quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

A ç õ e s

Stella Adler

O objetivo de sua abordagem na atuação é encontrar as ações numa cena ou peça. As ações devem ser realizáveis, e podem ser expressas usando-se a forma verbal.

* Uma ação é alguma coisa que você faz: ler.
* Uma ação tem um fim: estou lendo o jornal.
* Uma ação é feita em determinadas circunstâncias: estou lendo no metrô.
* Uma ação é justificada: estou lendo para acompanhar a Bolsa de Valores.

Ações fortes e fracas

Para ser forte, uma ação necessita de um fim ou objetivo. Por exemplo:
Vou sair do quarto. O quarto é o fim da ação e o fim a torna forte.
Vou escrever. Esta é uma ação sem fim e, portanto, fraca. Se sua ação é “ir embora”, ela é mais fraca que “ir para casa”.

Ação forte Ação fraca
Gostaria de tomar café. Gostaria de beber alguma coisa.
Gostaria de dar um passeio no parque. Gostaria de ir a algum lugar.
Gostaria de ir para a cama. Gostaria de descansar.
Gostaria de escrever uma carta. Gostaria de escrever.

Comecemos com ações simples.
A ação é:
* Verificar as luzes
a. Verificar as luzes do lustre.
b. Verificar as luzes nas luminárias.

* Encontrar minha bolsa
a. Encontrar minha bolsa no chão.
b. Encontrar minha bolsa na sala.

Os exemplos anteriores são de ações que têm um fim definido e são feitas em determinadas circunstâncias. O que está enfatizado fará você perceber que o fim lhe dá a intenção de cada ação. Essas são ações simples que estão ligadas a ações maiores.

Explicação de uma ação

Numa ação, você deve saber:

* O que você faz: jantar.
* Onde você faz: na sala-de-jantar.
* Quando você faz: na hora do jantar.
* Por que você faz: para comer com a família depois do trabalho.

Mas você não sabe como fazer. O como é espontâneo e inesperado. A ação nunca inclui o como. Exemplo:
Ação:
* Limpando o escritório. O que você está fazendo?
* Sala particular de um apartamento. Onde você está fazendo?
* Nove horas da manhã. Quando você está fazendo?
* Dois clientes estão vindo para um encontro. Por que você está fazendo?

Natureza de uma ação

* Calçar sapatos.
* Calçar meias.
* Passar fraldas a ferro.
* Preparar bebidas.
* Vestir a boneca.
* Pôr sua correspondência em ordem.
* Pôr as contas em ordem.

Cada ação que você faz tem a sua natureza. Que quer dizer a sua verdade. Para ser verdadeiro em cena você deve saber a natureza da ação que está fazendo e ela deve ser verdadeiramente executada. Em algumas ações você realiza coisas físicas. As coisas que você realiza para cumprir suas ações são chamadas “atividades”.
Ação: pôr a mesa.
* A natureza da ação é pôr facas, garfos e colheres. Isto é o que chamamos “atividades”.
Exemplo:
Ação: pôr a mesa.
Atividades:
* Colocar copos.
* Colocar pratos.
* Colocar garfos.

Exemplo:
Ação: acender um fogo.
Atividades:
* Pegar madeira.
* Conseguir tiras de papel.
* Obter líquido inflamável.

Exemplo:
Ação: jantar.
Atividades:
* Passar a sopa.
* Cortar as verduras.
* Misturar o molho.
Uma vez que tenha fisicalizado essas ações (nos exemplos acima), a ação total será passar a noite em casa.

Ação total (super-objetivo)

Todas as técnicas servem somente a um propósito e esse propósito é fazer com que o ator chegue ao que Stanislávski chamava de supe-objetivo do autor. Todo personagem deve caminhar em direção ao super-objetivo da peça. É dever do ator compreender a intenção da peça. É o que move o dramaturgo a escrever a peça. O ator deve estar certo de que a idéia central de uma determinada peça vai atraí-lo emocional e intelectualmente. O ator deve saber como tomar essa idéia para si. Todas as ações numa peça são interligadas e todas elas conduzem o ator ao super-objetivo, ou ação total.
O autor escreve a peça para ser representada. Mas o dramaturgo não faz o ator ciente de como a peça deve se desenvolver para realizar seu máximo propósito. Exploremos agora esse desenvolvimento pelo qual o ator é responsável. Uma ação deve ser dividida em ações ou etapas menores. Por exemplo, na ação de ir para o trabalho de manhã há um número de etapas, tais como: acordar, tomar café, pegar o trem etc. O super-objetivo de ir trabalhar poderia ser manter a família unida.

Exercício.
Complete a ação seguinte:
Preparar o desdejum.
Esteja seguro e divida a ação em atividades como:
1. Frigir ovos.
2. Espremer suco de laranja.
3. Passar manteiga na torrada.

Etapas nas ações.
* Se uma ação for muito complicada, divida-a em duas ou três etapas e cada etapa ajudará no desenvolvimento da ação.
* Quaisquer etapas que você adote na sua ação devem ser necessárias e dirigidas a ela.

Etapas numa ação.
Se sua atividade é tomar café, você deve executá-la. Se sua atividade é tirar o anel, você deve executá-la. Mas você não pode realizar a ação de preparar uma festa, ir trabalhar ou viajar para a Europa sem dividi-la em etapas que a constituirão. Seria de grande auxílio anotar, como está escrito abaixo, sua ação, as etapas nessa ação e as atividades. Exemplo:

AÇÃO ETAPAS
Ir para o trabalho Etapa 1. Vestir-se
Atividades:
a. Trocar os sapatos.
b. Colocar os brincos.
c. Arrumar a bolsa.

Etapa 2. Tomar o desdejum.
Atividades:
a. Colocar o pão na torradeira.
b. Preparar café na cozinha.
c. Preparar os cereais.

Etapa 3. Arrumar minha pasta de negócios.
Atividades:
a. Pôr a correspondência em ordem.
b. Examinar a pasta de papéis do advogado.
c. Assinar cartas.

Suas etapas são extraídas da ação.
Detenha-se na ação. Alimente-se dela.
Exemplo:

AÇÃO ETAPAS
Preparar-se para uma festa. Etapa 1. Reunir minhas roupas.
Atividades:
a. Escolher um vestido.
b. Escolher um par de sapatos.
c. Escolher uma bolsa.

Etapa 2. Preparar as bebidas.
Atividades:
a. Pegar as garrafas de licor.
b. Pegar o gelo.
c. Pegar os copos.

Tudo isso fará parte da natureza de “prepapar-se para uma festa”. Tente não escolher mais que três atividades.

Fisicalizando (fazer alguma coisa física)

Quando eu peço a um ator para fisicalizar suas ações e usar suas circunstâncias, o objetivo é tirar o fardo de cima. Se você ler alguma coisa no jornal de que goste, recorte-a. Então você estará fisicalizando a ação de ler o texto. Você tem sempre que manter as circunstâncias verdadeiras. Na vida, como no palco, não quem eu sou mas o que eu faço é a medida do meu valor e o segredo do sucesso. Todo o resto é espalhafato, arrogância e vaidade. Qualquer coisa que você faça deve ser fisicalizando. Fazer significa fisicalizar.
Se um ator falha em se proteger no palco fisicalizando sua atuação, nós provavelmente vamos surpreendê-lo tentando representar sentimentos. Em vez disso, escolha alguma coisa física para fazer, como pegar uma carta, guardar as chaves ou averiguar se as luzes estão acesas. A atmosfera da peça estará lá, mas não a verdade da peça. Em cena, quando a verdade chega, devemos celebrá-la eternamente.

Concluindo e não concluindo as ações

Ou você conclui uma ação ou não. Se você não completa a sua ação, deve transformá-la em uma outra ação. Se você pode concluir sua ação, continue com ela e passe para uma outra. Mas você deve estar sempre em ações - ao invés de estar em palavras.
Exemplo:
a. Ação: ir ao teatro.
Você perdeu seus ingressos
Você não pode completar sua ação. Você muda para uma ação alternativa.
b. Ação: passar a noite em casa.

Exemplo:
a. Ação: tomar banho.
Não há água quente.
Você não pode completar sua ação.
b. Ação: vestir-se.

Exemplo:
a. Ação: ir ao teatro.
A campainha toca.
A ação é interrompida.
b. Passe para a ação de receber sua visita.
c. Volte para ação inicial de “ir ao teatro”.
A vida pode intrometer-se na sua ação.

Exemplo:
Ação: estudar anatomia.
A vida se intromete na ação.
* O telefone toca.
* Você fecha a janela.
* Você desliga o rádio.
* Você acerta o relógio.
* Você pega uma xícara de café.
Sempre retorne à sua ação de estudar anatomia.

Exemplo:
Ação: preparar café.
* O carteiro toca a campainha.
* O telefone toca.
* O inspetor quer checar as luzes.
* O cachorro está arranhando a porta para sair.
Continue a ação de preparar o café.

Ações que não empregam texto

Exemplo:
Ação: costurar em meu quarto.
* Vejo uma toalha na cama: eu a penduro.
* Ouço o táxi buzinando: olho pela janela.
* Vejo minha bolsa: levanto-me para guardar dinheiro.
* Vejo uma gaveta entreaberta: retiro o suéter.
* O relógio toca: verifico a hora.

Exemplo:
Ação: ler na varanda.
* Afaste sua cadeira do sol.
* Coloque água nas flores da mesa.
* Pegue uma caneta sobre a mesa.
* Fuja das abelhas que estão à sua volta.

Preparação e entradas convincentes

Sempre que você entra ou deixa o palco, isto ocorre dentro de circunstâncias específicas e você deve preparar-se. Preparação é algo que você faz por si mesmo. A preparação se destina a ajudá-lo a começar sua ação. Também o trará para mais perto das circunstâncias dadas.
* A preparação não é outra ação.
* Você deve selecionar o detalhe, a coisa minúscula que será útil para a sua ação.
* Preparação é algo que você faz por si mesmo.
* Você tira uma coisa de suas circunstâncias que o ajudará a começar sua ação.

Se sua ação é entrar numa biblioteca, tome alguma atividade física, tal como retirar o casaco ou folhear sua agenda, para auxiliá-lo durante sua entrada. Quando você vem de um aposento para outro, nós precisamos saber em que cômodo estava e em qual está entrando. Se você entrar com flores recém colhidas e colocá-las num vaso, nós podemos deduzir que você acaba de vir do jardim. A preparação afastará a tensão. O adereço o manterá verdadeiro. Exemplo:
Entrando:
* No escritório. Pegue a correspondência ao passar. Guarde os óculos. Use a chave para abrir o escritório.
* No quarto. Tire o cachecol. Recoloque a chave na carteira. Leia nome e endereço numa carta.
* Na sala-de-aula. Tire o casaco. Tire as luvas. Arrume os papéis da aula.

Dor e morte

Mais cedo ou mais tarde, seu trabalho no teatro irá exigir que você expresse dor ou choque, ou você será ferido e terá que morrer à vista da platéia. São ações que não podem ser experimentadas diretamente no palco e para as quais você precisa de esforço. Nesta técnica as palavras “como se” são usadas para estimulá-lo.

Dor

Se o personagem tem uma terrível dor de cabeça, você, como ator, deve localizar onde é a dor de cabeça. O meio de poder imaginar que ela existe é “como se”...
1. Alguém estivesse apertando seu globo ocular.
2. Você estivesse fazendo um buraco em seus olhos.
3. Eu estivesse enfiando uma agulha no seu olho.
4. Eu estivesse derramando álcool nele para limpá-lo.

Você não deve buscar a reação. Ele deve vir imediatamente da imagem mental, e você deve escolher uma imagem que o afete instantaneamente de modo que a reação possa sobreviver. Exemplo: se você tem uma terrível dor de dentes, localize a dor e então é “como se” alguém estivesse raspando suas gengivas com uma gilete. Não antecipe a dor. Ela deve vir da gilete raspando as gengivas. O uso da metáfora para despertar uma reação não vai além do que o que fazemos na vida real ao dizer “tenho azia”, “minhas costas estão rangendo” ou “minha cabeça está rachando”. A imagem projeta a dor da experiência. É “como se” eu tivesse uma ferida aberta no alto da minha cabeça e estivesse derramando amônia na beira da ferida. A imaginação despertada pelo “como se” lhe dará a técnica para sentir a dor em qualquer parte do corpo.

Morte
Se você recebe um tiro, deve situar o lugar onde foi ferido; pode então cair para a frente ou saltar com o baque. A reação de John Barrymore ao receber um tiro em cena foi dar um salto de 90cm no ar. A ação de dormir está próxima à de morrer – o abandono da consciência. Você começa a perder vida, perder o mundo. Primeiro a vontade não está mais sob controle. Você tenta estender o braço, mas não consegue. Continua a respirar, mas não pode mais se mover. Os sentidos começam a abandoná-lo – audição, visão, paladar; então o cérebro morre e o coração pára. Ao morrer, você experimenta esses estágios sucessivos de perda até que você tenha partido.

Emoção

Mente, coração e alma do ator estão envolvidos em sua profissão. Algumas vezes a mente assume o comando. Às vezes a alma está mais envolvida. Isto trás à baila a questão da emoção. O ator tem numerosos recursos dentro de si mesmo para obter a emoção de que a peça ou personagem necessita. Toda emoção exigida dele pode ser encontrada através da sua imaginação dentro das circunstâncias. O ator deve entender que não pode existir verdadeiramente, exceto dentro das circunstâncias da peça.
Se na peça o ator necessita de uma ação à qual não responde, pode voltar à sua própria vida, não em busca da emoção, mas de uma ação similar. Em sua própria experiência pessoal você teve uma ação semelhante à qual correspondeu uma reação emocional. Volte à ação e às circunstâncias específicas em que esteve e lembre-se do que fez. Se você recordar o lugar, os sentimentos voltarão.
Se o ator tem que rezar para Zeus e considera isso difícil, pode dizer “alguma vez na vida, eu orei”, voltando então à sua própria vida em busca da ação “orar”, que implica pedir socorro. Se ele chegar a esta ação através da sua própria vida e suas circunstâncias pessoais, deve tirar dela somente o seu lado realizável: “pedir socorro”. Uma vez que ele saiba o que é realizável na ação de orar, deve voltar imediatamente para as circunstâncias da peça e erguer as mãos para Zeus. Se o ator constrói os antecedentes da peça e justifica a ação de estender as mãos - porque as crianças estão morrendo, não têm água, suas línguas estão inchadas – haverá o suficiente para dar a ele a ação de estender as mãos ou “orar”.
O lado físico da ação “orar” é “estender as mãos”. Usar uma ação de seu passado é a
única maneira em que ele pode ser trazido para a peça. Permanecer com seu passado pessoal, que o fez chorar ou que lhe causou tão grande emoção, é falso, porque você não está naquelas circunstâncias agora. Você está na peça e são as circunstâncias da peça que têm de ser realizadas verdadeiramente, tomando emprestado da ação que você teve no passado apenas o que era físico, não a emoção.
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Este artigo reproduz o capítulo 5 do livro Técnica da representação teatral, de Stella Adler. Tradução de Marcelo Mello. Editora Civilização Brasileira. (1992)

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