quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Teatro/CRÍTICA

"As moças ou o beijo final"

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O medo que paralisa


Lionel Fischer


Estreada em 1970 no Teatro Ipanema, com direção de Ivan de Albuquerque e elenco formado por Tetê Medina e Leila Ribeiro, a peça "As moças" foi muito bem recebida, tanto pelo público quanto pela crítica. E por diversas razões, sendo talvez a principal a capacidada da autora de retratar a desesperada solidão das duas personagens, fruto da ausência de perspectivas minimamente capazes de conferir um sentido maior às suas vidas.

Agora, passados 40 anos, o texto está novamente em cartaz, no Espaço Bar do Espaço Sesc, rebatizada de "As moças ou o beijo final". Vítor Lemos assina a direção da montagem, que tem elenco formado por Dâmaris Grün (Tereza, 30 anos, tradutora e inclinada a tentar uma carreira de escritora) e Patrícia Vaz (Ana, 22 anos, modelo profissional e aspirante a atriz).

As duas dividem o apartamento de Tereza (cada uma é responsável pelo pagamento da metade do aluguel) , mas pouco ou quase nada conseguem dividir além disso. Embora possuidoras de personalidades diametralmente opostas - Tereza é recatada, tímida, não consegue dar vazão às suas emoções e sentimentos, enquanto Ana é, ou simula ser, extrovertida e disposta a viver tudo que a vida possa oferecer -, ainda assim ambas padecem, como dito no parágrafo inicial, de um sentimento de solidão aparentemente irremediável.

Tal incapacidade de transcender aquilo que as imobiliza decorre, provavelmente, do medo que as domina: medo de fracassar, medo de fazer escolhas equivocadas, medo de se encarar como efetivamente são...enfim, medo. E sendo o medo, como o câncer, algo que, se não for combatido a tempo, acaba nos consumindo por completo, as personagens permanecem paralisadas, desgantando-se em estéreis e neuróticos embates, que obviamente a nada conduzem.

Bem escrito, contendo ótimas personagens, um diálogo fluente e abordando temas que permanecem atualíssimos, "As moças" recebeu uma versão cênica bem mais virulenta do que a de Ivan de Albuquerque. Certamente o diretor Vítor Lemos não a assistiu, mas isso pouco importa - até porque comparações são sempre muito perigosas e, não raro, injustas. Sua montagem não é melhor nem pior que a de Ivan: é apenas diferente.

E o ritmo quase sempre exacerbado que impõe à cena me parece objetivar um sentimento de urgência que, sem sombra de dúvida, é bem maior do que o do início dos anos 70. A impressão que tive foi a de estar diante - metaforicamente, é claro - de duas feras enjauladas, que já não suportam mais a si próprias e muito menos conviver com a outra. E no entanto, precisam uma da outra como do ar que respiram. Ou do ar que lhes falta, depende do ponto de vista.

Valendo-se de marcações exasperadas, só eventualmente atenuadas por outras em que as personagens tentam um improvável aconchego, Vítor Lemos consegue materializar os principais conteúdos propostos pela autora, cabendo também registrar sua segura atuação junto ao elenco. Na pele da aparentemente "descolada" Ana, Patrícia Vaz transmite toda a agressividade e desorientação da personagem, mas acredito que seu desempenho possa ser ainda mais contundente desde que consiga, ao menos em algumas passagens, trabalhar a voz num registro menos agudo. Vivendo Tereza, Dâmaris Grün exibe performance igualmente convincente, mas certamente a mesma ainda pode avançar se a atriz, ao menos na parte inicial do espetáculo, trabalhar de forma um pouco mais contida, para que suas posteriores explosões causem maior impacto.

Na equipe técnica, Preta Marques responde por cenário e figurinos corretos, a mesma correção presente na iluminação de Raphael Cassou.

AS MOÇAS OU O BEIJO FINAL - Texto de Isabel Câmara. Direção de Vítor Lemos. Com Dâmaris Grün e Patrícia Vaz. Espaço Bar do Espaço Sesc. Terça e quarta, 20h.

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