O riso
Henri Bergson
Uma paisagem pode ser bonita, sublime, insignificante ou feia, nunca risível. Pode-se rir de um animal, mas por se ter surpreendido nele uma atitude do homem ou uma expressão humana. Um chapéu pode ser engraçado, mas não pela palha ou pelo feltro, mas pela forma que lhe deu o homem.
Para entender o riso será preciso colocá-lo em seu meio natural, que é a sociedade. Ele tem uma função social. A comicidade nasce quando os homens, reunidos em grupo, dirigem sua atenção para um deles, fazendo calar sua sensibilidade e exercitando apenas a inteligência. Exemplifiquemos:
Um homem, correndo na rua, tropeça e cai. Os transeuntes riem dele. Ninguém riria se supusesse que ele teve vontade de repente de se sentar no chão. Ri-se porque ele sentou involuntariamente. Não é a brusca mudança de atitude que provoca o riso, é o involuntário da mudança e sua falta de jeito. Foi uma falta de agilidade, distração ou obstinação do corpo, que deixou os músculos continuarem a realizar o movimento quando as circunstâncias pediam outra coisa (contorno do obstáculo, mudança de ritmo etc.). Foi por isso que caiu e é por isso que os outros riem.
Outro exemplo: um homem executa matematicamente suas tarefas. Mas os objetos que o cercam foram trocados de posição por alguém. Ele leva a caneta ao tinteiro e sai lama, pensa que está sentando na cadeira e ela foi retirada, quer dizer, ele age a contra-senso e não funciona, sempre devido ao efeito da velocidade adquirida.
O hábito lhe dera aquele impulso, que seria preciso modificar, parando para refletir e mudá-lo. Contudo, ele continua maquinalmente o movimento. A vítima dessa farsa está na mesma situação daquele que escorrega e cai. A comicidade tem a mesma causa. O que é cômico, nos dois casos, é uma certa dureza mecânica onde devia haver agilidade e flexibilidade. A diferença dos dois é que uma se produziu por si mesma e a segunda foi provocada artificialmente. O transeunte só fez observar a cena no primeiro caso; no outro, o gaiato experimentou a cena. Nos exemplos dados, uma circunstância exterior determinou o efeito cômico. A comicidade é acidental e fica na superfície da pessoa.
As atitudes, gestos e movimentos do corpo humano são risíveis na medida em que esse corpo nos induz a pensar numa mecânica simples. Gestos, que não provocariam riso, tornam-se risíveis quando outra pessoa os imita. A gente começa a ser imitável desde o momento em que deixamos de ser nós mesmos. Só podem imitar de nossos gestos aquilo que eles têm de mecanicamente uniforme e, portanto, de estranho à nossa personalidade. Imitar alguém é tirar dela a parte de automatismo que se introduziu na sua pessoa.
Se a imitação dos gestos é por si mesma risível, será mais ainda quando se aplica em acentuá-los, sem deformá-los, no sentido de alguma operação mecânica, como serrar ou puxar incansavelmente um cordão de sineta imaginário. O gesto aparece aí mais francamente maquinal quando se o liga a uma operação simples, como se fosse mecânico por destinação. Um dos processos favoritos da paródia é sugerir essa interpretação mecânica.
Os artifícios habituais da comédia – a repetição periódica de palavra ou cena, a intervenção simétrica de papéis, o desenvolvimento geométrico dos quiprocós – podem deduzir sua força cômica da mesma fonte, sendo a arte do autor de vaudeville apresentar- nos uma articulação visivelmente mecânica dos acontecimentos humanos, conservando-lhes o aspecto exterior da verossimilhança, isto é, a aparente espontaneidade de vida.
Essa visão do mecânico e do espontâneo inseridos um no outro nos levam à imagem mais vaga de uma rigidez qualquer aplicada sobre a mobilidade da vida, tentando seguir-lhe as linhas e imitar-lhe a agilidade. Vê-se então como é fácil uma roupa se tornar ridícula, podendo-se dizer que toda moda é ridícula de certa maneira. É que quando se trata da moda atual, estamos tão acostumados com ela, que a roupa nos parece fazer o corpo com quem a veste. Não temos a idéia de opor a rigidez inerte do invólucro à espontaneidade viva do objeto envolvido nele. O cômico está aqui em estado latente.
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Artigo extraído do livro Le rire.
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quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009
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