quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Teatro/CRÍTICA

"Recordar é viver"

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Embates familiares no CCBB


Lionel Fischer


Casados há mais de 50 anos, os septuagenários Ana e Alberto vivem à turras, em parte devido a mágoas e carências acumuladas ao longo do tempo, mas sobretudo no que diz respeito à relação de ambos com Henrique, filho caçula do casal, que aos 30 anos ainda mora com os pais e almeja ser dramaturgo. Mas como não consegue ver encenada a única peça que escreveu, nega-se a trabalhar em qualquer outra atividade e assim permanece completamente dependente dos pais para sobreviver. João, seu irmão mais velho, é a sua antítese - já saiu de casa há muito tempo, é um homem bem sucedido e não se conforma com a atitude dos pais com relação a Henrique, por julgá-la excessivamente protetora. Completando a família, Paula é uma mulher que, após diversas experiências amorosas, retornou à casa paterna tenporariamente. Temos ainda a personagem Bruna, namorada de Henrique, que tenta fervorosamente convencê-lo a reescrever sua peça - que julga muito fraca - e mais adiante se empenha em fazê-lo acreditar que pode dar um novo rumo à sua vida.

Eis, em resumo, o contexto de "Recordar é viver", peça de estréia do jornalista, escritor e historiador Hélio Sussekind, em cartaz no Teatro II do Centro Cultural Banco do Brasil. Eduardo Tolentino de Araújo assina a direção da montagem, estando o elenco formado por Sergio Britto (Alberto), Suely Franco (Ana), José Roberto Jardim (Henrique), Camilo Bevilacqua (João), Ana Jansen (Paula) e Isabel Cavalcanti (Bruna).

Como dizia Nelson Rodrigues, chega um momento em que "toda família começa a apodrecer". Talvez haja um certo exagero em tal assertiva, mas o fato é que a família em questão, ao menos no que concerne à relação dos protagonistas, nos dá a sensação de que os momentos felizes que possam ter vivido já há muito se perderam no escorregadio campo da memória, restando quase que tão somente, como já foi dito no parágrafo inicial, uma permanente falta de sintonia. E esta assume contornos cada vez mais graves em função da postura de ambos frente ao filho caçula - enquanto Ana exibe progressiva inquietação com a apatia do rapaz, Alberto acredita que o tempo acabará ajeitando as coisas. Mas como nada se altera, a animosidade entre os dois só faz aumentar, sendo apenas minimizada quando o casal recorre ao velho expediente de exibir slides do passado, quando parecia existir ao menos uma latente promessa de felicidade.

Estamos, portanto, diante de uma obra com grande potencial dramático, pois além dos pertinentes temas que aborda, o autor constrói bons diálogos e personagens interessantes. No entanto, a peça não "decola". E isto se dá porque falta ao texto algo capaz de promover uma reviravolta no quadro já exposto, que permanece praticamente inalterado até o final. E na existência de alguma atitude, por parte de algum personagem, que gere algum tipo de transformação, tudo acaba se resumindo a uma repetição das mesmas conversas, ainda que estas se tornem mais densas ou agressivas ao longo da peça, assim como mais exacerbado o cáustico humor de alguns embates.

Com relação ao espetáculo, Eduardo Tolentino de Araújo - um dos melhores encenadores nacionais - impõe à cena uma dinâmica que praticamente se limita a ilustrar o texto, sem jamais evidenciar sua habitual criatividade. Tal postura, no entanto, é algo minimizada por sua ótima atuação junto ao elenco. Na pele dos protagonistas, Sergio Britto e Suely Franco exibem atuações irretocáveis, além de uma maravilhosa cumplicidade cênica, certamente fruto de décadas de convivência artística e pessoal. A mesma eficiência se faz presente nas performances de José Roberto Jardim, Ana Jansen, Isabel Cavalcanti e Camilo Bevilacqua - este último, em minha opinião, um ator cuja excelência ainda não lhe conferiu o lugar de destaque que merece na cena carioca.

Na equipe técnica, são apenas corretos os trabalhos de todos os profissionais envolvidos nesta séria e digna empreitada teatral - Lola Tolentino (cenário e figurinos) e Paulo César Medeiros (iluminação).

RECORDAR É VIVER - Texto de Hélio Sussekind. Direção de Eduardo Tolentino de Araújo. Com Sergio Britto, Suely Franco, José Roberto Jardim, Ana Jansen, Camilo Bevilacqua e Isabel Cavalcanti. Teatro II do CCBB. Quarta a domingo, 19h30.

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