segunda-feira, 20 de abril de 2015

Teatro/CRÍTICA

"Eugênia"

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Divertida saga no Planetário



Lionel Fischer



"A peça pretende discutir o papel da mulher na formação da identidade brasileira, levantando questões de gênero ao longo da história, mas lançando um olhar contemporâneo sobre a mulher no final do século XVIII e início do XIX. Quem foi Eugênia - bela, sedutora, amada, usada, grávida, confinada em um convento? O intuito é revelar o feminino oculto e velado dentro de uma sociedade machista. O que significava/significa ser esposa, amante, concubina, mãe, freira, escrava, prostituta, bastarda? O Brasil é uma nação de bastardos? A ideia é revelar ao público a história inédita dessa mulher - cujo enredo conta muito da história do Brasil, vista por de trás dos panos".

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima explicita as premissas essenciais de "Eugênia", na realidade Eugênia José de Menezes, filha do governador de Minas Gerais no final do século XVIII e amante de Dom João VI - tendo ficado grávida e a fim de evitar maiores escândalos, ela é banida da corte. No caso do presente monólogo, de autoria de Miriam Halfim, a personagem retorna do mundo dos mortos para narrar sua versão dos fatos. Em cartaz no Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea), a montagem conta com direção de Sidnei Cruz e interpretação de Gisela de Castro.

Sendo a escritora, dramaturga e, para não me estender em demasia, a intelectual que é, em nada me surpreende que Miriam Halfim tenha feito extensa pesquisa sobre a personalidade que retrata e recria, podendo ser citados os livros "O português que nos pariu", "1808", "Carlota Joaquina, a rainha devassa", "1822" e "O segredo da bastarda". Torna-se evidente, portanto, que a autora tem pleno domínio do que está falando. Ainda assim, e mesmo reconhecendo os méritos do que escreveu, permito-me algumas questões - na realidade, basicamente uma única questão. Mas comecemos pelos méritos.

O texto é quase sempre muito engraçado, repleto de ironias e, em muitos momentos, de revelações surpreendentes - como se sabe, a História que nos é ensinada nos bancos escolares difere muito da que de fato aconteceu, posto que normalmente limita-se em atender aos interesses das classes dominantes. Assim, é muito provável que a plateia acompanhe com assombro a espantosa saga da protagonista, mesmo que ela contenha inserções ditadas pela imaginação da autora - tal fato, aliás, nada tem de equivocado, posto que a presente obra não nos é apresentada como uma biografia oficial e muito menos autorizada (isto seria impossível, evidentemente...) 

No entanto, e mesmo reconhecendo as virtudes acima mencionadas, creio que a opção pelo monólogo minimiza um pouco o alcance de alguns objetivos mencionados no parágrafo inicial. E isto se dá pelo grande número de situações evocadas, já que algumas delas poderiam render belas cenas com mais personagens. Dada a presente estrutura narrativa, praticamente temos que nos contentar com a exposição de fatos e muito menos com uma reflexão cênica mais aprofundada sobre os mesmos. Mas, enfim...trata-se apenas de uma opinião e, como tal, sujeita a todos os enganos. 

Com relação ao espetáculo, Sidnei Cruz impõe à cena uma dinâmica vertiginosa, repleta de soluções imprevistas e criativas, valorizando ao máximo o potencial crítico e divertido do texto. E cabe também ressaltar sua excelente parceria com Gisela de Castro - além de exibir presença, carisma, ótima voz e irretocável trabalho corporal, a atriz consegue estabelecer uma tal cumplicidade com a plateia que a mesma se delicia com o que assiste ao longo de todo o espetáculo. 

Na equipe técnica, José Dias responde por uma cenografia engenhosa, basicamente composta por um grande caixote de onde, inicialmente, a atriz emerge (seu túmulo, certamente) e mais adiante todos os demais objetos que compõem a cena. Aurélio de Simoni ilumina a montagem de forma magistral, contribuindo decisivamente para estabelecer e/ou enfatizar os muitos climas emocionais em jogo. Samuel Abrantes assina figurinos e adereços deslumbrantes, impregnados de teatralidade e fantasia - quanto ao design de aparência, também de sua responsabilidade, achei a expressão chiquérrima, mas não sei o que significa. A destacar também as preciosas colaborações de Beto Lemos (direção musical, composição e execução), Morena Cattoni (preparação corporal) e Verônica Machado (preparação vocal).

EUGÊNIA - Texto de Miriam Halfim. Direção de Sidnei Cruz. Com Gisela de Castro. Teatro Maria Clara Machado (Planetário da Gávea). Sexta a domingo, 20h30.




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