quarta-feira, 11 de fevereiro de 2009

Alternativas de produção para a cena carioca

Lionel Fischer



Em face da cada vez mais crucial dificuldade de se colocar um espetáculo em cena, tentaremos defender uma tese que nos parece vital para o fortalecimento do teatro no Rio de Janeiro: a urgência de se rever os mecanismos de produção, já que atualmente os custos se tornaram tão elevados que a classe teatral, de uma maneira geral, tornou-se refém das eventuais benesses de cada vez mais escassos patrocinadores.
É também nossa intenção demonstrar que o teatro, naquilo que ele possui de essencial, dispensa esquemas mirabolantes de produção e divulgação, já que o fundamental é se ter um bom texto e bons atores a interpretá-lo, com o sucesso dependendo bem mais do "boca a boca" do que de anúncios pagos a preços exorbitantes.

Mudança
Quando examinamos o teatro carioca a partir (aproximadamente) dos anos 70, constatamos o progressivo retraimento de uma figura vital até então: a do produtor. Este era alguém que, valendo-se de recursos próprios ou de um empréstimo bancário, montava uma produção acreditando que ela lhe daria retorno – dependendo do produtor, não apenas financeiro, mas também artístico. Ou seja: o produtor assumia riscos por acreditar na viabilidade de seu projeto.
No entanto, com uma inflação cada vez mais descontrolada e juros bancários altíssimos, a possibilidade de se fazer um empréstimo assumiu conotações suicidas. Restavam, para alguns, os próprios recursos. Mas devido à conjuntura econômica reinante, a maioria dos produtores que possuía alguma reserva optou por investimentos na área financeira, certamente capazes de gerar lucro com menores doses de risco.

Empresas
A lacuna deixada pelos produtores gerou o surgimento de uma nova fonte de produção: empresas e instituições. Algumas particulares, como a Shell (que atualmente não está patrocinando, embora mantenha o prêmio que leva seu nome) e mais recentemente outras ligadas ao governo, como a Petrobras e o Banco do Brasil.
É claro que tais patrocínios foram (no caso da Shell) e ainda são muito importantes, já que permitem que alguns espetáculos cheguem à cena. Mas no caso da política adotada pelo Banco do Brasil, esta nos parece muito questionável, já que toda produção estréia inteiramente bancada – quando um espetáculo inicia sua temporada em um dos teatros do CCBB, todos os profissionais envolvidos têm garantidos seus salários pelo período acertado, ainda que a montagem seja um fracasso.
Ora, isto contraria frontalmente o fenômeno teatral, que é uma atividade de extremo risco, entre outras razões porque realizada ao vivo e assim sujeita a todos os imprevistos. Se a presença ou não do público passa a ser irrelevante – público que paga ingresso, não eventuais convidados – configura-se uma situação no mínimo bizarra.

Inflação
Mas os patrocínios, ainda que trazendo benefícios para a cena carioca, acabaram gerando algumas distorções. Em função da generosidade de algumas verbas, o custo das produções subiu de forma alarmante, sobretudo no que diz respeito ao pagamento de diretores, técnicos (cenógrafos, figurinistas, iluminadores etc.) e divulgadores. Quanto aos atores, estes foram se tornando progressivamente o elemento menos importante, já que normalmente ganham um percentual em cima da bilheteria e uma quantia nada significativa para ensaiar.
Assim, aquele que deveria ser o centro da atividade, passa a ser encarado quase que como um adendo, e ao contrário dos demais, precisa desesperadamente do público para garantir o seu sustento. E um detalhe: quando o número de espectadores não ultrapassa o mínimo cobrado pelos teatros, os atores nada recebem, ao contrário dos operadores de luz e som, que ganham um fixo, esteja a casa lotada ou entregue às moscas.

Saída
Mas será que o que foi dito até agora deve ser entendido como uma avaliação funesta e fadada se perpetuar? Pelo contrário. Afinal, os dois maiores sucessos de 2002 dispensaram produções faustosas (A prova e Novas diretrizes em tempos de paz), sendo que esta última tinha como cenário apenas uma mesa e duas cadeiras. E, no entanto, arrebataram tanto o público como a crítica. Por que será?
É simples. Em ambos os casos, à platéia foram oferecidos dois textos belíssimos, plenos de teatralidade e contendo reflexões da maior pertinência. Ou seja: partiu-se de um material de real valor, o que é fundamental. Mas como o teatro não pode prescindir de intérpretes, as produções escalaram atores formidáveis, capazes de materializar todos os conteúdos implícitos e as complexas emoções exigidas. O essencial, portanto, estava assegurado. E se a isto somarmos direções sensíveis e inteligentes, e também expressivas participações das equipes técnicas, o resultado não poderia ser outro: dois sucessos avassaladores.

Lição
Fica, portanto, a lição. Se é inegável que grandes produções podem dar sua contribuição para o panorama teatral da cidade, produções singelas também podem fazê-lo, desde que tenham algo de significativo a oferecer. Mais do que eventualmente deslumbrar-se com cenários suntuosos, efeitos de luz mirabolantes ou figurinos caríssimos, o que na verdade o público deseja é encontrar no teatro um veículo capaz de discutir suas questões essenciais, seja através da comédia ou do drama. Esta tem sido a aspiração maior de todos aqueles que, há 2500 anos, comparecem às salas de espetáculo. Vamos torcer para que ela permaneça inalterada.

________________________
Este artigo foi publicado na Tribuna da Imprensa em janeiro de 2003.


________________________________

Nenhum comentário:

Postar um comentário