quinta-feira, 19 de fevereiro de 2009

Atores de Laura:
grupo festeja 10º aniversário


Quando Daniel Herz e Susanna Kruger começaram a dar aulas para adolescentes na Casa de Cultura Laura Alvim, em 1988, talvez pudessem supor que o namoro de um ano duraria outro tanto, ou quem sabe ficariam juntos por mais tempo – acabaram juntando os trapinhos durante 13 anos, daí resultando duas gracinhas que atendem por Daniel (8 anos) e Débora (4). Mas dificilmente imaginariam que os cursos se converteriam no embrião de um dos grupos teatrais cariocas mais marcantes dos anos 90, os Atores de Laura, que em 2002 comemora 10 anos de existência.
Com 10 espetáculos encenados, 13 prêmios (33 indicações), dois livros publicados e muitos projetos – o próximo talvez seja a montagem simultânea de duas obras do fabuloso bardo, Sonho de uma noite de verão e Muito barulho por nada – , o grupo Atores de Laura levou à cena este ano uma excelente versão de As artimanhas de Scapino, de Molière (na tradução de Carlos Drummond de Andrade, que publicamos nesta edição, o título escolhido pelo poeta foi Malandragens de Escapino), que recebeu três indicações para o Prêmio Shell de Teatro: direção (Daniel), ator (Charles Fricks) e figurino (Heloísa Frederico).
Em entrevista exclusiva aos Cadernos de Teatro, Daniel e Susanna recordam o início de suas carreiras, apontam suas principais influências, explicitam os objetivos do grupo e revelam planos para o futuro, entre outros temas.

* * *

Cadernos de Teatro - O que levou vocês ao teatro?

Daniel - Na adolescência, eu tive uma grande decepção religiosa, que determinou uma crise existencial que tinha como ponto crucial a sensação de que a vida era um absurdo, não fazia o menor sentido. Então eu imaginei que aquela sensação de vazio talvez pudesse ser preenchida com o teatro. Soube que o Clovis Levy estava dando um curso na Divina Providência e me inscrevi.

Susanna - Meus pais haviam sido cantores de ópera e lá em casa a arte era sempre um assunto presente. Durante a infância, tive muitas dúvidas entre ser cantora, bailarina ou pianista. Mas acabei achando que, no teatro, poderia ser as três coisas. Então, aos 15 anos, entrei para o Tablado, e fazia aula cinco dias por semana.

CT - Com quem você estudou no Tablado?

Susanna - Com a Maria Clara Machado, Louise Cardoso e Bernardo Jablonski. E mais adiante entrei no grupo Tapa. Quando houve uma cisão nele e o diretor Eduardo Tolentino foi para São Paulo com alguns atores, comecei a trabalhar com Eduardo Wottzik. Essa parceria durou seis anos e me permitiu participar de um projeto maravilhoso: o Festival de Teatro Brasileiro.

CT - Quando vocês começaram a dar aulas, elas obedeciam a algum objetivo específico?
(Nesse momento, os dois começam a falar ao mesmo tempo, o que tornou deliciosamente árdua a tarefa de converter em diálogo o que parecia ser um monólgo bem ensaiado)

Daniel - O objetivo dos cursos era e continua sendo o mesmo, que inclusive norteou o trabalho do grupo, fundado mais adiante: orientar o trabalho no sentido de valorizar o ator.

Susanna - Fazer teatro a partir do ator, que no palco encontraria seu verdadeiro espaço.

Daniel - E também desvincular a atuação do real.

Susanna - Nós sempre acreditamos que a realidade deve ser distorcida no palco, jamais reproduzida.

Daniel - Afora isso, os cursos sempre nos ajudaram a melhorar como atores, pois podemos observar de fora o resultado daquilo que propomos aos alunos e a nós mesmos.

CT - A maioria dos estudiosos não hesita em afirmar que as principais realizações do teatro brasileiro sempre foram fruto do trabalho de grupos e companhias. Vocês concordam?

Daniel - Sem dúvida. Ter um grupo significa a possibilidade de você ser dono da sua própria história.

Susanna - Além disso, para se realizar alguma coisa significativa no teatro é preciso que todos sintam total confiança uns nos outros. E isso só é possível num grupo.

Daniel - E ter um grupo também significa que você só vai fazer o que te parece essencial.

CT - A Susanna usou a expressão “total confiança” como sendo uma premissa básica do trabalho em grupo. Como se chega a ela?

Susanna - É claro que o tempo e a convivência vão aos poucos estreitando os laços entre todos, e a confiança mútua vai se solidificando cada vez mais. Mas nós tivemos absoluta certeza de que nossos projetos só poderiam ser bem sucedidos se conseguíssemos fazer da ética um dos pilares da companhia.

Daniel - E isso implica não apenas em ser totalmente verdadeiro em todos os momentos, mas também no respeito absoluto pelo outro. E esse respeito inclui disciplina, rigoroso cumprimento de tudo que foi combinado, assim como um cuidado muito grande
com o espaço em que trabalhamos.

CT - Como assim?

Daniel - Todos são responsáveis pela limpeza do palco, platéia e camarins. Seria risível pretender chegar a um resultado interessante lidando de forma desleixada com o espaço em que trabalhamos diariamente.

CT - À exceção de As artimanhas de Scapino, que o Daniel dirigiu sozinho, todos os demais espetáculos do grupo levam a assinatura de vocês dois. Como é dirigir em dupla? Há alguma divisão prévia de tarefas?

Susanna - Não, não há uma divisão rígida de funções. Nós acreditamos que o equilíbrio decorre da mescla da força feminina e masculina. Nossos olhares sobre a cena se complementam, com cada um segurando os “surtos” do outro.

CT - Qual de vocês costuma surtar mais? (Risos)

Daniel - Acho que é meio a meio...

CT - Dizem que vocês são um tanto obsessivos quando ensaiam. Isso é verdade?

Daniel - Sem dúvida. Nós acreditamos piamente na eficácia de se repetir incontáveis vezes uma cena. Só assim se chega a um resultado interessante.

CT - E qual é a duração média do período de ensaios?

Susanna - Em torno de seis meses.

CT - Por que vocês resolveram montar As artimanhas de Scapino?

Daniel - Nós estávamos realizando estudos sobre a Commedia d’ell Arte e o texto de Molière tem muito do gênero, inclusive personagens equivalentes a alguns da Commedia.

Susanna - A peça também permitia um trabalho que extrapolasse o cotidiano, que é o que buscamos sempre.

CT - Mudando um pouco o nosso foco: vocês já estão separados há dois anos e mesmo assim continuam a trabalhar juntos, o que não deixa de ser surpreendente. Foi muito difícil conseguir isso?

Daniel - É claro que toda separação implica em sofrimento. Mas assim que nos juntamos, para nós ficou claro que estávamos a fim de criar juntos não apenas uma trajetória teatral, mas também de vida. E se não somos mais marido e mulher, isso não significa que nossa parceria artística tenha que ser desfeita.

Susanna - Não haveria nenhuma razão para isso acontecer. Na próxima montagem do grupo talvez o Daniel dirija e eu atue, ou vice-versa. O importante é que continuamos a acreditar na força conjunta de nosso trabalho.

CT - Já existe algum espetáculo previsto?

Daniel - Na verdade, dois. Estamos pensando seriamente em fazer ao mesmo tempo Sonhos de uma noite de verão e Muito barulho por nada, de Shakespeare. E há também a possibilidade de fazermos alguma remontagem.

CT - E enquanto isso não fica decidido, vocês estão desenvolvendo alguma atividade paralela à exibição de Scapino?

Susanna - Bem, como você sabe, nós administramos há dois anos o Teatro Miguel Falabella. Então, aproveitando que temos à disposição este espaço maravilhoso, estamos
promovendo, entre outras atividades, encontros quinzenais às segundas-feiras com profissionais ligados às artes cênicas, que dão palestras para o grupo. Recentemente tivemos um encontro maravilhoso com Marlene Soares dos Santos, uma especialista em Shakespeare.

CT - Para terminar: vocês destacariam alguém que tenha ajudado ou influenciado vocês?

Daniel - Nós temos uma gratidão eterna para com o Rubens Corrêa, o Ivan de Albuquerque (já falecidos) e a Leyla Ribeiro, fundadores do Teatro Ipanema. Nós freqüentamos muito a casa deles e eles sempre nos deram a maior força.

Susanna - Tanto é assim que nosso primeiro espetáculo, A entrevista, estreou no Ipanema. Rubens, Ivan e Leyla são pessoas fundamentais na nossa história.

__________________________________
Esta entrevista foi concedida a Lionel Fischer em agosto de 2002 e publicada nos Cadernos de Teatro nº 168


Os espetáculos

A entrevista (92/93) - texto de Bruno Levinson e Daniel Herz. Depois de seis meses em cartaz no Teatro Ipanema, no Rio, o espetáculo foi exibido em São Paulo e em Brasília.

Cartão de embarque (94) - texto de Levinson e Herz. Temporadas no Rio e em São Paulo.

Sonhos de uma noite de inverno ou Julliest’s birthday (95) - o grupo e atores convidados apresentaram 50 cenas de comédias, tragédias e dramas históricos de Shakespeare por todas as instalações da Casa de Cultura Laura Alvim. Espetáculo itinerante, teve apenas uma representação, encerrando o Forum Shakespeare no Rio.

Romeu e Isolda (95/96/97) - criação coletiva da companhia. O espetáculo representou o Brasil na Biennale Théâtre Jeunes Publics (Lyon, França, junho de 97).

Decote (96/97) - criação coletiva inspirada na obra de Nélson Rodrigues. Após três meses em cartaz no Rio, participou do VI Festival de Teatro de Rezende (RJ) e também da II Mostra SESI de Artes Cênicas, em São Paulo, excursionando pelo interior do estado a convite do SESC.

O julgamento (98) - adaptação de Herz do texto A visita da velha senhora, de Friedrich Dürrenmatt. Temporada de três meses na Casa de Cultura Laura Alvim, no Rio.

A casa bem assombrada (98) - texto de Susanna Kruger, primeiro espetáculo do grupo dirigido ao público infantil. Cumpriu temporada no Rio e representou o Brasil no Festival Internacional de Teatro para a Infância, na Turquia.

O auto da Índia ou Arabutã (99) - criação coletiva, a montagem se apresentou no Rio e em São Paulo.

A flauta mágica (99) - livre adaptação da ópera de Mozart feita por Antônio Guimarães e Celso Lemos. Cumpriu dois meses de temporada no Teatro Carlos Gomes (RJ).

As artimanhas de Scapino (2002) - texto de Molière. Temporada de quatro meses no Teatro Miguel Falabella, prosseguindo carreira no Teatro Laura Alvim.

Prêmios e indicações

Cartão de embarque - indicação nas categorias texto e direção no Prêmio Coca-Cola de Teatro Jovem.

Romeu e Isolda - Prêmio Shell de iluminação (Aurélio de Simoni). Cinco indicações para o Prêmio Coca-Cola de Teatro Jovem, conquistando direção (Daniel Herz e Susanna Kruger) e cinco indicações para o Prêmio Cantão de Teatro Adolescente, ganhando nas categorias espetáculo e atriz (Ana Paula Secco).

Decote - prêmios nas categorias texto, direção e espetáculo no VI Festival de Teatro de Rezende (RJ). A montagem recebeu as mesmas premiações no Prêmio Coca-Cola de Teatro Jovem (96).

A flauta mágica - indicação para o Prêmio Coca-Cola de Teatro Jovem nas categorias ator (Daniel Herz), direção (Herz e Susanna Kruger), figurinos (Ronald Teixeira), iluminação (Aurélio de Simoni), revelação (Helena Stweart e Paulo Hamilton), autor (Celso Lemos e Antônio Guimarães), produção e espetáculo, vencendo nas categorias revelação, produção, iluminação e espetáculo.

As artimanhas de Scapino - indicação para o Prêmio Shell (2002) nas categorias ator (Charles Fricks), diretor (Daniel Herz) e figurinos (Heloísa Frederico).


Publicações e eventos

A entrevista e Cartão de embarque - reunidos num volume, os dois textos foram publicados pela editora Relume-Dumará (94).

Romeu e Isolda/ Decote - o mesmo ocorreu com as duas peças, publicadas pela Garamond Editora (97)

Prêmio Coca-Cola de Teatro Jovem - apresentação e criação da festa de entrega do prêmio no Rio e em São Paulo (96/97)

Buscas, rupturas e transgressões:

Processos cênicos de companhias de repertório
- patrocinado pela Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, o projeto reuniu grupos representativos do novo teatro brasileiro, no Centro Cultural São Paulo (97). Neste evento, os Atores de Laura compareceram com os espetáculos Romeu e Isolda e Decote.

Ciclo de leituras de Brecht - realizado no Teatro Dulcina, no Rio, em 98. O grupo leu
O círculo de giz caucasiano.

Melodramas do picadeiro - ciclo de leituras dramatizadas de peças circences dos anos 40/50. O grupo leu O mundo não me quis, de A.Peres Filho, no Teatro Gonzaguinha (Fundação Calouste Gulbenkian), em 98. No ano seguinte, participou do mesmo evento interpretando As rosas de nossa senhora, de Celestino Silva.

Festival de Curitiba - a companhia apresentou A flauta mágica, em 2000.

Teatro Miguel Falabella - o grupo assume a direção artística e administrativa desta casa de espetáculo (2000).

Minissérie - a convite da TV Globo, o grupo participou da minissérie sobre a vida de Chiquinha Gonzaga, atuando como uma companhia da época que contava teatralmente a história da maestrina.

___________________________________

Nenhum comentário:

Postar um comentário