sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Amor
de Lionel Fischer

Personagens
Um homem
Uma mulher

Cenário
Palco vazio


(O Homem e a Mulher estão sempre entrelaçados, como se estivessem fazendo amor. Mudam constantemente de posição. Eventualmente, se imobilizam)

Mulher - As minhas mãos tocam o teu corpo. Sei que elas estão frias. Mas o teu corpo também está gelado. Sei que você sabe disso. Sei que você nota. E no entanto eu continuo a te acariciar. E você continua a fingir que não percebe. Por quê?
Homem - A minha boca está crispada. E há nela mais ódio do que amor. Sempre brinquei dizendo que teus seios eram dois magníficos peixes que saltavam e que eu amava capturá-los com doçura. Agora, tão perto deles, tendo-os ao meu alcance, fugiu de mim a antiga ternura. E eu me preparo, como uma fera, para capturá-los com violência. Por quê?
Mulher - Eu me volto apenas por não suportar a visão do teu rosto de vidro que se debruça sobre mim. Os teus olhos, que se transformaram em duas luzes ocas. Que não refletem mais os meus. Que não são mais os teus. Se ao menos os teus dentes se convertessem em punhais de prata e fossem corajosos para ir até o fim. Sim, acabar de uma vez com essa estranha dança que não precede o orgasmo, mas a morte.
Homem - Os nossos corpos são duas cidades mortas. São caminhos gastos que percorremos arrastando nossas próprias vidas e que conduzem a nada. Eu me sinto demente. Bêbado. Miserável. E a minha loucura e embriaguez são cada vez mais intensas e incontornáveis. Eu já sinto o abismo sob os pés e eles tremem de pavor. E no entanto...
Mulher - Eu olho à nossa volta e me apavora que sejamos a regra e não a exceção. Se fosse o contrário, não seria difícil te dizer adeus ou você a mim. E recomeçar tudo. Mas todos se arrastam como manequins, impregnados de cera e encharcados de morte. Como se todos fossem portadores de um tumor cerebral.
Homem - Há em nós sinais de uma grave doença. Talvez incurável. Fabricada com a nossa aquiescência. E somos todos portadores dessa peste. Nós geramos nossa própria ruína...assistindo a esse desfile de mãos crispadas, é possível...mas permitindo que o cortejo desfilasse.
Mulher - Nós permitimos que o nosso destino nos escapasse. Tudo o que nós criamos nos fugiu, adquiriu vida própria e hoje caminha sem sentir a nossa falta. Acima da minha vontade ou da tua, existe uma outra, superior a todas as demais: a vontade do mundo. Do mundo organizado. Civilizado. Que nos massacra impiedosamente dando a entender, no entanto, que só nutre, a nosso respeito, uma terna indiferença.
Homem - Estamos juntos, aqui, há tão pouco tempo e eu já me sinto esgotado. Aguardando com ansiedade o teu grito angustiante, que nos autorizará o silêncio e o esquecimento. Nós tombaremos, cada um para um lado. Ficaremos calados. E daremos a impressão, um ao outro, de que procuramos manter, com a imobilidade de nossos corpos, o imenso prazer pouco antes obtido. Mas estaremos mentindo. Que importa? Silêncio é sabedoria.
Mulher - Já é hora. Sinto pela milésima vez esse grito que me sobe. E que não me significa mais nada. Um dia, talvez, ele tenha sido de prazer. Hoje é de angústia. Não, não acredito que despreze esse amigo exausto que suaviza com seu corpo o peso do meu. Não. Eu apenas não sei mais o que significa essa palavra: amor. O que é?
(O casal tomba, exausto. Podem ter chegado ao orgasmo. Ou podem estar mortos)
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