segunda-feira, 20 de outubro de 2014

Teatro/CRÍTICA

"Nômades"

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Inesquecível encontro no Poeira



Lionel Fischer



"Três amigas, atrizes, são surpreendidas pela morte precoce de uma quarta amiga, também atriz. Em um único dia, entre a notícia dessa morte inesperada e as últimas homenagens feitas no enterro, as três reagem de diferentes maneiras à dor dessa perda, vivem de forma condensada todas as fases do luto - a indignação com a finitude da vida, as autoacusações, a tristeza, a saudade, todas as lembranças compartilhadas e, finalmente, a consciência de que somos mortais. E dessa consciência brota o sentimento de urgência".

Extraído (e levemente editado) do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o enredo de "Nômades", em cartaz no Teatro Poeira. De autoria de Marcio Abreu e Patrick Pessoa (com a colaboração de Andréa Beltrão, Malu Galli, Mariana Lima e Newton Moreno), a peça chega à cena com direção de Marcio Abreu e elenco formado por Andréa Beltrão, Malu Galli e Mariana Lima.

A primeira curiosidade referente ao presente espetáculo diz respeito ao título. Nômades nos remete aos antigos povos que viviam se deslocando em função de novos pastos ou de animais que caçavam. Mas aqui (como consta do release) a palavra também se aplica ao fato de que atores vivem migrando de personagem para personagem, sempre em tempos e locais diferenciados, habitados por renovados sentimentos. E a peça certamente aborda esse tema, afora os já mencionados no parágrafo inicial. 

No entanto, durante a montagem tive a sensação de que as personagens também poderiam estar falando do tempo em que eram mais jovens, do tempo das primeiras experiências artísticas, de uma possível crença no poder transformador do teatro através do visceral encontro com o outro, aí incluindo-se a transformação de cada uma delas em função do exercício da profissão. Caberia também a possibilidade de estar em discussão a questão da imagem pública e a do artista enquanto agente do próprio trabalho. 

Enfim...muitas conjecturas podem ser feitas. Mas o que importa ressaltar é a extrema pertinência com que os autores abordam os temas que elegeram, e também a estrutura narrativa que adotaram, que mescla a, digamos, irrealidade da cena com a realidade das relações que as intérpretes estabelecem com a plateia, compartilhando, ao que tudo indica, dúvidas e sentimentos inerentes a cada uma delas. Sob todos os pontos de vista, um texto belíssimo, profundamente comovente e, em dados momentos, irresistivelmente engraçado.  

Com relação ao espetáculo, Marcio Abreu impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico. Através de marcas sempre diversificadas e imprevistas, trabalhando os tempos rítmicos com maestria e valorizando com extrema sensibilidade todos os climas emocionais em jogo, o encenador exibe o mérito suplementar de haver extraído deslumbrantes atuações das atrizes.

E aqui me parece irrelevante ressaltar os imensos recursos expressivos de Andréa Beltrão, Malu Galli e Mariana Lima, que todos os frequentadores de teatro já estão cansados de conhecer. O que me parece fundamental é destacar a visceral capacidade de entrega, a poderosa contracena que estabelecem e a cumplicidade que exibem em um projeto que é fruto de seus próprios anseios. Assim, só me resta agradecer a maravilhosa noite que me proporcionaram e a todos que estavam na estreia do espetáculo, e desejar que os sempre caprichosos deuses do teatro abençoem esta inesquecível empreitada teatral.

Na equipe técnica, Marcia Rubin (como de hábito) realiza uma impecável direção de movimento, sendo igualmente irretocáveis e expressivas a cenografia de Fernando Marés e Marcio Abreu, a iluminação de Nadja Naira, os figurinos de Cao Albuquerque e Natália Durán e a música de Felipe Storino.

NÔMADES - Texto de Marcio Abreu e Patrick Pessoa, com a colaboração de Andréa Beltrão, Malu Galli, Mariana Lima e Newton Moreno. Direção de Marcio Abreu. Com Andréa Beltrão, Malu Galli e Mariana Lima. Teatro Poeira. Quinta a sábado, 21h. Domingo, 20h.





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