quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

O Tablado é a mãe do ZÉ


O sucesso percorre muitas vezes caminhos imprevistos. Ainda assim, poucos apostariam na possibilidade de que Z.É – Zenas Improvisadas (que retoma temporada no próximo mês de março, após superlotar todos os espaços em que foi exibido) se tornasse um dos maiores sucessos da temporada de 2004. No entanto, não foi à toa que o espetáculo, criado por um time de jovens e promissores atores - Fernando Caruso, Marcelo Adnet, Gregório Duvivier e Rafael Queiroga - despontou na cena carioca, tendo como base a improvisação, espinha dorsal do curso de interpretação do Tablado, escola que todos os atores ainda freqüentam e conhecida por semear a paixão pelo palco.

Cadernos de Teatro - Falem um pouco sobre o projeto de Z.É – Zenas Improvisadas.

Caruso – É um espetáculo de improviso que conta com três variáveis constantes: uma cena que muda a cada semana, uma aula-show ministrada por um professor convidado - que nós não temos a menor idéia de como será - e a presença de um ator de fora. Na entrada, o púbico recebe uma explicação sobre o tipo de participação que precisamos, que pode ser escrita ou ao vivo.

Gregório – Algumas pessoas acham que combinamos previamente. Digo então
para falarem alguma coisa durante o espetáculo. Na improvisação, estamos sujeitos
a mistérios durante todo o tempo.

Caruso – E o que nós tentamos combinar acaba dando errado.

CT - Um espetáculo como está bastante ligado a uma escola voltada para a improvisação como o Tablado, não?

Caruso - O Tablado é a mãe do . Se o ator sabe improvisar, então está preparado
para o que vier. Podemos brincar em cena, mas não nos desconcentrar porque a
peça precisa continuar. Uma vez faltou luz no meio de uma fala minha em Jonas e a
baleia
. Os atores me pediam para parar e eu continuei.

Gregório - O Tablado põe as pessoas no fogo.

Caruso - É um curso que acontece no palco, verdadeiro espaço de experimentação. Na primeira aula o aluno já sobe na frente de 40 pessoas para fazer um macaco bêbado. Há quem não tope e desista. Já outros cursos têm uma preocupação mais teórica, que, obviamente, não é ruim. Mas aqui acabamos criando vício pelo palco.

CT - Vocês tiveram medo que o espetáculo não desse certo?

Queiroga - No começo achamos que seria um desastre.

Caruso - Tememos que apenas nós achássemos graça.

Adnet – Mas é importante dizer que, apesar de fazermos improvisações, não subimos
no palco sem saber de nada.

CT - Como é o treinamento na improvisação?

Caruso - Nos preparamos de todas as formas possíveis. Até porque o cérebro é um músculo que, ao ser treinado, vai ficando cada vez mais afiado. O treino é importante para adquirirmos uma química entre nós, de modo a sabermos em cena da necessidade de cada um dos atores.

Queiroga - Geralmente as pessoas acham que não existe treino no improviso quando, na verdade, há toda uma escala a ser feita.

Caruso - Às vezes, percebo que se repetisse algo que fiz não teria tanta graça. Como em mineração, descobrimos veios, alguns inesgotáveis, outros sugados até o fim.

Adnet - É necessário ter cara de pau, resposta instintiva e confiança para responder com o seu material aos estímulos.

Gregório - É confiar na sua intuição e defender a idéia até o final.

Adnet - Não podemos duvidar de nós mesmos.

Gregório - Do contrário, o público percebe que você não acredita no que está fazendo.

CT - Há quem não seja capaz de improvisar?

Caruso – Acho que o que mais faz a pessoa travar é quando alguém diz: improvisa!

CT - E não há algo que determine que o bom improvisador seja necessariamente um bom ator e vice-versa?

Caruso - A arte da atuação é enganar a platéia e, às vezes, mais profundamente. Marco Nanini alcança uma espontaneidade decorrente de grande estudo e preparo. E há quem seja excelente improvisador, mas incapaz de abrir mão de seus cacos para fazer determinada coisa.

CT - Improvisação não está ligada apenas ao humor. É possível improvisar a partir de temas fúnebres?

Caruso – Numa cena de discussão em Eu, Henrique Viana, 17 anos, reprovado, virgem, estou voltando pra casa, fui mais contundente e a atriz achou que estava bravo com ela e saiu de cena quase chorando. No drama preciso vender verdade, enganar que aquilo está acontecendo na hora e freqüentemente me obriga a mudar entonações para criar um novo gás. Já fazendo Aluga-se um namorado me dei conta de que existem piadas que precisam funcionar como um relógio cirúrgico. Há um motivo para que seja igual a cada sessão.

CT - Entre os atores do espetáculo, você, Marcelo, é o menos experiente. Como se deu a sua entrada em Zenas Improvisadas?

Adnet - Dizem que tenho um alto grau de autismo, mas que, em compensação, consigo compartilhá-lo com as pessoas. Nunca fui muito normal. Era uma criança estranha. Aprendi a ler e a escrever com três anos. Sempre tive uma tendência maníaca. Comecei a falar russo por minha conta. Na faculdade, compus raps. Acho que por tudo isso Fernando me convidou.

Caruso - Nos conhecemos desde os 14 anos.

Queiroga – E improvisação não é algo que se aprende só no palco.

Caruso – Quando fomos fechar o elenco, vimos que precisávamos não só de bons profissionais, mas também de atores com cabeça de roteirista. Marcelo era assim, só que não fazia teatro.

CT - O que te faz (Marcelo) buscar tantas influências, fontes diversas, manias diferentes? De onde vem tanta curiosidade?

Adnet - Não tenho a personalidade muito definida (estranho isso, né?). Por isso, não tenho interesses muito definidos, um perfil bem traçado. Assim, minhas últimas manias foram: altinha na praia (uma terapia relaxante), Adoniran Barbosa (o palhaço-poeta-urbano-pobre-intelectual), jogo do bicho (ganhei oito vezes em 6 meses). Lembro de adorar ir ao subúrbio, tinha uns 15 anos, pegava o metrô e me metia em lugares paupérrimos por diversão. Conhecia todos os trocadores e motoristas do 157, companheiros de conversas, com quem analisava o número de passageiros que faltavam para alcançar o mínimo. São quase que surtos, mas, definitivamente, desconheço de onde vêm essa curiosidade bizarra.

CT - Falem um pouco sobre a improvisação musical.

Caruso – São escolhidos um artista e uma profissão. Nós fazemos uma apresentação do artista. Daí, introduzo a música e Marcelo leva adiante, sozinho. Há um cruzamento de dados bastante interessante. Além disso, Marcelo tem uma gama de conhecimentos absurda. É capaz de conversar sobre futebol, tipos de plantas que existem no Jardim Botânico, jogadas de xadrez. Refere-se a tantas coisas que eu desconheço...

Adnet - Ajuda o fato de vir de uma família musical. Adquiri intuição.

Caruso - Não se trata de simplesmente cantar uma música fazendo imitações. Criar uma música já é difícil. Na hora, mais ainda.

Adnet - E antes eu ainda tinha que criar uma harmonia.

Caruso - Eu percebia que ele ouvia um acompanhamento que não existia.

CT - Como foi a trajetória do espetáculo, desde a estréia até hoje?

Caruso – Estreamos no Café Cultural em agosto de 2003, onde permanecemos durante um mês. Tivemos dificuldade depois de vender o espetáculo porque é um trabalho de improvisação. Fizemos duas semanas no Teatro do Jockey aliadas a duas semanas no Teatro Maria Clara Machado, onde fomos muito bem acolhidos por Moacir Chaves. Feliz e infelizmente, depois de um tempo não cabíamos mais no Planetário. Migramos, então, para o Teatro dos Quatro, que, apesar de ter cerca de 400 lugares, conserva em sua estrutura uma proximidade com o público, sempre localizado no campo de visão do ator.

CT - Na opinião de vocês, com exceção de espetáculos como Zenas Improvisadas, por que o jovem não freqüenta atualmente o teatro?

Caruso - É o fim de uma era do teatro. Este é um assunto delicado e polêmico. Há uma baixa de público em geral por causa do preço do ingresso. O teatro compete com todas as formas de entretenimento que, muitas vezes, são mais baratas. E as pessoas têm mais hábito de ir, por exemplo, ao cinema. Se os ingressos fossem mais baratos teríamos um entretenimento vertiginosamente menos custoso do que o cinema. Existe ainda a falta de preocupação em encarar seu espetáculo como um produto que precisa ser destacado e diferenciado. É preciso ter uma noção de marketing na hora de vender sua peça. Por que o espectador deve sair de casa para te assistir? O teatro ainda está configurado numa época em que era bom negócio. E é uma arte associada à pompa, o que é bom pelo lado do ritual e ruim pelo desconforto que gera. Poderia ser um acontecimento mais informal.

CT - Há parentescos entre os espetáculos que vêm fazendo sucesso no Rio de Janeiro: a presença de humor, a possível conexão com o besteirol, o atrativo do inusitado. Quando você fala em “o fim de uma era do teatro” estaria se referindo também a concepções de teatro que se tornaram inviáveis com o passar do tempo?

Caruso - Sim e não. Os grandes textos precisam continuar sendo montados, mas pelos grandes atores. As comédias que vêm fazendo sucesso no Rio demonstram ter noção de como conquistar seu público, vender seu produto como algo diferenciado. Não podemos esquecer que cinema, livro e CDs pertencem ao passado, no sentido de algo que foi previamente registrado, escrito ou gravado, ao passo que o teatro ocorre no presente. É vivo. Talvez fosse bom surpreender o público e montar Romeu e Julieta com só Romeu morrendo um dia e só Julieta no outro. Não que todas as peças precisem ser assim, mas é um atrativo.

Queiroga – Nós demonstramos interesse pelo público. É por isso que existe sucesso.

Caruso – O teatro depende de noção e consciência da presença da platéia. O filme pode ser apresentado numa sala vazia, a música, surgir como som ambiente, mas o teatro não existe sem público. É preciso ter preocupação com o público na hora em que se vai montar um espetáculo. A questão principal é: será que o público vai gostar de tal coisa? E não apenas se o ator gosta ou não de determinado texto e personagem. Eu, Fernando Caruso, não me sinto com cacife para acrescentar algo numa montagem de Nelson Rodrigues. Deixo para os que são experts. Os jovens devem fazer algo de que gostem e em que acreditem.

Adnet – Conheci uma época em que só havia TV convencional. Os jovens de hoje recebem muita quantidade de informações e não agüentam peças muito lentas. Eu, por exemplo, tenho dificuldade em ler. Zenas Improvisadas é dinâmico.

Caruso – Qualquer coisa que seja diferenciada traz um novo gás. E quando o público jovem gosta, chega antes, sendo “injusto” com os mais velhos. Mas temos a preocupação de trazer espectadores que ainda não vieram. Até porque nossos padrões de comparação, como com o grupo Monty Python, são mais conhecidos do público adulto.

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3X4

Fernando Caruso
“Casa” de Fernando Caruso há 12 anos, o Tablado fez com que o ator adquirisse vício pelo palco. Não foram poucos os espetáculos do Tablado que integrou: Gato de botas, Jonas e a baleia, Cavalinho azul, Eu, Henrique Viana, 17 anos, virgem, reprovado em seis matérias, estou voltando pra casa, Camaleão na lua, A alma boa de Setsuan e O alfaiate do rei. Aluno de professores como Cacá Mourthé, Lionel Fischer, Ricardo Kosovski, Guida Viana e Johayne Ildefonso, Fernando também se formou em publicidade pela PUC.

Gregório Duvivier
Marcando presença no Tablado desde 1996, quando tinha apenas 10 anos, Gregório Byington Duvivier acumulou experiência em aulas com Cacá Mourthé e Ricardo Kosovski e ganhou a cena nas mostras de esquetes da escola e nas bem-sucedidas montagens de O alfaiate do rei e Zenas Improvisadas. Concilia a atividade artística com a Faculdade de Letras na PUC.

Marcelo França Adnet
Estreante em teatro em Zenas Improvisadas a convite do amigo Fernando Caruso, Marcelo França Adnet participa desde a adolescência de gravações de jingles publicitários como cantor. Estudante de Comunicação Social na PUC, Marcelo se apaixonou pelo teatro e buscou a profissionalização. Em pouco tempo participou da montagem de O alfaiate do rei e fez participações em seriados como Malhação, Turma do Didi e A grande família e no comercial da “Oi”. Não é só: no final de 2004, fez quatro projetos teatro-empresa para a Petrobras e participou da leitura de Rasga Coração, célebre texto de Oduvaldo Vianna Filho.

Rafael Queiroga
Cursa o Tablado há sete anos, tendo passado pelos professores João Brandão, Cacá Mourthé, Isabela Sechin, Ricardo Kosovski e Bernardo Jablonski. Em 2005, será aluno de Leonardo Brício, ao mesmo tempo em que atuará como assistente da professora Bia Junqueira. Ainda no Tablado, participa sempre das Mostras de Esquetes (atuando e dirigindo), e também de espetáculos de final de ano de outros professores, em substituição a alunos que saem repentinamente. As principais peças em que atuou são Médico à força (estréia, aos cinco anos), Pequeno alquimista, O Ateneu e O alfaiate do rei.

Causos

No último dia da última temporada, um jovem de 15 anos teve um ataque epilético assim que a peça começou. Tivemos de recomeçar a peça. Ele passa bem.

Ricardo Kosowski, quando participou como diretor, propôs um “Momento Gerald Thomas” em que todos os atores (inclusive Orã Figueiredo, o convidado) tiveram que exibir a bunda para votação da platéia de qual seria a melhor.

Orã Figueiredo, ao apresentar uma música da coletânea de CDs, surtou e lançou, sem prévio aviso, Cauby Peixoto, para surpresa geral. Adnet se virou e deu tudo certo. Fez sucesso e a platéia nem percebeu.

Silvio Guindane já teve um ataque de riso frenético durante uma das cenas improvisadas.

Marcius Melhem (o convidado de honra em todas as últimas apresentações) certa vez quis colocar o Adnet “no fogo” e deu um título de música quilométrico para dificultar a composição da música e acabou ganhando uma esculachada no final da mesma (na voz da Zélia Duncan).

Na sua primeira participação (nossa terceira apresentação da vida) o professor convidado Johayne Ildefonso achou que a aula de improvisação que ele tinha que dar incluía a platéia e propôs uma danceteria louca com todo mundo dançando, no Café Cultural. Foi bem engraçado.

Nossa estréia, por falta de combinação prévia, teve 2h45. O Cico, nosso primeiro professor convidado da história, repetiu todos os exercícios que ele achou legal. Mas no fim todo mundo se divertiu muito. Só achou “um pouco longo”. Também, pudera! Duas horas e quarenta e cinco minutos!
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A presente entrevista, publicada nos Cadernos de Teatro nº 172, foi concedida a Lionel Fischer e Daniel Schenker, cabendo a este último a redação final.

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