sexta-feira, 6 de fevereiro de 2015

Teatro/CRÍTICA

"Para os que estão em casa"

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Tecnologia se sobrepõe ao real da vida



Lionel Fischer



"Solidão e isolamento são dois modos radicalmente diferentes de viver, embora frequentemente sejam identificados. Estar sozinho não quer dizer sentir-se sozinho, mas separar-se temporariamente do mundo das pessoas e das coisas, das ocupações cotidianas, para entrar novamente na própria interioridade e na própria imaginação - sem perder o desejo e a nostalgia da relação com os outros: com as pessoas amadas e com as tarefas que a vida nos confiou. Estamos isolados, ao contrário, quando nos fechamos em nós mesmos porque os outros nos rejeitam ou mais frequentemente no rastro da nossa própria indiferença, de um egoismo tétrico que é o defeito de um coração árido e seco".

O trecho acima, extraído do livro "La solitudine dell'anima" (Editora Feltrinelli), de autoria do psiquiatra italiano Eugenio Borgna, explicita de forma bastante clara a enorme diferença que existe entre estar sozinho e estar isolado. No caso do presente espetáculo, livremente inspirado no filme "Denise calls up" (direção de Hal Salwen, 1995), sete amigos estão sempre em contato, mas jamais se veem. Falam-se através de celulares e computadores. Não se enquadrariam, portanto, na categoria de "isolados". Mas tampouco me parece estarem sozinhos, posto que jamais mergulham verdadeiramente nas respectivas interioridades. Em que categoria, portanto, poderiam ser inseridos? Eis a questão.

Com texto e direção assinados por Leonardo Netto, "Para os que estão em casa" está em cartaz no Espaço Sesc, onde cumpre temporada até o próximo domingo. No elenco, Adassa Martins, Ana Abbott, Beatriz Bertu, Cirillo Luna, Isabel Lobo, João Velho e Renato Livera.

Como não assisti o filme, não tenho como avaliá-lo, e tampouco saber até que ponto Leonardo Netto se apropriou do mesmo. Mas qualquer que tenha sido a apropriação que Netto fez do original, a questão levantada no final do segundo parágrafo me parece relevante: se os personagens não estão sozinhos e tampouco isolados, por que jamais se encontram? Trata-se apenas de um truque dramatúrgico, visando criar um contexto algo insólito? Ou o roteirista, e também Netto, objetivaram mostrar até que ponto o uso abusivo de artefatos tecnológicos impede as pessoas de estabelecerem relações efetivas no real da vida?  

Sinceramente, não cheguei a nenhuma conclusão definitiva. Mas é provável que a segunda hipótese seja a mais provável. E sendo assim, trata-se de uma premissa altamente elogiável, posto que cada vez mais as pessoas se refugiam na ilusão de possuírem muitos amigos, sobretudo os viciados no facebook, quando na verdade estão cada vez mais sós. 

Mas aqui os sete amigos se conhecem efetivamente, ao que tudo indica. Então, por que jamais se encontram? Porque estão sempre muito ocupados, como o texto sugere? Mas não há ninguém no planeta que seja tão ocupado que não possa, ainda que eventualmente, dedicar-se presencialmente a algum amigo. Mas os sete personagens jamais se encontram, exceção feita a um casal que troca duas palavras, no final do espetáculo...

Outra questão que merece ser mencionada. Embora seja inegável a agilidade da maioria dos diálogos, não raro impregnados de saboroso humor, me causou surpresa a, digamos, excessiva jovialidade da maior parte das conversas, sobretudo as centradas no amor - os personagens não acabaram de sair da adolescência, estão todos na faixa dos 30, trinta e poucos anos. Será que o autor pretendeu enfatizar a imaturidade, sobretudo emocional, dos personagens?

Com relação ao espetáculo (que poderia ser bem mais curto), Leonardo Netto impõe à cena uma dinâmica em total sintonia com o material dramatúrgico, cabendo registrar sua sensibilidade no tocante aos tempos rítmicos e sua atuação junto ao elenco. Todos os atores realizam trabalhos seguros e convincentes, mesmo que encarnando personagens que não oferecem maiores desafios.

Na equipe técnica, considero de excelente nível as participações de todos os profissionais envolvidos no projeto - José Dias (cenário), Aurélio de Simoni (iluminação), Marcelo Olinto (figurinos), Leonardo Netto e Renato Livera (vídeos) e Netto (trilha sonora). Andréa Dantas e Santiago Karro Trémouroux fazem boa participação em vídeo.

PARA OS QUE ESTÃO EM CASA - Texto e direção de Leonardo Netto. Com Adassa Martins, Ana Abbott, Beatriz Bertu, Cirillo Luna, Isabel Lobo, João Velho e Renato Livera. Espaço Sesc. Hoje e amanhã, 20h30. Domingo, 19h.

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