprevisto, pois uma das mais preciosas virtudes dos atores consiste em superar todas as dificuldades possíveis e imagináveis. Portanto, parabenizo com grande entusiasmo Malvino Salvador e Augusto Zacchi, e a ambos desejo uma longa e merecida temporada de sucesso.

Na equipe técnica, Daniele Avila Small assina impecável tradução, sendo de altíssimo nível a iluminação de Maneco Quinderé, que enfatiza de forma exemplar todos os climas emocionais em jogo. Também de grande mérito é a trilha sonora de Ricco Vianna, com Paulo de Moraes respondendo por corretos cenário e figurinos.

CHUVA CONSTANTE - Texto de Keith Huff. Direção de Paulo de Moraes. Com Malvino Salvador e Augusto Zacchi. Teatro do Leblon (Sala Marília Pêra). Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.  




Nenhum comentário:

Postar um comentário