quarta-feira, 9 de setembro de 2009

Agamêmnon,
de Ésquilo

Mário da Gama Kury


Para melhor apreciação do Agamêmnon uma idéia, mesmo resumida, sobre a matéria e a forma da tragédia grega em geral, será sempre útil. Também um certo conhecimento da organização material do teatro grego na época clássica ajudará o leitor a compeender certos aspectos da peça que ora lhe apresentamos. Ao leitor que não dispuser de alguma obra onde possa obter esses dados, ou que os prefira de forma sumária, sugiro a leitura da introdução à minha tradução de Electra, de Sófocles, publicada na coleção Obras Imortais, em 1958, páginas V a XIX.


O Autor e a Obra

Ésquilo, o mais antigo dos três grandes trágicos gregos e criador da tragédia em sua forma clássica, nasceu em Eleusis, perto de Atenas, em 525 a. C. Em suas primeiras peças ainda predomina a parte coral, característica do ditirambo, predecessor imediato da tragédia. Nas Suplicantes (a mais antiga peça de Ésquilo chegada até nós), representada entre 499 e 472 a. C., a parte lírica abrange 605 versos num total de 1.070, em comparação com 317 versos do coro no total de 1.530 versos de que se compõe Édipo-Rei, de Sófocles, considerada a tragédia grega por excelência quanto à definição da forma.

Além das Suplicantes, restam-nos seis outras tragédias de Ésquilo: Os persas (representada em 472 a. C.), Os sete chefes contra Tebas (467 a. C.), Prometeu acorrentado (data desconhecida, provavelmente por volta de 479 a. C.) e a trilogia composta do Agamêmnon, As portadoras de oferendas (Coéforas) e Eumênides (458 a. C.).


Agamêmnon

A peça é a primeira da trilogia conhecida como Oréstia, que inclui As portadoras de oferendas e Eumênides. Agamêmnon é indiscutivelmente a melhor das peças da trilogia e tem valor absoluto, independente das demais. É bem representativo do entusiasmo que sempre despertou essa peça o julgamento de Goethe, para quem Agamêmnon era "a obra-prima das obras-primas".

O texto baseia-se em um episódio da lenda em torno dos Atridas, família a que pertencia o chefe dos gregos na guerra de Tróia. Segundo essa lenda, cujas linhas gerais convém conhecer para seguir com mais facilidade as referências numerosas ao passado próximo e remoto dos personagens da peça, Pélops, o herói epônimo do Peloponeso, filho de Tântalo, viera da Lídia (na Ásia Menor) até Élis, na Grécia, como pretendente à mão de Hipodâmeia, filha de Enomau, rei de Pisa. Conseguiu fraudulentamente o que pretendia, com a cooperação de Mírtilo, servo de Enomau. Malgrado esse serviço, Pélops causou traiçoeiramente a morte de Mírtilo que, ao expirar, lançou contra o assassino terrível maldição, cujos efeitos deveriam atuar sobre toda a raça de Pélops, depois que este tornou-se o senhor da península que deveria guardar o seu nome.

Desde a primeira geração se manifestou a funesta potência da maldição. Entre Atreu e Tiestes, filhos de Pélops, trava-se disputa pela posse da realeza micênia. Tiestes seduziu a mulher de Atreu e, ajudado pela esposa infiel (Aeropé), rouba um carneiro de lã de ouro, que deveria assegurar ao seu possuidor o trono cobiçado. Atreu, protegido por Zeus, é apesar disso proclamado rei. Para vingar-se da perfídia de Tiestes, expulsa-o de Argos; mais tarde, em seguida a uma reconcialiação simulada que lhe ocultava os desígnios criminosos, fê-lo comer, valendo-se de ardil monstruoso, as carnes de dois de seus três filhos. As imprecações de Tiestes vieram então agravar a maldição hereditária, que continuava a atuar sobre a raça de Pélops.

Na geração seguinte, Agamêmnon, filho de Atreu, seria a sua principal vítima. Comandante da expedição dos gregos contra Tróia, quis Agamêmnon vingar em Páris o ultrage infligido a seu irmão Menelau pelo rapto de Helena. Mas para aplacar Ártemis, que se opunha à partida da frota grega, viu-se ele forçado a imolar sua filha Ifigênia e, por isso, fêz-se inimigo de sua mulher, Clitemnestra. Durante a ausência do marido, esta o trai e se entrega a Egisto, filho de Tiestes, que sobreviveu ao trágico banquete, ansioso por vingar seu pai na pessoa de Agamêmnon, filho de Atreu. Tramam os dois a morte do chefe grego, e quando este retorna, após a queda de Tróia, é covardemente assassinado pela esposa adúltera e seu cúmplice. Esse crime atrairia nova vingança: para que se esgotasse o efeito da maldição original seria ainda necessário que o filho de Agamêmnon, Orestes, matasse com as próprias mãos não somente Egisto mas também sua mãe culpada, Clitemnestra.

Os antecedentes e o argumento da tragédia propriamente dita são os seguintes:

Quando Helena fugiu com Páris para Tróia, seu marido Menelau e Agamêmnon, irmão dele, trataram de vingar-se do ultraje a eles, filhos de Atreu e reis do Peloponeso, e a Zeus protetor da hospitalidade. Diante do palácio real, em Argos, apareceram repentinamente duas águias devorando uma lebre; o adivinho Calcas interpretou o fato como se as aves de rapina fossem os próprios reis e a lebre prenhe que se debatia nas garras das águias fosse Tróia. Mas Ártemis, amiga dos animais, ficou ressentida, e quando toda a expedição estava reunida em Áulis, pronta e ansiosa para partir rumo a Tróia com suas milhares de naus, a deusa da caça fez soprarem ventos adversos, que impediram por longo tempo a partida.

Então o adivinho, em palavras obscuras, disse a Agamêmnon que se quisesse apaziguar a deusa e livrar a frota teria de sacrificar com as próprias mãos a sua filha Ifigênia. Assim foi feito e os gregos se puseram a caminho em suas naus. Após uma guerra de dez anos finalmente Tróia foi tomada. Quando Agamêmnon partiu para a guerra deixou em seu palácio, em Argos, sua mulher Clitemnestra, filha de Leda e Tindareu, e irmã de Helena por parte de mãe. Em sua solidão e porque Agamêmnon havia morto Ifigênia, sua filha, deixou-se Clitemnestra levar pelas lisonjas de outro homem, Egisto, filho do mesmo Tiestes que havia conquistado a mulher de Atreu, seu irmão, que se vingou de Tiestes servindo-lhe em um banquete as carnes de seus dois outros filhos.

Clitemnestra, que tramava com Egisto a morte do esposo ausente, ordenou que se organizasse um sistema de vigia, partindo do alto do palácio, em Argos, para que, por uma sucessão de fogueiras a serem acesas em um longo percurso desde Tróia, ela soubesse antecipadamente da queda da cidade de Príamo e, consequentemente, da iminência do retorno de Agamêmnon. Durante muito tempo os vigias ficram atentos, mas finalmente, em certa noite do décimo ano após a partida de Agamêmnon, a chama sinaleira apareceu no horizonte e foi vista pela sentinela postada no alto do palácio de Argos.

Neste ponto tem início a tragédia. Para celebrar o acontecimento, a rainha manda queimar incenso e levar oferendas aos altares dos deuses. Os anciãos componentes do coro, que haviam permanecido em Argos devido à idade avançada, não crêem de imediato na notícia, recebida de forma estranha e rápida, e sem dúvida só é desfeita com a chegada do arauto, que anuncia a volta de Agamêmnon vitorioso, recém-chegado a Argos na única nau que escapara de uma tempestade no meio do caminho. Recebido festivamentepela rainha, que aparenta compreensível alegria, Agamêmnon pede acolhida cordial para Cassandra, filha de Príamo, presa de guerra. Diante da insistência de Clitemnestra o rei consente em caminhar sobre suntuosas tapeçarias até o palácio.

Cassandra, que fora dotada por Apolo do dom da profecia, procura convencer os anciãos do perigo que corria Agamêmnon e, consciente da morte que também a esperava, entra no palácio. Ouvem-se os gritos de Agamêmnon ferido de morte; os cadáveres dele e de Cassandra são vistos depois no vestíbulo do palácio. Clitemnestra exulta com seu feito e desafia os anciãos. Aparece Egisto e declara que Agamêmnon morreu para pagar os crimes do pai, Atreu. Os anciãos, prestes a entrar em combate com os soldados da escolta de Egisto, são contidos por Clitemnestra, mas antes advertem o usurpador de que Orestes, filho de Agamêmnon, então no exílio, regressaria para vingar a morte do pai.
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O presente texto conta do livro Ésquilo - Agamêmnon, publicação da Editora Civilação Brasileira S.A./Rio de Janeiro,1964. A tradução é assinada porMário da Gama Kury




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