segunda-feira, 18 de maio de 2009

Relaxamento:
um diálogo com o corpo

Andréia Fernandes

O corpo humano é sábio. Embora tentemos massacrá-lo, ele continua sábio. Mesmo trancafiado nas grandes cidades, sufocado de fumaça, amarrado com tecidos sintéticos e entupido por uma alimentação tóxica, ele, o corpo humano, continua sábio. Talvez uma sabedoria infantil, imatura, pouco desenvolvida, ou melhor, pouco percebida pela nossa consciência. Por outro lado, o "culto ao corpo", que vem se desenvolvendo nos últimos anos, pode se transformar numa verdadeira obsessão; um controle rígido da alimentação, um violento massacre com exercícios físicos em excesso e muitas vezes inadequados, não podem ser formas saudáveis de interagir com o corpo.

Diálogo

O ideal seria que pudéssemos não só perceber mas sobretudo entender a linguagem corporal. Este diálogo, bastante pessoal, tem como base um conhecimento cada vez mais profundo do nosso corpo. Uma vez estabelecido esse diálogo, perceberíamos com maior clareza o nosso estado geral físico e psíquico, aumentaríamos nossas possibilidades, reaprendendo uma linguagem há muito tempo esquecida por nós, ocidentais.

Alvo

Não seria necessário dizer que esse "diálogo com o corpo" assume proporções vitais no caso do ator, cujo instrumento de trabalho é única e exclusivamente o seu corpo. Toda a sua expressividade e toda a sua emoção passa pelo corpo: na voz, na postura, na respiração, na agilidade e flexibilidade dos músculos e articulações. É óbvio então que o corpo deveria ser alvo de maior atenção por parte do ator e, ao contrário do que se pensa, não é preciso técnicas mirabolantes para se atingir um bom conhecimento e aprimoramento do corpo. Bastam, em linhas gerais, vontade, disciplina e concentração.

Premissa

Uma das formas básicas de estabelecermos um primeiro contato com o nosso corpo é através do relaxamento. Relaxar não é só dissipar tensões ou atingir uma sensação de conforto e harmonia física, espiritual etc. Não é só o resultado que se busca, mas principalmente o processo. Através de várias técnicas de relaxamento (sejam elas aplicadas por outro ou não), com exercícios físicos e/ou respiratórios, massagens etc., somos sempre levados a perceber nossos pontos de tensão, nosso ritmo respiratório e cardíaco, nossos encurtamentos musculares. Partindo daí, o processo de relaxamento é sobretudo uma forma de auto conhecimento do corpo, um aprofundamento desse diálogo corporal; um mergulho profundo dentro de nós mesmos.

Escolha

Não existe uma técnica ideal para relaxar. A escolha de uma (ou várias) técnica é algo estritamente pessoal, sendo que, na maioria das vezes, descobrimos nossas próprias técnicas. O relaxamento individual, sob o ponto de vista que estou tratando neste artigo, oferece duas vantagens. A primeira, e óbvia, é que nem sempre a presença do outro é possível. A segunda é a exigência de uma maior atenção e concentração em cada parte do corpo, estimulando a sensibilidade em relação aos limites e tensões corporais. Importante, também, seria experimentar várias formas de relaxamento. Cada maneira atinge diferentemente as diversas partes do corpo, e isso evitaria a fixação numa determinada forma, tornando-a mecânica e automatizada, tendência tão normal na vida moderna.

Conclusão

Concluindo, se encararmos o relaxamento sem maiores pretensões, como uma maneira de travar um primeiro contato com o nosso corpo, estaríamos dando um bom passo para um maior conhecimento de nós mesmos. Saber escutar e respeitar nosso corpo, aliviar suas tensões, são sem dúvida maneiras de aumentar nossas possibilidades de atuação no palco e fora dele. Principalmente é ganhar uma maior disposição para a vida.

TÉCNICAS DE RELAXAMENTO

I - Relaxamento através do pé:

Sentar de maneira bastante confortável e dobrar uma perna de modo que o pé fique apoiado na coxa da outra perna. Segura-se o pé com uma das mãos e com a outra, fazer delicadamente um movimento de rotação com os dedos do pé, para a esquerda e para a direita, do dedo mindinho ao dedão do pé. A intenção é de soltar as articulações dos dedos, como se fosse desaparafuzar os dedos do pé. Tudo deve ser feito muito devagar para não machucar.
Em seguida, com as duas mãos, puxar os dedos lateralmente, para abrir espaço entre eles. De novo, tudo deve ser feito delicadamente, para não machucar, lembrando sempre que o importante é o processo de tentar aumentar o espaço entre os dedos e não o de conseguir um determinado grau de afastamento. Feito isto, entrelaçar os dedos da mão (contrária do pé que está trabalhando) com os dedos dos pé. A palma da mão (contrária do pé que está trabalhando) com os dedos do pé. A palma da mão fica em contato com a sola do pé. Nesta posição fazer vários movimentos com o pé: rodar, empurrar os dedos para trás e para a frente etc.
Finalmente, voltando a segurar o pé com ambas as mãos, fazer uma massagem no pé direito: a ponta dos dois polegares massageia a sola do pé, calcanhar, tornozelo. A ponta dos outros dedos massageia o peito do pé, percebe as articulações, os ossos, os tendões. Se por acaso encontrar um ponto dolorido, massageie devagar até aliviar a dor. E depois repita tudo com o outro pé. Após esse trabalho o corpo deve estar relaxado, os pés mais espalhados e aderentes ao chão, o peso do corpo melhor distribuído sobre a planta dos pés.

II - Esvaziamento:

Deitar no chão. Imaginar o corpo como um recipiente transparente, com dois orifícios mínimos nos dedões do pé. Imaginar que através desses furinhos um líquido penetra lentamente. A cor e a densidade do líquido devem ser imaginadas. Sinta o líquido entrar pelos pés, ocupar todos os espaços deste recipiente. Sinta-o subir pelas pernas, contornando cada articulação, cada dobra do corpo, dissolvendo todos os pontos de tensão, até chegar ao topo da cabeça, não esquecendo os braços e as mãos, o rosto, a garganta, a boca, o nariz, os olhos e os ouvidos. Depois de tudo preenchido, o líquido volta a sair pelos furinhos do pé, lentamente, carregando consigo toda a tensão do corpo.
__________________________________
Artigo extraído da revista Cadernos de Teatro nº 107/1985, edição já esgotada.
























Um comentário: