sexta-feira, 16 de junho de 2017

Teatro/CRÍTICA

"Programa Pentesiléia - Treinamento para Batalha Final"

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Instigante versão de um mito

Lionel Fischer



"Pentesiléia se prepara para um hipotético encontro com o herói Aquiles. Ainda que abandonada em um asilo/hospício/prisão/convento, a rainha guerreira surge plena de potência e de sabedoria e em seu delírio lúcido Aquiles não é mais que a projeção de uma luta interior, dilacerante, entre o masculino e o feminino, no qual o plano da realidade da obra muitas vezes se confunde com o da narrativa mítica". 

Extraído do release que me foi enviado, o trecho acima sintetiza o contexto em que se dá "Programa Pentesiléia - Treinamento para Batalha Final", da dramaturga italiana Lina Prosa. Mais recente produção da Cia Teatro Balagan, a montagem, em cartaz no Sesc Copacabana (Mezanino) leva a assinatura de Maria Thaís, estando o elenco formado por Maria Esmeralda Forte (Pentesiléia) e Antonio Salvador (Aquiles). 

Existem incontáveis versões para a figura mitológica de Pentesiléia. Vamos a uma das mais conhecidas. As Amazonas eram filhas de Ares, o cruento deus da guerra, e da ninfa Harmonia. Fundaram, sob a inspiração do pai e da deusa Ártemis, um reino belicoso, composto quase que exclusivamente por mulheres. Para perpetuar e ampliar a comunidade, mantinham relações apenas com estranhos e forasteiros, que em seguida eram mortos ou convertidos em servos. E os filhos homens que nasciam eram castrados, mutilados ou cegados, e a eles eram confiados apenas serviços inferiores. 

Pentesiléia era a Rainha das Amazonas e consta que, após matar por engano sua irmã Hipólita durante uma caçada, viu-se tomada por tamanho desespero que pensou em se suicidar. Mas como uma guerreira só deveria morrer em combate, aliou-se aos troianos na Guerra de Tróia contra os gregos, vindo a ser morta por Aquiles.

A partir daqui existem muitas variantes, sendo uma delas a de que Aquiles imaginou ter matado um guerreiro de Tróia. Mas ao tirar seu elmo, e extasiado com a beleza de Pentesiléia, a possuiu depois de morta. Há também suposições de que, após consumar seu ato, desmembrou o corpo da guerreira, atirando suas partes em todas as direções - essa suposição consta do presente texto. Mas há os que sustentam que ambos teriam tido, não se sabe como, pois imperava a guerra, uma extasiante noite de amor - isso também está presente no texto de Lina Prosa. 

Enfim...diante do exposto, opto por me concentrar nos objetivos expostos no parágrafo inicial, acrescentando um outro trecho incluído no release: "O texto de Lina Prosa é também a defesa do exercício radical, do trânsito necessário ao humano de reger suas ações - ora pelos paroxismos masculinos, ora pelos paroxismos femininos, demonstrando a igualdade paralela entre as forças do matriarcado e do patriarcado, que se contrapõem e se destroem mutuamente".

Em face dos trechos por mim selecionados, e objetivando compreender os objetivos da autora - e também levando em conta o provável desconhecimento da maioria dos espectadores no que concerne à Mitologia Grega -, faço a partir de agora um exercício de simplificação. Para mim não ficou claro que Pentesiléia está em um asilo/hospício/prisão/convento, mas isso não me parece essencial. 

Ou seja: o que importa é que estamos diante de uma mulher que fala de si mesma, tece considerações sobre o feminino e o masculino, evoca seu passado, seus combates e sua paixão por Aquiles. E quando este entra em cena, ocorre um processo semelhante, com especial destaque para a passagem em que ele explicita sua relação com Pentesiléia e as barbaridades que perpetrou com seu cadáver. 

Não há diálogo entre os personagens, posto que jamais se encontram em cena. Mas as reflexões que fazem, ainda que para serem plenamente usufruídas demandem, como já foi dito, algum conhecimento a respeito da Mitologia Grega, por outro não deixam de ser pertinentes e atuais, e certamente por isso tudo que é dito é acompanhado com grande interesse pela plateia.

Com relação ao espetáculo, Maria Thaís impõe à cena uma atmosfera austera e sóbria, provavelmente objetivando priorizar a tragicidade inerente ao texto. E cumpre salientar sua criatividade na manipulação de uma espécie de cadeira/trono (excelente criação do cenógrafo Márcio Medina) que, ao longo da montagem, passa por constantes e imprevistas mutações. 

No que concerne ao elenco, Maria Esmeralda Fortes, do alto de seus 80 anos de vida e 60 de carreira, evidencia o mesmo vigor e inteligência cênica que sempre a caracterizaram, afora sua visceral capacidade de entrega. E, não custa nada acrescentar, está mais linda do que nunca. A mesma eficiência se faz presente na performance de Antonio Salvador, possuidor de ótima voz, excelente trabalho corporal e forte presença. 

No complemento da equipe técnica, destaco com o mesmo entusiasmo as contribuições de Laymert Garcia dos Santos (tradução), Márcio Medina (figurinos), Aline Santini (iluminação) e Dr. Morris (direção musical).

PROGRAMA PENTESILÉIA - TREINAMENTO PARA BATALHA FINAL - Texto de Lina Prosa. Direção de Maria Thaís. Com Maria esmeralda Barros e Antonio Salvador. Sesc Copacabana (Mezanino). Quinta a sábado, 21h. Domingo, 19h.
















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