quinta-feira, 12 de janeiro de 2012

Breve e despretenciosa reflexão
sobre a difícil arte de se distinguir
o bom colega do coleguinha bom

Lionel Fischer


          O que se segue é destinado a jovens estudantes de teatro que, após um ano letivo em um curso livre, realizam uma prática de montagem. Esta tem, como principal finalidade, levar à cena um texto escolhido e dirigido pelo professor, cujo resultado deve traduzir a evolução dos alunos.

          Pois bem: estamos diante de duas fases distintas. A primeira, restrita às aulas, permite uma relativa flexibilidade no tocante a presença, pontualidade, disponibilidade para participar dos exercícios propostos etc. Já a segunda, a que se refere aos ensaios, implica em algo que, em geral, não se leva muito a sério neste magnífico balneário: compromisso.

          Ou seja: a partir do momento em que se escolhe o texto, os papéis são distribuídos e os horários de ensaio acordados, deveria ficar implícito que o sucesso da empreitada, por mais simples que seja, está atrelado ao comprometimento de todo o grupo. Se um aluno, por exemplo, concorda em fazer determinado papel e se prontifica a estar presente nos dias de ensaio combinados, é de se supor que chegue na hora, que tenha decorado seu papel e, além disso, o tenha trabalhado em casa na medida do seu possível. 

          No entanto, muitas vezes isso não acontece, seja porque o aluno achou que poderia realmente se dedicar ao projeto (sem que possa fazê-lo efetivamente), seja porque acredita em milagres, como se um um imprevisto e misterioso sopro de inspiração pudesse ocorrer a qualquer momento, assim compensando sua preguiça e leviandade.

          Ambos os casos são graves. No primeiro, ao constatar, já no processo de ensaios, que não poderá cumprir o cronograma estabelecido, caberia ao aluno comunicar isso ao professor, ao invés de faltar aos ensaios valendo-se de desculpas bizarras, chegar sistematicamente atrasado utilizando o mesmo expediente etc.

           No segundo, caracteriza-se uma completa alienação. Como pode um ator imaginar, seja qual for seu grau de experiência, que poderá representar com um mínimo de dignidade sem dispender uma reles gota de seu precioso suor? 

          E aqui chegamos ao título desta, como já dito, breve e despretenciosa reflexão. Se ao longo do ano os alunos, ou parte deles, estabeleceram afinidades, tornaram-se amigos, passaram a namorar ou a fazer programas juntos, isso nada tem a ver com a disciplina em aula e muito menos durante os ensaios. E é justamente durante os ensaios que os problemas começam a acontecer.

          Digamos que Roberto, por exemplo, seja um cara animado, festeiro, gentil, ótimo parceiro nas baladas, craque no facebook, super antenado com o que rola nas redes sociais e, dom supremo, bom de contracenar durante as aulas. Sem dúvida, um ser encantador. E tais atributos levam os demais a considerá-lo um bom colega.

          Nos ensaios, porém, revela-se preguiçoso, impontual, não decora direito seu texto etc. Mas como é uma pessoa do bem, todos evitam ao máximo lembrar-lhe as responsabilidades que assumiu perante o grupo e o projeto; fazem das tripas coração para não criar problema com ele, mesmo quando percebem que ele é um problema.

          Finalmente, quase sempre chega o momento - sobretudo quando a estreia se avizinha - em que ao menos um ator tem um insite e constata que Roberto, na realidade, não é um bom colega, mas um coleguinha bom. Ou seja: aquele que, encantos à parte, nada mais está fazendo do que boicotar seu próprio trabalho e o dos outros, na razão direta de sua irresponsabilidade. Mas aí, não raro, já é muito tarde...

          Concluindo: se você é um jovem estudante de teatro, se está fazendo um curso que implica numa prática de montagem e não é, evidentemente, um Roberto - nada contra aqueles que atendem por este belíssimo nome, já que o usei como poderia ter usado qualquer outro - fique muito atento caso esteja convivendo com um exemplar dessa espécie que, por mais encantador que seja, em última instância é aquele que, conscientemente ou não, contribuirá para o fracaso da sua performance e, inevitavelmente, de todo o projeto.

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