Pequena teoria sobre
marcação teatral
Domingos Oliveira
Este costuma ser um ponto básico de preocupação dos diretores iniciantes: qual é a marcação da peça? Não apenas os principiantes, mas também os cautelosos, os rígidos, os perfeccionistas, os tímidos ou inseguros querem logo saber: qual é a marcação da peça?
Já vi diretores reduzirem seu método de trabalho a longos trabalhos de mesa, onde os atores lêem seus papéis e discutem, às vezes infindavelmente, assuntos levemente correlatos com a tarefa que têm a cumprir. Quando ninguém agüenta mais a monotonia, o diretor vai para casa e marca a peça, fazendo desenhos em muitas folhas de papel e indicações à margem do texto. Conheço poucos caminhos piores.
A marcação de uma peça é importantíssima no resultado final e, paradoxalmente, não tem nenhuma importância. Teoricamente, ela se propõe a tornar o espetáculo pictoricamente equilibrado, visualmente harmônico. Numa ambição mais cristalina, alguém disse que a boa marca deve refletir os conflitos da peça de um modo tão claro que um estrangeiro, que nada entende do idioma, possa seguir sem esforço toda a narrativa. Outro disse que a boa marcação seria a que realmente ocupasse todo o espaço cênico disponível, dominasse esse espaço. Que, se o palco estivesse – ao início da cena – todo limpo e sem marca, se pudéssemos fazer com que cada passo de cada ator ficasse marcado no chão durante a representação, a marcação perfeita seria aquela que não deixasse nenhum espaço não marcado em toda a área cênica. São propostas corretas. Como cumpri-las?
A movimentação de um ator deve provir de um impulso interno, de uma motivação no mínimo psicológica. Afirmo que no teatro, como na vida real, existem apenas três marcações e toda a infinidade das outras se reduz a estas:
1. Ou eu me afasto de você.
2. Ou eu me aproximo de você.
3. Ou fico à mesma distância, não me movo. (O que é raro)
E a minha escolha entre estas três opções depende de você, da mobilização interna que você me causa, do ímpeto que você me desperta.
Observe-se que este você pode ter um sentido mais lato que a presença do colega. Pode ser a própria platéia ou, muitas vezes, um subtexto ou as próprias intenções vindas diretamente do texto.
O estudo da marcação é, portanto, o estudo do ímpeto. É preciso desenvolver, através de ensaios, o ímpeto do ator. Provocar e motivar, até que o corpo do ator transforme-se “numa folha leve ao vento das emoções”. Sim, porque “afastar-se do outro” tem várias formas, desde sair correndo dali, até simplesmente sentar-se, ou nada mais fazer senão desviar os olhos. “Aproximar-se do outro” pode ser desde olhá-lo mais fixamente até beijá-lo ou cair-lhe de socos em cima. “Manter-se à mesma distância” envolve o equilíbrio raro e delicado da indiferença. Mas são questões de intensidade, que num ensaio podem ser até exacerbadas e depois contidas no limite do conveniente. Mas a marca continua sendo essencialmente aquela que provém do ímpeto interno do personagem.
Somente assim, incitando e forçando os atores a realmente moverem-se em cena como quiserem, segundo seus sentimentos mais íntimos, é que uma marcação viva e coerente pode ser criada. Somente a partir dessa liberdade é que aquelas propostas mais altas referentes à busca da forma perfeita do espetáculo podem ser tentadas. Teatro é uma coisa séria, para gente séria.
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Este artigo foi extraído do livro Do Tamanho da Vida: Reflexões Sobre o Teatro (Coleção Documentos, Rio de Janeiro, INACEN, 1987)
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quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009
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