quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Breves considerações sobre a
ENCENAÇÃO

Léon Moussinac


Creio que podem existir tantas concepções particulares de teatro como homens de teatro, quer dizer, artistas que pratiquem seu ofício com a principal preocupação de servir à arte. Por isso mesmo, não me parece que esta arte possa ser governada por leis fixas, imutáveis, universais e de alguma forma mágicas. Seu estudo só permite construir, tendo por base a reflexão e a experiência, teorias que têm valor em função da eficiência da prática que elas determinam, principalmente no que se refere à ação e à encenação, que se definem em consonância com o gênero e estilo da obra, e também levando-se em conta a época e os espectadores aos quais se destinava. Nisto, como em qualquer outra coisa, as teorias são um guia para a ação, para a criação dramática.
Com relação aos métodos, só interessarão os que resultem da razão e da experiência, a fim de se obter o domínio – ou ao menos a busca – dos princípios e da técnica a ser empregada. Em minha opinião, a arte teatral é, ao mesmo tempo, um dom do espírito e fruto do estudo. Por isso deve reinar na arte teatral, como em qualquer outro meio de expressão, a mais absoluta liberdade. As disciplinas nascem de uma necessidade, que para o artista é exterior e interior. Graças ao jogo de influências recíprocas, trata-se em essência de se chegar a uma concepção teatral pessoal que coincida com a idéia que se faz do teatro, de sua finalidade. Para mim, esta última não pode ter um caráter gratuito, por mais que tenha sido imposta pela realidade econômica, política, social – e, portanto, viva – do momento. Por mais que a expressão cause um certo desgosto aos artistas, aqui devemos encarar a utilidade da representação como fator fundamental.

Dons
Falei de um dom do espírito? Bem, trata-se do prazer de expressar, de representar, de criar personagens e situações; também se trata de talento e ofício. Falei de estudo? Por certo. Trata-se de integrar cultura na maior proporção possível, por assimilação dos conhecimentos mais amplos da poesia e da arte – e também de História – assim como do estudo dos clássicos, das técnicas dramáticas, da crítica; trata-se do sentido das idéias originais de cada época, sem esquecer a época em que se vive, o que é mais difícil do que parece.
O caráter ao mesmo tempo nacional e universal do teatro oferece à reflexão uma vasta perspectiva de estudo, o que permite o desenvolvimento de idéias originais. E a personalidade de cada um permite eleger, pouco a pouco, aquilo que melhor se aplica ao objeto encarado (e eventualmente descoberto), assim como os meios de realizar a ação e de representar. Não pretendo, evidentemente, dizer o que se deve fazer, mas sim expor minha opinião de como é possível orientar determinadas escolhas.
Um só exemplo. Em geral, se considera de bom gosto negar a atualidade do teatro. Isto é completamente absurdo, já que a atualidade é ao menos uma garantia de vida na medida em que se incorpora ao universal. Certamente, a razão que determina que algumas obras sobrevivam não é sua atualidade, mas sua força vital.

Mobilidade
Com relação à técnica, não existe uma, mas várias, algumas já testadas e aprovadas, outras que ainda precisam ser exploradas ou até mesmo descobertas. O indispensável é mover-se ativamente e essa mobilidade deve ser cuidadosamente guiada. Simplificando, poderia se afirmar que o teatro só admite concepções gerais: a do teatro escrito e a do teatro representado (a diferença entre ambos é que este último não dispõe de meios de conservação).
O teatro escrito pertence quase que exclusivamente à arte literária (a construção dramática e o diálogo), enquanto o teatro representado está atrelado ao fazer teatral; neste caso, o texto constitui um elemento essencial, mas não exclusivo do espetáculo. Aliás, Molière percebia claramente a diferença entre um texto para ser lido e outro para ser representado:

“Não é necessário advertir que há muitas coisas dependentes da ação. Sabemos que as comédias são escritas para serem representadas, e não aconselho sua leitura, a não ser para pessoas que têm olhos para perceber, na leitura, os recursos do teatro”.

Na história da literatura dramática, particularmente na história recente, tem havido um grande número de obras que respondem mais à primeira concepção do que à segunda, ou seja, funcionam mais sendo lidas do que encenadas.

Solidariedade
Para que uma montagem dê certo, é preciso que os pintores, os músicos, os escritores – e, em especial, os poetas – em total solidariedade com o diretor e os atores, assimilem todos os meios específicos de que dispõe a arte teatral, que pode, em função de um objetivo específico, priorizar mais ou menos um dos elementos utilizados, ainda que o mais importante, evidentemente, seja o ator.
No entanto, em geral os dramaturgos conhecem mais o ator do que os demais elementos cênicos, sendo que estes, em alguns casos, são parte essencial da concepção dramática de uma obra e de sua linguagem. Para o autor, o ator é uma espécie de garantia, como se dele dependesse o sucesso ou o fracasso de sua obra. É por isso que muitas vezes um autor, por pura desinformação, escreva um papel para um ator determinado, o que teoricamente é inaceitável.

Compreensão
Antigamente, quando se pedia a colaboração de um pintor para renovar um cenário insuficiente – digamos, fora de moda – se realizavam projetos segundo princípios que tinham êxito na pintura de cavalete, mas ignoravam as necessidades da ação, os meios técnicos da cena, e também a ótica profunda do teatro, cujas leis não se confundem necessariamente com as da perspectiva. Aos poucos, porém, os pintores compreenderam que não bastava fazer maquetes em seus estúdios e passaram a trabalhar em conjunto com os artesãos do palco, daí resultando trabalhos infinitamente melhores.
Isto significa que o êxito de qualquer espetáculo está atrelado à perfeita combinação de todos os elementos utilizados, o que pressupõe estreita e permanente colaboração entre todos os profissionais, inclusive o autor, até a estréia. Não nos esqueçamos de que o teatro é um todo e a unidade é indispensável.

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O presente texto, aqui reduzido, é uma espécie de introdução feita pelo autor antes de deter-se profundamente no estudo da encenação. O original chama-se Tratado de encenação (Ediciones Leviatán, Buenos Aires, Argentina). A tradução do francês para o espanhol foi feita por Francisco Javier, cabendo a mim sua tradução para o português. O título do presente artigo também é de nossa responsabilidade.

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