terça-feira, 27 de janeiro de 2009

Aranha
de Lionel Fischer


Personagens
Wal
Helena

Cenário palco nu

Wal - Olha, amiga: eu te juro. Agora é pra sempre!
Helena - Nada é pra sempre: só os diamantes e o Tablado.
Wal - Eu nunca mais entro nesse tipo de roubada.
Helena - Que roubada?
Wal - Ser apresentada a alguém que, supostamente, tem tudo a ver comigo.
Helena - E você conheceu quem? Quando? Onde?
Wal - Antonio Henrique, ontem, na casa da Francisca.
Helena - Quem é Francisca?
Wal - Uma colega do escritório. Ela resolveu dar uma festinha supostamente para comemorar uma promoção que ela acabou de receber.
Helena - Você adora essa palavra: supostamente.
Wal - Mas o que ela queria mesmo era me arranjar um namorado.
Helena - Namorar é legal.
Wal - A Francisca cisma que eu tô infeliz porque tô sem namorado e vive tentando me arranjar um.
Helena - Mas você tá mesmo infeliz desde que o Astolfo assumiu que era gay e sumiu.
Wal - Tudo bem. Mas isso não quer dizer que a cada semana eu tenha que conhecer um cara e muito menos achar que esse cara...
Helena - Quem era o cara?
Wal - Um tal de Eurípedes.
Helena - Dramaturgo?
Wal - Não, zoólogo.
Helena - Poxa, que legal. Um zoólogo...
Wal - Legal por quê?
Helena - Ah, sei lá...é outra cabeça, outro tipo de papo.
Wal - Pois é. E foi justamente o papo que me aterrorizou.
Helena - Te aterrorizou? Como assim?
Wal - O cara é especializado em aranha.
Helena - Em aranha? Pô, amiga, chocante! Aranha é um puta símbolo!
Wal - Do quê?
Helena - Sei lá...mas aquele monte de patas...aqueles olhões...
Wal - Aranha não tem pata, tem perna.
Helena - Mas tem olhão.
Wal - Tudo bem: tem olhão. Mas deixa eu continuar.
Helena - Continua.
Wal - Assim que a gente foi apresentado, ele começou a falar nos aracnídeos.
Helena - Como assim?
Wal - Aracnídeo e aranha são a mesma porra.
Helena - Que legal...eu não sabia.
Wal - E é aranha pra cá, aranha pra lá. Porque as aranhas fazem isso, deixam de fazer aquilo...
Helena - E você?
Wal - Eu nada, só ouvindo. Eu não entendo merda nenhuma de aranha!?
Helena - E aí? Quando foi que brotou o impasse?
Wal - Quando o Eurípedes falou da aranha saltadora.
Helena - Ué...tem aranha que salta?
Wal - Tem uma que salta pra cacete.
Helena - Que legal...
Wal - O Eurípedes falou que essa espécie é capaz de saltar tipo uns quatro metros e antes que eu pudesse fazer qualquer tipo de comentário...
Helena - E você ia dizer o quê?
Wal - Eu não sei, mas poderia mandar um “nossa”, um “não acredito”, um “não é possível!?”, nem que fosse por educação, para mostrar um certo interesse, já que olhos dele brilhavam de paixão.
Helena - Por você!
Wal - Não, por essa merda dessa aranha saltadora!
Helena - Entendo.
Wal - Aí o Eurípedes olhou no fundo dos meus olhos, como só fazem as pessoas profundas e os oculistas...
Helena - Exame de vista é sempre uma situação muito constrangedora.
Wal - Ele segurou minhas mãos com uma certa sofreguidão e disse: “Wal...se você tivesse a mesma capacidade de saltar dessa aranha, você conseguiria pular por cima de dois jumbos enfileirados! Já pensou?”
Helena (Após longa e profunda pausa) – E você...pensou?
Wal (Após longa e profunda pausa) – Pensei...
Helena - E respondeu o quê?
Wal - Eu disse: “Eurípedes, você já leu Quintana?”

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