segunda-feira, 29 de junho de 2009

Teatro dirigido à criança

Claude-Pierre Chavanon


A percepção da criança é imediata, fragmentária e pessoal; sua atenção está inteiramente voltada para o mundo exterior, para a ação, de modo algum para o seu pensamento, como meio interposto entre o mundo e ela. Assim, a criança não toma distância, adere totalmente ao espetáculo com tudo que abarca de positivo para uma participação ativa do espectador, e de mais discutível para os problemas de identificação com os personagens e de credulidade na "magia teatral".

Projeção

A criança projeta nas coisas todo seu pensamento verbal; ela não analisa o conteúdo de suas percepções, mas o carrega de aquisições mal digeridas. Nossa percepção é constantemente corrigida por nossa compreensão, isto é, pelo uso dos quadros lógicos, sociais ou provindos de nossa experiência. Para a criança, essa correção é ínfima, porque sua percepção é tributária da afetividade e do comportamento motor.

"A imagem é ao mesmo tempo uma forma, uma existência, um comportamento motor correspondente a um certo sentimento". (1)

Pormenores

A criança vê muitas coisas, mais do que nós vemos. Ela observa uma quantidade de pormenores, que passam despercebidos para nossos olhos, mas ela não reorganiza essa pecepção, vê apenas uma coisa de cada vez e, assim, atomiza, ao justapor. Confunde, igualmente, muitas vezes, o usual e o real nos detalhes que ele contém.

A criança justapõe porque não sabe generalizar, achar a reciprocidade das relações à descoberta de uma lei geral, estando ligada à possibilidade de manejar as relações em todos os sentidos. É o fenômeno da tradução, passagem do singular ao singular, diferentemente da indução, que passa do singular ao geral e da dedução do geral ao singular. Essa definição da transdução dada pelo psicólogo Stein foi completada por Piaget, que vê nesse esquema de raciocínio "uma experiência mental primitiva, isto é, uma simples imaginação ou imitação da realidade tal como é percebida, isto é, irreversível". (2)

A + B = C, mas as relações são de tal modo fluidas que C= A + B.

Impossibilidade

Essa irreversibilidade do pensamento explica a impossibilidade que a criança tem de encontrar uma "lei". Não se compeenderia, sem isso, porque a criança não sabe generalizar, quando todos os seus hábitos de sincretismo a levam a assimilar tudo a tudo.

Podemos definir esse sincretismo como a tendência espontânea que as crianças têm de perceber por visões globais, de encontrar analogias imediatamente, sem análise entre objetos ou palavras, estranhas umas às outras, a ligar entre si fenômenos naturalmente heterogêneos, para encontrar uma razão para qualquer acontecimento, mesmo fortuito.

Riqueza

De um lado, não avaliamos bastante a riqueza dessas ligações, porque justamente esse sincretismo não conhece verdadeiro meio de expressões, que o fizesse comunicável. Pensamos, entretanto, que esse meio de expressão está próximo do jogo e, portanto, como mostraremos, também do teatro. Por outro lado, notamos também que essa faculdade de ligar tudo por analogia perturba a percepção por aproximações provenientes de erros, e favorece a credulidade infantil. Compreendemos que o teatro pode explorar essa credulidade.

Hábito

Esse hábito de ligar tudo, de tudo justificar, dá o que se chama fenômeno de pré-causalidade. Como mostram os estudos de Piaget, a criança só vê o que ela sabe, e percebe o mundo exterior como se ele tivesse sido construído antes por sua inteligência. Desde então, a percepção infantil não é visual, não se interessa pelos contatos especiais, nem pela causalidade mecânica. Ela é intelectual, isto é, penetrada de considerações estranhas à observação pura, donde a confusão da causalidade física e da motivação psicológica e afetiva. Assim, as consequências da pré-causalidade são o animismo e o artificialismo. A criança prolonga a realidade sensível de sua observação por uma realidade verbal e imaginada que ela coloca no mesmo plano. Ela nunca viu homem construir montanhas, mas prolonga o que viu no pedreiro, no marceneiro e na televisão.

Plasticidade

O real é plástico ao infinito para a criança, visto que ignora a realidade comum a todos, suscetível de destruir a ilusão e constrangê-la à verificação. Mas a discussão é um tipo de relação falseada, pelo menos para os mais jovens: eles têm durante muito tempo o sentimento de serem inteiramente compreendidos pelo adulto, não tentando daí precisar seu pensamento e, inversamente, retêm o que lhes agrada dos propósitos adultos, pela impossibilidade de penetrar totalmente no mundo adulto.

Realismo

O realismo da criança é intelectual. É a representação do mundo a mais natural para o pensamento egocêntrico. Mostra uma incapacidade para a observação objetiva. É, entretanto, porque a criança não é nem um "intelectualista" nem um místico. Compreendemos que a imaginação, pensamento representativo ou abstrato, influencia, corrige ou suplanta a percepção, pensamento concreto. E como seria de outro modo, uma vez que o real corresponde a um comportamento constrangido, tomado em uma situação, num conjunto, e que a imaginação é fonte de liberdade e de fantasia? Imaginar é usar de representações, de símbolos, é decompor e recompor, transpor, combinar, em uma palavra, é "brincar" para a criança. O processo espontâneo do pensamento é o jogo. É preciso não exagerar, como se faz ainda largamente, o caráter notável da imaginação infantil.

"A pretendida imaginação das crianças é apenas uma mistura confusa das sensações e das imagens e a impossibilidade de ver exatamente o real". (3)

Comparação

Jean Château, citando esta frase de M. Cousssinet, estabelece por seu lado uma comparação com a imaginação do adulto:

"Se há uma imaginação da criança, não é absolutamente que a criança tenha mais imaginação que o adulto, como se pretende; vimos, ao contrário, que sua imaginação é menos precisa, menos rica. Se ela perde em consequência esse maravilhoso poder de evocação, é que ela não pode mais fazer corresponder a um tão grande número de objetos-estruturas tornadas mais complexas; sua imaginação perde em extensão o que ganha em profundidade. Se ele vê menos seres fictícios, é que os vê melhor; é pela mesma razão que as palavras, cujo sentido é tão extenso na origem, se especializam cada vez mais. A imaginação, como a linguagem, perde em extensão o que ganha em compreensão".

Imperfeições

Convém desmistificar a criança, mas não vamos longe em demasia, porque a criança tem consciência de suas imperfeições. É por isso que, ao crescer, ela abandona os jogos de ficção, de simulacro, de símbolos (os nomes variam com os psicólogos), por jogos de regras, mais convencionais. Notemos que o jogo dramático adquire seu lugar e importância, permitindo à criança continuar a desenvolver a faculdade que tinha, de ser rejeitada pela sua incompetência. As crianças têm um senso agudo do símbolo e das convenções.

"A criança se contenta com analogias muito superficiais, muito reduzidas e, daí, relativamente arbitrárias. Não há grande semelhança entre uma haste de couve ou um termômetro, e uma criança sabe que não basta fazer "Hou!" para representar um lobo, nem correr atrás dos colegas para figurar um gavião. Em todos esses casos ela se contenta em estabelecer uma convenção. E chegamos ao caráter ilusório: é uma estrutura convencional". (J. Château, op. cit)

Contudo, essas noções não devem ser levadas ao absoluto e fixadas para toda a infância. Jean Château explica essa progressão da percepção e da imaginação infantil:

"A mentalidade visionária da criança pequena pode favorecer a faculdade ilusória, mas não pode criá-la, porque ela é percepção, enquanto que a ilusão consiste em uma representação, uma reconstituição; esta reconstituição não pertence mais ao domínio das formas percebidas. Mais do que isto, é a própria mentalidade visonária, a faculdade de perceber comparações, que permite à criança libertar-se mais facilmente da percepção presente encontrando nela uma sugestão do ausente, e que ajuda a ruína do seu poder. À medida que desaparece essa mentalidade, a criança é mais exigente em suas imitações; mas, em troca, pela ilusão de que, sem criá-la, essa mentalidade terá facilitado o nascimento, ela terá aprendido o valor do fazer de conta e seu poder evocador e criador. Terá passado sobre o plano dos símbolos, de onde se passa rapidamente ao plano dos sinais. Terá, por assim dizer, abandonado a imagem pela imaginação. Sem nascer diretamente do pensamento concreto, a estrututura ilusória faz como uma transição entre esse pensamento concreto, imaginado e afetivo, e o pensamento abstrato, conceitual e racional do adulto.

1) Jean Château - Le réel et l'imaginaire dans le jeu de l'enfant.

2) Piaget, La représentation du monde chez l'enfant.

3) Coussinet - Rev. Philosophique, 1970 - Le rôle de l'analogie das les représentations du monde exterieur chez les enfants.
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Artigo extraído (e aqui um pouco reduzido) do livro Le Théâtre pous Enfants, que consta da revista Cadernos de Teatro nº 65/1975, edição já esgotada.




























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