sexta-feira, 20 de março de 2009

Não fica pedra sobre pedra

Diana Rigg

Diana Rigg é atriz, tendo participado da Royal Shalespeare Company e de várias peças nos Estados Unidos, desde o início dos anos 60. O presente artigo, extraído de seu livro No Turn Unstoned, foi propositadamente bastante reduzido e foca apenas as primeiras dificuldades enfrentadas pelos atores desde que Téspis, descendo de sua carroça, proclamou: "Eu sou Dionisio". Tais dificuldades, naturalmente, eram fruto de "opiniões críticas", formuladas por Imperadores, Santos e outros tantos que se julgavam detentores do monopólio da verdade e encaravam o Teatro como grave ameaça aos poderes que desejavam preservar.

* * *
Fenômeno
Críticos como uma comunidade de homens e mulheres designados formalmente, cujo trabalho é expressar uma opinião do que está acontecendo no teatro, são um fenômeno comparativamente recente: eles surgiram no século XVIII. Mas remova o C maiúsculo, a designação formal, e vemos que desde o início a platéia incluiu pessoas que insistiam em demonstrar suas reações, durante e depois do espetáculo. Como disse Ralph Richardson em um artigo para a antiga Vic-Wells Magazine: "Uma pessoa, se tem qualquer capacidade, quando chega em casa após uma representação, irá criticar o espetáculo que acabou de ver. É natural que o faça e não lhe fará bem algum se não o fizer". Neste sentido, todos nós somos críticos, e tem sido assim desde o começo. As inovações, descobri, foram apedrejadas por muitas pessoas através dos tempos por razões extremamente variadas.
Revolução
Críticas ruins são tão antigas quanto a própria arte teatral. Quando Téspis, o poeta grego que fundou nossa profissão, ficou famosos ao sair do Coro para personificar um dos personagens da história que estava sendo contada, nem todas as pessoas receberam esta inovação magnífica com o entusiasmo merecido - o que será que o levou a dar esse passo revolucionário? Até hoje, os diretores reclamam que os atores sempre querem melhorar seus papéis; mas nós temos um antecedente clássico e o instinto de continuar forte!
Denúncia
Quando Téspis levou sua invenção para Atenas, cerca de 560 AC, Sólon, o legislador, a denunciou como uma ilusão perigosa. Isto era mais do que um ponto de vista pessoal; era a manifestação de uma profunda ansiedade social por causa da representação de atributos próprios de um Deus por um simples homem. No entanto, nesta primeira confrontação, os críticos foram superados pela inovação (E não foi a última vez). Até 543 AC a prática estava tão bem instituída que houve uma competição de representação trágica em Atenas, e Téspis, agora um homem idoso, recebeu o primeiro prêmio.
Começo
Neste começo, todos os papéis em uma peça eram representados por um só homem, geralmente o autor. Ésquilo, o ilustre ator-dramaturgo, então acrescentou um segundo ator ao elenco de suas peças; Sófocles acrescentou um terceiro, e então a profissão foi instituída. Daquele começo até os dias de hoje, ela tem continuado em confronto com uma oposição assustadora, que abrange desde expoentes intelectuais e cívicos da antiguidade, passa por santos e líderes da Igreja, e chega até a oposição Puritana da história relativamente moderna.
Banimento
Platão (429-347 AC) teria banido completamente a profissão de ator da sua República ideal:
E, portanto, quando qualquer um destes cavalheiros pantomímicos, que são tão inteligentes que conseguem imitar qualquer coisa, vêm até nós e fazem uma proposta para exibir a si e a sua poesia, iremos curvar-nos e idolatrá-lo como um ser doce, sagrado e maravilhoso; mas devemos informá-lo também de que em nosso Estado pessoas como ele não podem existir; a lei não os permitirá. E então, depois de ungí-lo com mirra e colocar uma coroa de lã em sua cabeça, nós o mandaremos embora para outra cidade.
Seria o primeiro exemplo do uso da famosa frase: "Não nos procure, deixe que quando for necessário, nós o procuraremos!"
Decência
Quando a tradição dramática da Grécia Antiga foi levada através da Itália sob o Império Romano, o padrão não se manteve. Ovídio (43 AC - 18 DC) pode ter sido preciso, quando, no seus Ars Amatoria, nos dá uma vaga idéia do público do seu tempo: "Adúlteros, alcoviteiros, proxenetas, prostitutas e pessoas efeminadas, vadias, impuras, lascivas e deselegantes", eram os frequentadores mais assíduos da sua época. Em outras palavras (expressando o ponto de vista que tem perseverado através dos anos), pessoas decentes não vão ao teatro.
Mistura
Houve alguns bons dramaturgos romanos como Plauto, Sêneca e Terêncio, mas em geral, o teatro oferecia uma mistura confusa de rimas indecentes, farsa rude e espetáculos elaborados - servindo frequentemente de abertura para uma corrida de carruagens ou exibição de gladiadores.
Escravos
Os atores daquela época eram invariavelmente escravos. Roscius, o melhor ator romano (morreu em 62 AC), obteve a liberdade como resultado de seu sucesso. Mas ele era uma exceção: a profissão, no geral, não conseguia fazer sucesso.
Descrição
O poeta Lucien (120-200 DC) deixou uma descrição dos piores estilos da representação teatral romana:
Vamos considerar o espetáculo horrendo, espantoso, que o ator apreesenta. Suas botas de cano alto o deixam todo fora de proporção; sua cabeça se esconde sob uma máscara enorme; sua boca imensa se abre ao máximo para a platéia como se fosse engolí-la; para não mencionar a almofada do peito e da barriga com as quais ele planeja obter corpulência artificial, para que sua deficiência neste aspecto não enfatize sua altura desproporcionada. E no meio de tudo isto está o ator, gritando ora alto, ora baixo, entoando seus versos iâmbicos bastante frequentemente; existe algo mais repugnante que esta recitação melopéica dos desgostos trágicos?
Chicotada
O Imperador Augusto César (63 AC - 14 DC) mandou chicotear o ator Epífano três vezes em volta do palácio e baniu-o por ter tido a coragem de representar na sua presença em um feriado público. E o Imperador Marco Aurélio (121-180 DC) continuou com a tradição de desencorajamento oficial: "Não vi nada tão inútil para o Estado do que esses Atores, farsistas, e outros malabaristas...". Finalmente, a este duplo bombardeio de desaprovação estética e oficial apresentou-se uma terceira voz, mais forte e duradoura na sua condenação que as outras duas: a da Igreja Cristã.
Deus
Até esse momento, os críticos tinham se limitado, mais ou menos, a dizer: "Eu não aprovo". Agora eles começaram a declarar, com convicção crescente, que "Deus não aprova". E ainda assim, surpreendentemente os atores mantiveram-se fiéis à sua profissão. Atacados, ultrajados, excomungados, negados a sepultamento em terra santa, eles continuaram teimando em subir nos palcos (frequentemente improvisados) para divertir as pessoas com suas representações.
Censura
Os argumentos que os Padres da Igreja tinham contra nossa profissão marginalizada proporcionam uma leitura fascinante. Enquanto alguns deles têm um toque remoto e estranho, diferente de qualquer coisa que seria dita hoje em dia, outros soam bem conhecidos: o raciocínios básico da censura. Tertuliano (155-222 DC), um Padre da Igreja africana que deixou ricas obras em Latim, faz a objeção um tanto simples de que um ator deve ser imoral, porque ao fingir que é outra pessoa no palco, ele tem necessariamente que contar mentiras.
Poluição
Nós não somos agora ameaçados com estes termos. No entanto, prestemos atenção ao que diz Orígenes (185-245 DC), chefe da Escola Cristã de Alexandria: "Os cristãos não devem assistir a peças de teatro, aos prazeres agradáveis de olhares poluídos, para que eles não se excitem com elas". O próprio Santo Agostinho (343-430 DC), um ávido frequentador de teatro antes de sua conversão ao Cristianismo, acrescentou sua opinião à campanha: "Peças de teatro são as mais petulantes, impuras, descaradas, perversas, imorais e detestáveis expiações de deuses diabólicos".
Sobrevivência
São Crisóstomo (155-222 DC) repetiu o mesmo, exceto que as suas palavras testemunham precisamente o que eu quero celebrar aqui: a sobrevivência triunfante do drama. Evidentemente, a descoberta de Téspis e sua classe satisfez alguma necessidade humana profunda que, uma vez despertada, não se permitiria ser reprimida. A voz de São Crisóstomo soa melancólica: "Quantos sermões temos feito advertindo muitas pessoas tolas que deveriam abandonar os teatros e as coisas lascivas que deles se originam. E elas não se abstiveram, mas sempre, até hoje, correm para os espetáculos de peças e danças ilícitas..."
Medalhão
Há muitos anos atrás, enquanto trabalhava na América, recebi um medalhão com as palavras: "São Genésio, Santo Patrono dos Atores". O que contam sobre ele é que no decorrer do espetáculo apresentado ao Imperador Romano Deocleciano (245-313 DC), ele fez o papel de um candidato em uma representação zombeteira do batismo Cristão. Mas a Graça de Deus o atingiu e depois, quando aprsentado ao Imperador, declarou que havia se convertido ao Cristianismo durante o espetáculo. Como consequência desta confissão ele foi torturado, mas não quis renegar sua nova fé, e então cortaram-lhe a cabeça. Ainda não se decidiu se algum dia existiu um mártir chamado Genésio em Roma, dis o Dicionário dos Santos. Por que não? Certamente existiram atores cristãos, e é verdade que alguns escolheram revelar sua fé. Oficialmente não existe nenhum Santo Patrono dos Artistas. É uma triste omissão e não se pode deixar de sentir ser esta uma omissão crítica.
* Este artigo teve tradução de Cláudia Pinheiro. Colaboração do Curso de Tradução do Departamento de Letras da PUC-Rio.
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