quarta-feira, 1 de maio de 2013

Ruggero Jacobbi 
(1920 - 1981)



          Diretor, teórico, cenógrafo e autor. Pertencente à geração de encenadores italianos que chegam ao Brasil nos anos 1950, liga-se a diversas experiências de renovação do panorama teatral, especialmente o Teatro Popular de Arte, e o Teatro Brasileiro de Comédia. Um dos poucos homens de teatro a transitar com desenvoltura entre a prática e a teoria do teatro.

          Exerce diversificada atividade como encenador, roteirista de cinema, crítico de teatro e cinema, colaborando com importantes figuras do teatro italiano, como Bragaglia, Paolo Grassi, Giorgio Strehler, Luchino Visconti, Vito Pandolfi.

          Em 1946, chega ao Brasil acompanhando uma turnê da companhia de Diana Torrieri, da qual é diretor artístico. Integra-se ao Teatro Popular de Arte, de Maria Della Costa e Sandro Polloni, para quem dirige Estrada do Tabaco, de Erskine Caldwell e Jack Kirkland, em 1948, no Teatro Fênix. A direção, sem fugir do risco da monotonia, investe na lentidão do tempo naturalista, valorizando as pequenas ações e a ambientação: o palco coberto de terra, barris com água e destroços reais de um velho automóvel. A montagem é considerada por alguns críticos o primeiro espetáculo naturalista do teatro brasileiro. Ainda em 1948, segue-se uma nova parceria entre Jacobbi e o TPA: Tereza Raquim, de Emile Zola, na tentativa de reproduzir o sucesso de 1919 da atriz Itália Fausta, integrante do grupo, com uma cenografia já idealizada para viagens.

          Em 1949, entra em contato com outra faixa bem diversa do teatro brasileiro dirigindo para a companhia de Procópio Ferreira os espetáculos O Grande Fantasma, de Eduardo de Filippo; Lady Godiva, de Guilherme Figueiredo, e Lar, Doce Lar, de Margaret Mayo.

           No Rio de Janeiro, em 1949, torna-se diretor artístico do Teatro dos Doze, companhia de curtíssima duração de egressos do Teatro do Estudante do Brasil - TEB, liderado por Sergio Cardoso e Sergio Britto. Para esse grupo encena Arlequim, Servidor de Dois Amos, de Carlo Goldoni, assinando também os cenários e figurinos, aliando a qualidade de um clássico ao espírito popular. Sobre como Jacobbi dirige os atores depõe o ator Sergio Britto: "Nós éramos um grupo de atores muito inexperientes; nós tínhamos saído de um espetáculo ou dois e estávamos fazendo Goldoni, que exigia uma elegância de gesto. Ele embutia isso na gente com muito sacrifício, lógico. Então, nós não sabíamos muito ainda, mas havia, não há dúvida de que havia, uma elegância de gestos, de atitudes, que foi ele que colocou na gente. Quando eu digo que ele era um literato e tudo, não quer dizer que ele não fazia nada de teatro; não vamos chegar a esse extremo, o que eu digo é que ele era antes de tudo aquele que explicava, dizia: 'Esse gesto é assim'. Eu me lembro até do Ruggero fazendo certos gestos, mas quem captou todos foi o Sergio Cardoso, que era um Arlequim extraordinário".1

          Sergio Cardoso se destaca na produção na deliciosa criação da personagem protagonista.

          Seguem-se Tragédia em New York, de Maxwell Anderson, e o infantil Simbita e o Dragão, de Lúcia Benedetti, ambos ainda de 1949. No mesmo ano, monta, para o Teatro do Estudante, Sonho de uma Noite de Verão, de William Shakespeare, montagem que se destaca dentro do Festival Shakespeariano apresentado pelo grupo.

          Em 1949, muda-se para São Paulo contratado como o segundo diretor italiano do TBC, depois de Adolfo Celi. Sua primeira montagem na companhia tem um caráter discreto. Trata-se de um boulevard inconseqüente, Ele, de Alfred Savoir, que leva cerca de 13 mil pessoas ao TBC. Sua verdadeira força criativa é revelada ao público paulistano com a última realização desse ano, O Mentiroso, de Carlo Goldoni, que apresenta ao público paulistano o ator Sergio Cardoso, também recém-contratado do elenco permanente. A utilização cenográfica de dois palcos giratórios, engenhosa solução de Aldo Calvo para as mudanças cênicas, permite a fluência da direção, em contraponto à elegância e tradição setecentista goldoniana. Sua segunda participação não tem muita representatividade, apesar de constar entre as dez maiores bilheterias da casa. Trata-se de outro boulevard, Os Filhos de Eduardo, peça ligeira de Marc-Gilbert Sauvajon, em parceria com Cacilda Becker, primeira incursão da atriz na direção, em 1950.

           No mesmo ano, realiza uma encenação importante e polêmica, A Ronda dos Malandros, de John Gay, provocando uma tempestade no TBC. Jacobbi confessa, anos mais tarde, que pretendia montar a versão de Bertolt Brecht e Kurt Weill, mas temendo conflitos com a Censura, opta pelo original de John Gay. Traduzida e adaptada por Maurício Barroso e Carla Civelli, mulher de Jacobbi, a versão encenada inclui versos de Cruz e Souza, abrasileirando ainda mais o enredo que, originalmente, faz de Londres a triunfante indústria da exploração da mendicância. A cenografia e os figurinos de Tulio Costa referem-se a estilos e tempos diversos, ressaltando o tom farsesco que constitui o fundamento de toda a proposta. A direção do TBC resolve suspender as apresentações, um pouco alarmada com as implicações políticas que a montagem contêm, alegando ser ela um fracasso artístico e econômico. Os números do borderô, porém, desmentem esse argumento, já que as dezenove récitas oferecidas praticamente o foram com casas cheias. As apresentações de Ronda são suspensas, e o conflito leva o encenador Ruggero Jacobbi a demitir-se da empresa.

          Ainda em 1950 funda com Madalena Nicoll uma companhia, de vida efêmera, cujas principais realizações são Electra e os Fantasmas, de Eugene O'Neill, e A Voz Humana, de Jean Cocteau.

          Jacobbi regressa ao TBC em 1953 por força das circunstâncias. Contratado para dirigir um filme na Vera Cruz acaba, com a paralisação dos trabalhos por falta de capital, aceitando a direção de Treze à Mesa, de Marc-Gilbert Sauvajon, no TBC, parcialmente recobrando as boas relações com Franco Zampari, já que recupera o caixa da empresa dos malogros anteriores, através dessa despretensiosa e comercial montagem, permanecendo em cartaz por vários meses.

          Em seguida, cria o Teatro de Vanguarda no próprio TBC, no Teatro das Segundas-Feiras, com o objetivo de montar textos de valor dramaticamente reconhecidos. A peça de estréia é A Desconhecida de Arras, de Salacrou, com jovens atores, entre eles, Ítalo Rossi e Walmor Chagas, estreantes na companhia. A iniciativa é bem recebida pela crítica, mas o público não a prestigia, encerrando-a precocemente em sua primeira programação. Jacobbi não volta mais a trabalhar no Teatro da Major Diogo.

          Em 1954, numa produção comemorativa da coletividade ítalo-brasileira, por ocasião do IV Centenário da fundação da cidade de São Paulo, põe em cena A Filha de Iório, de Gabriele D'Annunzio, com Cacilda Becker à testa do elenco.

          Para Maria Della Costa, em 1955, cria Mirandolina, de Carlo Goldoni, montagem que não convence a crítica pela má execução dos atores da proposta da direção e, numa jogada destinada a afrontar o TBC, dirige A Dama das Camélias, de Hermilo Borba Filho, encabeçado por Dercy Gonçalves, numa paródia ao drama de Alexandre Dumas encenado por Luciano Salce com pompa no ano anterior.

           Para a recém-constituída Companhia Nydia Licia-Sergio Cardoso, encena, em 1956, Quando as Paredes Falam, de Ferenc Molnar; Henrique IV, de Pirandello, em 1958. Nesse período torna-se importante mentor intelectual junto ao Teatro Paulista de Estudantes, TPE, que muito em breve, repercute seu trabalho no Teatro de Arena.

          Aceitando um convite da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, UFRGS, transfere-se para Porto Alegre, como diretor do Departamento de Arte Dramática. Inicia, então, ambicioso programa de formação de atores, exercendo forte liderança sobre o teatro local. Como encenador da escola monta Egmont, de Goethe, e O Corvo, de Goldoni, entre outras realizações, em 1959. Funda, juntamente com Daisy Santana, a companhia Teatro do Sul, encenando Don Juan, de Guilherme Figueiredo, A Falecida Mrs. Blake, de William Morum e William Dinner; O Outro Lado do Rio, de sua autoria, e O Leito Nupcial, de Jan de Hartog.

          Fernando Peixoto, um aluno marcado para o resto da vida por este contato, declara: "Ruggero, sem nada impor, me abriu os olhos para tudo e me fez compreender o significado do teatro nacional como integrado dialeticamente no processo mais amplo da sociedade brasileira em sua batalha pela emancipação socioeconômica".2

          Antes disso, ele desempenha papel semelhante na Escola de Arte Dramática - EAD, no Conservatório Dramático e Musical e no Museu de Arte Moderna de São Paulo, MAM/SP, bem como no Seminário de Teatro da Casa de Estudante do Brasil e na Fundação Brasileira de Teatro - FBT, no Rio de Janeiro. Sem falar nas inúmeras conferências avulsas que pronuncia, revelando-se um conferencista de excepcional carisma, elegância e clareza.

          Sua missão conscientizadora completa-se através da sua atividade crítica. É crítico de teatro na Folha da Noite, de 1952 a 1956, e colaborador do Suplemento Literário na Última Hora, de São Paulo, de 1956 a 1962, escrevendo artigos sobre literatura e teatro. Atua, também, como ensaísta, autor de três importantes livros editados no Brasil: A Expressão Dramática, 1956, Goethe, Schiller, Gonçalves Dias, 1958, e O Espectador Apaixonado, 1961.

          Em 1960 Jacobbi retorna à Itália, onde desenvolve extensa atividade como encenador, professor - inclusive diretor da Escola de Arte Dramática do Piccolo Teatro de Milão -, crítico, ensaísta, roteirista e diretor de cinema e de televisão. É também uma espécie de embaixador informal da cultura brasileira na Itália, tendo publicado, em 1961, o importante livro Teatro in Brasile, e tendo ocupado a cadeira de Literatura Brasileira na Universidade Estatal de Roma.

           Ao escrever uma tese sobre Ruggero Jacobbi, a pesquisadora Berenice Raulino define assim os critérios que norteiam a sua trajetória: "A personalidade de Jacobbi era sem dúvida instigante. O pioneirismo, o espírito desbravador e o ecletismo, aliados a uma convicção política de esquerda, direcionaram seu trabalho para as diversas linguagens artísticas e suas projeções diferenciadas de realização. Sua preocupação era situar a arte como eixo da evolução do homem enquanto ser social. Nunca alçou suas convicções políticas como bandeiras ou como dogmas, pois era contrário à realização artística como veículo de propaganda, seu trabalho tem a coerência de alguém que preza acima de tudo a liberdade".3

          Fazendo uma análise síntese do trabalho deste homem de teatro, Yan Michalski declara: "Diante da importância da contribuição de Jacobbi ao teatro brasileiro como intelectual e mestre, sua atividade como artista atuante empalidece. Ele não se revelou, no Brasil, um encenador particularmente dotado ou inventivo, e talvez só duas das suas realizações - O Mentiroso e A Ronda dos Malandros - comparam-se ao que os outros diretores italianos aqui radicados faziam, na época, de mais expressivo. Tampouco ficaram como marcos significativos os seus numerosos trabalhos como diretor e roteirista de TV, diretor de cinema e de ópera. Mas as sementes de inquietação intelectual que deixou plantadas deram frutos admiráveis. Entre outros méritos, não há como lhe negar o de ter sido o teatrólogo estrangeiro que mais se interessou pela cultura brasileira e que mais bem captou as suas peculiaridades; tendo sido, notadamente, o primeiro a revelar, em ensaios brilhantes, a consistência da obra dramatúrgica de Gonçalves Dias. Por outro lado, foi pioneira e decisiva a sua defesa dos valores de um teatro politicamente engajado, voltado para a atualidade e os interesses maiores da sociedade brasileira. Nesse sentido, é provável que o seu trabalho tenha contribuído para o embasamento teórico da reviravolta ideológica, temática e estilística liderada, a partir do fim dos anos 50, pelo Teatro de Arena.

          Ao voltar para a Itália, deixa um documento de despedida, no qual escreve: 'Parto satisfeito de ver que os princípios que eu defendia sozinho há tantos anos passados, hoje se tornaram até lugares comuns: afirmação do realismo contra os delírios místicos, criação de uma dramaturgia brasileira como matéria-prima indispensável do teatro, fundação de uma cultura nacional popular. Cabe aos jovens brasileiros realizar esse programa'."4

Notas

1. BRITTO, Sergio: Entrevista concedida à Berenice Raulino em 31 de janeiro de 1998.

2. PEIXOTO, Fernando: Um Teatro Fora do Eixo. São Paulo. Editora Hucitec: 1993.

3. RAULINO, Berenice. Ruggero Jacobbi: Presença italiana no teatro brasileiro. São Paulo: Perspectiva; FAPESP, 2002.

4. MICHALSKI, Yan. Ruggero Jacobbi. In: _________. PEQUENA Enciclopédia do Teatro Brasileiro Contemporâneo. Material inédito e inconcluso, elaborado em projeto para o CNPq. Rio de Janeiro, 1989.
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Artigo extraído de Enciclopédia Itaú Cultural

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