Novos rumos para o teatro político
ENTREVISTA/ LUIZ FERNANDO LOBO
Luiz Fernando Lobo está revendo em perspectiva a trajetória de sua companhia, a Cia. Ensaio Aberto, nesse aniversário de 15 anos de atividades, mas sem parar de trabalhar. Depois de apresentar, dentro da programação da última edição do festival riocenacontemporanea, a performance Estação Terminal, realizada por sua mulher, a atriz e produtora Tuca Moraes, o diretor está reestreando Havana Café no Teatro Café Pequeno. Conhecida pelo teor assumidamente contundente e político, a Cia. Ensaio Aberto parece começar, sutilmente, a investigar caminhos diversos, sem, com isso, se distanciar de suas propostas originais. Luiz Fernando ainda não sabe exatamente que caminho é esse. Só que ele é novo.
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CADERNOS DE TEATRO - Como surgiu o projeto de Estação Terminal?
LUIZ FERNANDO LOBO - Fomos convidados para participar de um festival em Londres, ligado às artes plásticas, onde Tuca realizaria uma performance de no máximo 45 minutos. Determinei que faríamos algo ligado ao universo dos doentes terminais. Reli o texto de Cemitério dos vivos – o primeiro espetáculo da companhia, há 15 anos – e achei que seria interessante transportar aquele universo para fora do Brasil. Dirigi, então, o mesmo material original de forma muito diferente, a começar pelo fato de que o espetáculo anterior foi realizado com 20 atores no prédio da UFRJ.
CT - Um projeto como o de Estação Terminal distancia, de alguma maneira, a Cia. Ensaio Aberto de um foco mais diretamente político?
LFL – O texto é extremamente político, mas de uma outra maneira. Está ligado à “temática” da exclusão – sendo próximo, nesse sentido, de nossos outros trabalhos –, mas traz um dado novo, sobre o qual ainda não sei falar muito bem. É algo ligado à forma. Em todo caso, acho que esse trabalho é mais contundente sob o ponto de vista humano e toca mais profundamente em camadas que não investigávamos antes.
CT - Como está sendo olhar para a trajetória da companhia nesse aniversário de 15 anos?
LFL - A exposição que fizemos no Oi Futuro nos fez perceber como trabalhamos de modo intenso ao longo desse tempo. Forneceu-nos uma visão de perspectiva. Um andar era dedicado ao teatro-documental, ao entendimento de teatro como instrumento de avaliação da vida, dos homens, das transformações sociais. São os casos de montagens como Bósnia, Bósnia, O Interrogatório e Olga. Além disso, constatamos, mais uma vez, a omissão de políticas públicas para atender o segmento de grupos e companhias. É quase como se as leis de incentivo tivessem sido idealizadas para produzir espetáculos descartáveis, ao passo que o trabalho em companhia se dá ao longo do tempo.
CT - Você considera que as companhias de teatro brasileiras vêm se integrando nos últimos tempos ou mantendo-se afastadas, cada qual desenvolvendo o seu trabalho específico?
LFL - Quando completamos dez anos de atividade, era comum a imprensa especializada do Rio de Janeiro dizer que não existiam companhias na cidade. Nos últimos anos, porém, a produção delas tornou-se evidente. Temos contado com iniciativas importantes, como a do Movimento Redemoinho, relativo a grupos e companhias do Brasil inteiro. A minha impressão é a de que antes as companhias se comunicavam mal e pouco. Esta situação mudou bastante. Surgiu a possibilidade de nos juntarmos e cobrarmos políticas públicas. Hoje é impossível falar a sério de teatro no Brasil sem levar em conta o trabalho das companhias.
CT - De quais companhias você se sente mais próximo, sob o ponto de vista artístico?
LFL - Da Cia. do Latão, do Folias D’Arte (ambas de São Paulo), do Olodum (da Bahia). São grupos que produzem trabalhos que pertencem a uma mesma tribo, mesmo com todas as diferenças.
CT - E no exterior?
LFL - Hoje em dia essas referências já não são tão fortes. Mas posso citar o Théâtre du Soleil e os trabalhos de Giorgio Strehler, Mathias Langoff e Yuri Liubimov.
CT - Você gosta de trabalhar com não-atores, como em Companheiros?
LFL - Em Companheiros misturei atores com atores bissextos. Estava interessado num outro tipo de ator – e, por isso, durante muitos anos evitei atores de mercado. Às vezes, buscava no mercado uma atriz que considerasse capaz de entender uma determinada personagem, como foi o caso de Thelma Reston, em A Mãe. Não tenho problema com atores de mercado; mas o mercado se organiza de forma contraditória ao funcionamento da companhia. Do mesmo modo, nosso sistema de trabalho, caracterizado por uma necessidade de estar no mundo respondendo na hora aos acontecimentos, é oposto ao do sistema de patrocínio, que exige que se apresente um projeto com uma dada antecedência. Seja como for, nos últimos anos passamos a lidar com esse conflito.
CT - Sua perspectiva em relação aos atores mudou ao longo do tempo?
LFL - Estamos ficando mais velhos. Durante muito tempo trabalhamos com atores bastante jovens, que, algumas vezes, não tinham maturidade pessoal e artística e vinham parar na companhia por falta de opção. Hoje lidamos com pessoas que buscam a companhia pelo que ela é. A relação artística e profissional se modifica. Mas continuo buscando um ator capaz de expressar sua opinião.
CT - Fale um pouco sobre a sua trajetória antes da fundação da Cia. Ensaio Aberto.
LFL - Sergio Britto me convidou, logo após a inauguração do Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio, para dirigir uma montagem de Tambores da Noite. Contei com condições ideais de produção. Era jovem, gostava da peça, do elenco, do resultado, mas, ao mesmo tempo, considerava aquém daquilo que buscava. Percebi que queria trabalhar com um ator mais comprometido. Percebi que meu caminho seria o do teatro de grupo. Hoje sabemos que os anos 90 foram ricos para o teatro de grupo. Trata-se de algo ligado ao processo de redemocratização do país.
CT - Qual é a busca da companhia, nesse momento?
LFL - Temos a certeza de que o passo mais importante é o de conquistar um espaço próprio. Foram muito bons os períodos em que ocupamos os teatros da Aliança Francesa (entre 1995 e 97) e o Glauce Rocha (entre 98 e 2000). Durante a fase da Aliança, consolidamos uma forma de produção e o nosso trabalho diferenciado com o público. O palco daquele teatro nunca foi pequeno para nós, mas o espaço passou a não ser suficiente para abrigar a platéia. No Glauce Rocha, o trabalho da companhia se desenvolveu de forma brutal. Mantivemos contato com grupos de todo o Brasil, albergamos muita gente. E começamos nossa carreira internacional. Fomos convidados a nos retirar do teatro por motivos políticos. Diziam que tinham outros projetos para o teatro, o que era mentira. Tanto que ficou fechado durante seis meses.
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Esta entrevista, publicada nos Cadernos de Teatro nº 178, foi realizada por Daniel Schenker em outubro de 2007
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quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009
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