quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Expressionismo

Denis Bablet


É incontestável que o movimento expressionista, reação violenta contra o realismo e o naturalismo, "grito da alma" contra as aparências da realidade material, conheceu exageros e prolongamentos anárquicos. Mas tende-se a confundir isto com os fundamentos que o provocaram e os meios de que usou. Quaisquer que sejam os seus excessos, sua contribuição para o teatro moderno permanece considerável.

A ATITUDE EXPRESSIONISTA

Após a guerra de 1914-18, a Alemanha sofreu uma das crises mais graves de sua história. Os sonhos imperialistas desmoronaram, a inflação cresceu, o Estado ficou arruinado, o governo foi levado à falência. A guerra destruiu todas as ilusões. Diante do conformismo burguês, da submissão ao naturalismo, o expressionismo aparece então como uma súbita expressão da alma alemã, uma recusa da realidade exterior, uma arte de diversão e de liberação. Não se trata mais de repetir ou reproduzir o mundo das aparências, mas de criar a imagem da vida interior: "Como sentimento do mundo, o novo espírito significa uma revolta contra as fórmulas mortas do tempo atual. É a nostalgia por um aprofundamento da vida". (Bernhard Diebold).

Esse novo espírito se manifestara desde 1905 no domínio da pintura. A arte de Kokoschka, de Marc, de Kandisky, de Javlensky e de Bechmann é uma reação contra o impressionismo que é rejeitado por se ver nele a arte de uma época passada e incapaz de criar. O impressionista é definido como um ser passivo, cujo "olho físico" só pode captar a realidade terrestre e a "casca" das coisas. A esse "olho físico" se opõe o "olho interior" do expressionista, que penetra até o invisível, até o "âmago" e que permite ao artista descobrir as profundezas do "eu", a "fisionomia latente" dos objetos além do "despedaçamento atômico" proposto pelo impressionismo.

A nova arte se esforça para traduzir o mundo do pensamento, a imaginação, as imagens de sonho e de apresentar tais coisas não como são mas como poderiam ser, e em vez das próprias coisas, a sua significação. Ela é criadora neste sentido que, rejeitando a passividade, se apóia sobre a expressão, movimento do interior para o exterior que, de acordo com Diebold, "modela a natureza graças à atividade espiritual do eu". Chega até a substituir "a expressão formal da emoção do artista pela representação do objeto que pode fazê-la nascer. Tenta exprimir a emoção pelos meios pictoriais independentes da realidade física do objeto pintado".

Essa arte, que nasce da inquietude do homem, tende para a abstração e o símbolo. Repele os processos clássicos, a perspectiva, as regras de anatomia, a simetria, recusa a descrição, a ilusão: "O mundo aí está, diz Edschmid - seria absurdo repetí-lo; buscar sua substância, criá-la de maneira nova, esta é a tarefa primordial da arte".

A história do teatro prova que as revoluções pictóricas prefiguraram sempre as revoluções cênicas. O expressionismo não escapou à regra. Enquanto a produção dramática do expressionismo se desenvolveu desde antes da guerra de 1914, é necessário esperar a crise do pós-guerra para que se afirme como estilo teatral, com as direções de Jessner e de Karl Heinz Martin em Berlim, de Weichert em Frankfurt, de Falkenberg em Munique, de Hartung em Darmstadt ou de Fehling. Ela ganhará a Europa central, a Áustria, a Tchecoslováquia, a Polônia, a Iugoslávia; alguma realizações russas e italianas se aproximarão, os diretores e cenógrafos americanos sofrerão sua influência. Raros são os países que o ignorarão: a França é um deles.

OS COMPONENTES DO EXPRESSIONISMO NA CENA

Têm-se dito e repetido que o expressionismo não era um estilo definível, mas uma tendência do espírito, uma atitude, um "subjetivismo apaixonado", uma "tensão da alma". Suas manifestações são de fato contraditórias: alguns diretores, como Falkenberg em Tambores na noite, de Brecht, utilizam um cenário completo, enquanto outros, como Jessner, conservam apenas o essencial. Mas a contradição é apenas aparente.

O objetivo do diretor expressionista, quer apresente uma peça de Kaiser ou de Shakespeare, é de tornar o drama inteiramente eficaz, de assegurar-lhe "expressividade" máxima, de atingir diretamente o público, de fazer de cada elemento cênico, do ator, do cenário ou de parte deste, da luz e da música, um "elemento de choque", um elemento "que age", portador do "grito da alma" ou da idéia. É bastante significativo que o ano de 1905 tenha sido testemunha da fundação do primeiro salão expressionista, em Dresde, o Brücke, do aparecimento da Arte do Teatro, de Gordon Craig. Pela sua rejeição ao realismo, pela sua promoção do símbolo como recurso artístico, por sua condenação do ator naturalista e sua teoria da Supermarionete, Gordon Craig anunciava o expressionismo, do mesmo modo que o preparava quando escrevia:

"A arte do teatro não é nem o jogo do ator, nem a peça, nem a direção e nem a dança; ela é formada dos elementos que os compõem: do gesto que é a alma do jogo; das palavras que são o corpo da peça; das linhas e das cores, que são o próprio cenário; do ritmo, que é a essência da dança".

Do mesmo modo, Appia insistia na importância da luz, fator vital do teatro.

Dessa revolta brutal contra o naturalismo e o impressionismo, os diretores expressionistas mobilizam diversos recursos proporcionados pela arte e pelo equipamento técnico moderno para "desnaturalizar" a cena. Cada um com sua técnica própria, mas o objetivo permanece comum. Trata-se de desembaraçar a cena de todo caráter descritivo, de toda imitação realista para exprimir aí "a essência do drama", pelo jogo antinaturalista do ator, o simbolismo do objeto, da linha, da cor e da iluminação cênica.

Poderá parecer paradoxal que uma arte que condena a este ponto a realidade exterior faça antes apelo a meios visuais; mas sua utilização deve permitir ao espectador, não captar o lugar de uma ação, seu quadro, mas o "acontecimento", a realidade profunda do drama: "Nós dominamos o impressionismo exterior, nós o substituímos pelo evento expressivo, que se deve apresentar de maneira atual por meio de indicações concentradas". (Jessner)

O EXPRESSIONISMO E O ATOR

Simbolização, acentuação, concentração - tais as características essenciais da arte expressionista, que se encontram na técnica do ator que não é mais tanto um intérprete como o "portador" da idéia. "O ator, para responder à nova vontade da arte, deve se libertar da realidade, e se separar dos atributos desta, para ser apenas o representante do pensamento e do destino". (Kornfeld). Em uma época em que os animadores fundavam suas buscas na volta às tradições profundas da arte do comediante, o teatro expressionista modela o ator: a metamorfose do comediante em herói da tragédia é rejeitada: não se trata mais de encarnar esse ou aquele personagem, de revelar situações, mas de traduzir estados de alma conforme uma transposição simbólica, de sublinhar as características fundamentais dos personagens e dos momentos essenciais da ação, donde este fenômeno de ampliação que ultrapassa consideravelmente as leis habituais da ótica teatral.

O ator expressionista, ao qual o dispositivo cênico traz uma espécie de pedestal, representa fisicamente. O movimento reencontra um valor que perdera: gestos bruscos tendendo para a abstração, que exprimem as articulaçõs do drama e a "tensão" do personagem; gestos que podem até não se concluir, bastando um esboço para indicar-lhe o sentido. Trata-se antes de convencer do que representar. Falou-se muitas vezes de stacatto a propósito do teatro expressionista: o termo corresponde justamente ao jogo do ator, seqüência de élans e de rupturas. A estilização excessiva do movimento corresponde à deformação dos cenários e às modificações bruscas da luz. O simbolismo das cores encontra no jogo o seu equivalente: é o simbolismo das atitudes.

O corpo humano, forma e volume, se adapta ao estado de alma, tornando-se sua tradução plástica. E é pelo movimento abstrato, fora de toda verossimilhança naturalista, que ele recria a "tensão da alma". As atitudes de Kortner, principal ator expressionista, são significativas a esse respeito. Mas apesar do "delusionamento" certo, a arte do ator permanece como elemento mais contestável do teatro expressionista. A simplificação abstrata, as quebras abusivas, os rictus levam frequentemente a uma teatralização convencional e melodramática.
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Trecho de artigo publicado na revista Cadernos de Teatro nº 66/1975, edição já esgotada. Este artigo foi extraído de Théâtre Populaire - n. 22/janeiro de 1957.

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